quinta-feira, 26 de novembro de 2020

COMO EDITAR UM PRIMEIRO LIVRO (fragmentos da crónica do site da editora Relógio D’Água)

 Se deseja ser escritor tem de aceitar o risco de nunca viver do que escreve – em Portugal, só meia dúzia de autores o conseguem.

Para quem quiser enriquecer o caminho é outro. Caso não tenha idade para uma academia de futebol, nem «estômago» para fazer carreira nas juventudes partidárias, pode sempre tentar descobrir um enredo esotérico que envolva a Ordem dos Templários ou uma rainha portuguesa infeliz e ardente. Neste caso, ninguém se lembrará de si dentro de dez anos, mas será considerado escritor por alguns amigos mais condescendentes e pelos habituais leitores do género.
Tradicionalmente, o autor cujo original era várias vezes recusado imprimia a obra à sua custa (ou aceitava participar nas despesas da editora o que ocultava muitas vezes um negócio obsceno). O caso mais famoso de autoedição é o de Miguel Torga.
Hoje, com o desenvolvimento conjunto da Internet e da impressão digital, a edição de autor aproxima-se já, em número de títulos, da edição normal em países como os EUA.
Algumas companhias como a Creative Space da Amazon produzem obras cobrando os custos de impressão e partilhando os lucros.
Na Europa, onde as tradições culturais são diferentes, o movimento é incipiente, no que se refere à ficção narrativa e poesia. No entanto, algumas livrarias britânicas dispõem já de serviços de impressão a pedido, que podem servir a autoedição.
Dados os riscos financeiros e tempo que exige, a autoedição só deve ser encarada pelos autores recusados pelas editoras «tradicionais» que tenham uma nítida convicção do seu talento.
(…)
O início do livro pode ser decisivo. Nas editoras de menor dimensão a leitura é feita pelos próprios directores que vão decidir se continuam depois de ler dez páginas.
De qualquer modo, têm de ser originais, pelo que não é boa ideia começar com: «Durante muito tempo fui para a cama cedo. Por vezes, mal apagava a vela, os olhos fechavam-se-me tão depressa que não tinha tempo de pensar: “Vou adormecer.”»
Na poesia evite confundir versos com bons sentimentos e não acredite que somos um país de poetas. E não lhe fará mal seguir o conselho de Virginia Woolf em Carta a Um Jovem Poeta: «Nunca publique nada antes dos 30 anos.»
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Em relação a alguns editores pode avançar argumentos extra-literários. Se tencionar viver entre os papuas da Oceânia, mudar de sexo ou assassinar alguém ao virar da esquina, deve referi-lo, pois a cobertura mediática para o seu livro ficará assegurada. Para certos editores o argumento é decisivo.
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Depois de o seu original ser aprovado e discutidas eventuais sugestões de alteração (como sabe mais usuais nos países anglo-saxónicos que nos latinos), não deve esquecer o contrato. Este pode ter trinta alíneas, mas só quatro são importantes. Deve recusar a exclusividade e exigir a aprovação da capa se não quiser apanhar um susto de letras douradas em relevo que o perseguirá o resto da vida. Ainda mais decisivo é o prazo de vigência e a percentagem de direitos a receber. A nossa lei de direito de autor estipula que na ausência de especificação a vigência de contrato é de 25 anos e os direitos autorais de 25 por cento.
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sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Crónica | E A CHUVA NÃO QUIS ESPERAR MAIS

Ouviu-se de repente um estrondo forte, tão forte que a chuva que caía parou também para ouvir o que se estava a passar. E isso só piorou o silêncio denso. Corria qualquer coisa que contrariava a cor da água no piso alcatroado e reflectido nos intermitentes, algo rubro, reclamou a chuva, vejam lá vocês que alguém andou a adulterar o meu produto. Desde quando é que a água tem cor? Insurgiu-se a chuva lá do alto das nuvens, um estrondo aqui e outro ali, nada porém que se igualasse ao estrondo que parou o bairro naquele subúrbio. Mais a mais, começava a anoitecer. Começava, vírgula. Era já noitinha, as mulheres do campo, lavradeiras de enxada em riste, coluna concorrendo para uma escoliose, estavam já a tomar conta dos seus lares, sugadas por maridos e crias. É a tal vida, vamos fazer mais como? O tempo passava e naquele local do estrondo a aglomeração crescia, ninguém já falava mais em cinco limite. Os pneus cantavam, tantos curiosos que essa terra pariu. Agora fala o homem um. Bem, eu vinha e aí… O homem um não foi a tempo de concluir a fala, o homem dois tocou o apito. Pri! Pri! Pri! Você é culpado, sempre que não conseguires imobilizar a viatura, é excesso de velocidade. Nunca, senhor agente!, refilou o homem um. Isso agora é liberdade de expressão, expressão e manifestação. Vocês, agentes, não podem trazer sempre a razão no bolso. É ouvir o cidadão, ok?! Primeiro ainda é perguntar. Desliga só ainda a sirene, faxavori, o pirilampo já resolve. Fala mesmo, boa noite, cidadão, como foi? Aliás, antes de tudo e em primeiro lugar, é se solidarizar com as pessoas. Ora essa, interrompeu o homem dois, pistola na cintura, braçal reflector de polícia de trânsito. Então mas assim estou a fazer o quê?! Estou a namorar?! Perante um decúbito, a prioridade da linha de investigação recai para ali. Contra factos não há argumentos, é assim com todas as polícias. Mas, ó senhor agente, espera ainda um pouco, isso já era o homem um, o chaufer sinistrado. Nessa era de Covid, entre o morto e o vivo quem merece prioridade? Então você, desculpa-me lá tratá-lo, digo o camarada ou maninho, por você; acha que mortos somos úteis? Veja lá como se dirige à autoridade, está bem?, ameaçou o homem dois e continuou: meu senhor, é assim. Estamos perante um sinistro, a rodovia está obstruída, essa raça de desumanos a tirar fotos e mais fotos e você, agora te devolvo o pronome, quer falar mais que a minha farda? Mas, ó senhor agente, se um adulto desses se mete na estrada a correr em ziguezague contra a viatura iminente, atrás de um rabo de saia, eu é que ia fazer o quê?! Xê!, rabo de saia, não te admito, ya? Enervou-se a mulher um. Enquanto isso, a chuva, agora dividida entre a impaciência e a a doce tentação da fofoca, estrondeava um pouquinho. Mas e o desfecho? E vocês quem são? Somos a família do malogrado. Queremos justiça! Queremos justiça, queremos justiça! Estás a ouvir, ó camarada motorista? Estou mas, eu também assim nesse meio quem vai pagar os danos do meu Tundra? Queremos justiça! Queremos justiça, queremos justiça! E você, mulher um, o que tem a explanar? Eu vinha da loja, assim que vinha, mal desci do autocarro, o defunto e outros meliantes da paragem começou a tentar me tramancar, eu com medo, vou fazer mais como?, corri. Vou e volto, vou e volto, de um lado para o outro na estrada… Mas ó minha filha, interrompeu a mulher dois, é verdade mesmo que não podias fugir pelo menos só para fora da estrada? Assim agora o filho da outra lhe atropelaram, está parece papel dobrado em quatro? Isso se faz? Espera aí!, impôs-se o homem dois, o agente. O malogrado afinal era marginal? Mas, espera aí, acho que se fosse morria logo na margem e não foi o caso. Foi atropelado no meio da estrada, logo, acho que era do centro, nem de direita nem de esquerda. Mas o camarada polícia então assim está a falar à toa de como? Reprimiu a mulher um, a vítima. Ou seja, temos quantas vítimas afinal nesse emaranhado? Vou-te falar uma coisa, senhor agente, eu acho que se o camarada malogrou em flagrante acto de roubo tentado, a vítima aqui é o meu carro que ficou machucado. Bem, cidadão, assim ouvindo, acho que podes ter razão, porque o falecimento dele nestas circunstâncias de correr atrás da vítima, é remédio social. Acho que é isso. Aí, ai, ai, gritou a mãe do defunto, o que é que uma mulher de bem fica a fazer na via pública longe das casas, às dezanove que está escuro, até ser alvo de assalto? Mas a mãezinha assim está a falar mesmo com a boca? E a chuva não quis esperar mais, as partes recolheram-se.


Gociante Patissa | Benguela, 6 Novembro 2020 | www.angodebates.blogspot.com
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quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Uma sociedade civil partidarizada confunde mais do que ajuda o exercício da cidadania, seja pró governo, seja pró oposição. Separar as agendas é sempre o mais honesto. Militância (individual) VS advocacia social (mediação entre cidadãos e decisores)🇦🇴

Dos membros da sociedade civil organizada/estruturada (igrejas, ONG’s, sindicatos) espera-se que saibam encontrar a “linha da vergonha” entre as paixões partidárias e o engajamento das instituições que representam. Podem exercer a militância de forma aberta mas sempre a título pessoal e não meter o emblema. Isso favorece o princípio da harmonia, salvaguardando que as agremiações congreguem diversas sensibilidades. 🇦🇴

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A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

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