Tenho
sido adepto da corrente que faz campanha para que Portugal, à semelhança do que
vêm fazem a França e a Inglaterra, tome uma posição política pública no sentido
de reconhecer e reparar as atrocidades cometidas durante a sua dominação de
países africanos. É o preço da história.
Neste quesito, o país luso, por meio das suas autoridades, tem-se inclinado mais para uma omissão, acoitando-se (tal como ontem, na falácia do ultramar) na ladainha de serem, Angola e Portugal, "países irmãos". É um clichê que o presidente angolano João Lourenço, curiosamente, não subscreveu na sua visita inaugural ao coração do ex-colonizador, preferindo, antes e bem, ficar-se por "países amigos".
Há uma
história comum que não pode nem deve ser suavizada nas suas sequelas, o que
nada tem que ver necessariamente com xenofobia, neonativismo ou o que valha,
contra quem quer que seja. A questão não reside no quanto o indivíduo europeu
se sinta/identifique mais ou menos angolano e prefira viver cá, mas, sim, na gestão de passivos históricos por
Estados, havendo famílias que ficaram e ficarão para sempre afectadas por conta
do expansionismo racista e fascista dos regimes portugueses que reinaram em
Angola até 1975.
O
presidente Marcelo Rebelo de Sousa teve a feliz saída de tomar uma decisão
pública no sentido de assumir os males da presença colonial portuguesa em
África, contrariando assim correntes que defendem não mais se tocar no assunto
ou simplesmente rasgar as páginas de capítulos perniciosos, volvidas quatro
décadas de independência, assim de repente e num toque de mágica, considerando
que a geração actual já não tem a ver com a dos combatentes pela liberdade. Contra
a corrente, o professor Marcelo sai-se bem na fotografia, justamente numa fase
em que a França, por iniciativa do presidente Macron, instituiu uma comissão
que visa devolver o espólio imaterial usurpado em África.
Convenhamos,
chegados a esta etapa, ganha-se o direito de cobrar o passo seguinte, conhecendo
como se conhece a natureza circunstancial do discurso político. O que irá
Portugal fazer para melhorar alguns aspectos, de que fazem parte a
representação e representatividade das comunidades africanas nas vertentes social,
cultural e política?
Não
faltarão certamente almas que se sintam melindradas, mas o certo é que há um
longo caminho a trilhar para se chegar a uma integração do "não
branco" (quanto mais escura a tez, pior) nas sociedades ocidentais. O pior
é que a negação deste mal, algumas vezes em apelativo sofisma e/ou relativização na voz de quem nunca o sentiu, não
ajuda em nada o salto necessário ao bom-senso e humanidade.
E talvez
não baste que as antigas potências colonizadoras reconheçam os malefícios da
sua presença em África. A diferença estará em reconhecer e valorizar as realizações
artística, intelectual, cultural e afins, sem que o critério seja o de se "estar
perto daquilo com que o consumidor europeu já se identifique". Foram muitos
anos de um sistema paternalista, pelo que resulta sendo natural que no seu
olhar sobre as sociedades africanas vigore, ainda que inconsciente, a protecção
da comunidade ultramarina e seus descendentes (não a África como tal, mas o
nosso ideal de África que civilizamos). Eis a dolorosa percepção que se colhe em
contestações de vários movimentos africanos da diáspora.
Para o
melhor de todos, urge que, na alteridade intercultural, as lógicas de mercado reabram
e alarguem o espaço para as linguagens e sensibilidades do “outro protagonista”…
com quem não se partilhe ascendência. Só reconhecer o mal da colonização talvez
seja pouco. Ainda era só isso. Obrigado.
Gociante Patissa | Benguela, 26 de Novembro 2018 | www.angodebates.blogspot.com
Foto: Diário de Notícias
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