segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Opinião | Reconhecer os males da colonização talvez seja pouco


Tenho sido adepto da corrente que faz campanha para que Portugal, à semelhança do que vêm fazem a França e a Inglaterra, tome uma posição política pública no sentido de reconhecer e reparar as atrocidades cometidas durante a sua dominação de países africanos. É o preço da história.

Neste quesito, o país luso, por meio das suas autoridades, tem-se inclinado mais para uma omissão, acoitando-se (tal como ontem, na falácia do ultramar) na ladainha de serem, Angola e Portugal, "países irmãos". É um clichê que o presidente angolano João Lourenço, curiosamente, não subscreveu na sua visita inaugural ao coração do ex-colonizador, preferindo, antes e bem, ficar-se por "países amigos".

Há uma história comum que não pode nem deve ser suavizada nas suas sequelas, o que nada tem que ver necessariamente com xenofobia, neonativismo ou o que valha, contra quem quer que seja. A questão não reside no quanto o indivíduo europeu se sinta/identifique mais ou menos angolano e prefira viver cá, mas, sim, na gestão de passivos históricos por Estados, havendo famílias que ficaram e ficarão para sempre afectadas por conta do expansionismo racista e fascista dos regimes portugueses que reinaram em Angola até 1975.

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa teve a feliz saída de tomar uma decisão pública no sentido de assumir os males da presença colonial portuguesa em África, contrariando assim correntes que defendem não mais se tocar no assunto ou simplesmente rasgar as páginas de capítulos perniciosos, volvidas quatro décadas de independência, assim de repente e num toque de mágica, considerando que a geração actual já não tem a ver com a dos combatentes pela liberdade. Contra a corrente, o professor Marcelo sai-se bem na fotografia, justamente numa fase em que a França, por iniciativa do presidente Macron, instituiu uma comissão que visa devolver o espólio imaterial usurpado em África.

Convenhamos, chegados a esta etapa, ganha-se o direito de cobrar o passo seguinte, conhecendo como se conhece a natureza circunstancial do discurso político. O que irá Portugal fazer para melhorar alguns aspectos, de que fazem parte a representação e representatividade das comunidades africanas nas vertentes social, cultural e política?

Não faltarão certamente almas que se sintam melindradas, mas o certo é que há um longo caminho a trilhar para se chegar a uma integração do "não branco" (quanto mais escura a tez, pior) nas sociedades ocidentais. O pior é que a negação deste mal, algumas vezes em apelativo sofisma e/ou relativização na voz de quem nunca o sentiu, não ajuda em nada o salto necessário ao bom-senso e humanidade.

E talvez não baste que as antigas potências colonizadoras reconheçam os malefícios da sua presença em África. A diferença estará em reconhecer e valorizar as realizações artística, intelectual, cultural e afins, sem que o critério seja o de se "estar perto daquilo com que o consumidor europeu já se identifique". Foram muitos anos de um sistema paternalista, pelo que resulta sendo natural que no seu olhar sobre as sociedades africanas vigore, ainda que inconsciente, a protecção da comunidade ultramarina e seus descendentes (não a África como tal, mas o nosso ideal de África que civilizamos). Eis a dolorosa percepção que se colhe em contestações de vários movimentos africanos da diáspora.

Para o melhor de todos, urge que, na alteridade intercultural, as lógicas de mercado reabram e alarguem o espaço para as linguagens e sensibilidades do “outro protagonista”… com quem não se partilhe ascendência. Só reconhecer o mal da colonização talvez seja pouco. Ainda era só isso. Obrigado.

Gociante Patissa | Benguela, 26 de Novembro 2018 | www.angodebates.blogspot.com
Foto: Diário de Notícias
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