Crítica à obra

Ensaio | Recolha de provérbios umbundu em «Fátussengóla, o homem do rádio que espalhava dúvidas», de Gociante Patissa

Gonçalves Handyman Malha, Luanda, 04.09.2018

«Nda wanda, kukame ondalu: vasala vayota»: se tu vais, não apagues o fogo: os que ficam aquecem-se.

Já que se vai falar sobre o uso de provérbios no livro de Gociante Patissa, o melhor foi iniciar com um provérbio, em que se abre uma ponte reflexiva aos egrégios leitores para que possam transmitir aos mais novos tudo o quanto lhes foi ensinado.

Destarte, baseando-se no Dicionário Electrónico de Português Houaiss (2017), entende-se por provérbios, como frases e expressões, geralmente, curtas e de origem popular, que sintetizam um conceito a respeito da realidade, regra social ou moral. Tais frases ou expressões são parte da cultura popular de um determinado povo, transmitidos de forma oral ou escrita às gerações mais jovens pelas mais idosas. As mesmas transmitem conhecimentos comuns sobre a vida, educam, edificam, exortam e ajudam a reflectir. Muitos desses provérbios constituem aquilo que muitos mais velhos são hoje.

Sentados à volta de uma fogueira ou imbondeiro, eram contados vários contos, provérbios, anedotas, lendas e adivinhas, assim eram transmitidos os conhecimentos de forma oral aos mais novos. Com o passar do tempo e a forte influência da globalização, tal prática caiu em desuso, e assim a nova geração acabou por perder o fio das nossas origens, deixando-se levar pelas origens estrangeiras. Hoje, os jovens, com a idade compreendida entre os 15 aos 19 anos de idade, estão tão longe daquilo que os mais velhos foram na juventude e, por consequência, muitos têm dificuldades de assumir a sua identidade cultural.

Afirmou Jofre Rocha, numa entrevista concedida à Lavra & Oficina, que «a Literatura é um veículo fundamental para levar o povo a reencontrar a sua identidade, liberto de complexos e preconceitos, valorizando as tradições mais positivas e a cultura em geral». E a tradição oral (ainda) constitui uma das pontes que visa permitir aos angolanos o resgate da idoneidade cultural que cada etnia possui. Geralmente, designa-se por literatura tradicional oral angolana o conjunto de todos os contos, lendas, fábulas, provérbios, advinhas, poesias, narrativas criadas pela alma artística do povo angolano, e foram transmitidas oralmente de geração a geração. A literatura tradicional oral angolana é uma marca que rompeu as barreiras da vida e a mesma trouxe um mundo imaginário e a realidade das culturas dos povos indígenas.

Schipper (2011, p. 14) afirma que a função dos provérbios na literatura oral é reforçar o argumento do autor, animar a história ou explicar alguma situação ou comportamento.

Na baila do livro «Fátussengóla, O Homem do Rádio Que Espalhava Dúvidas», o escritor relaciona os provérbios com os factos sociais e o enquadramento da língua Umbundu para melhor expor uma ideia ou enriquecer os seus contos. É um livro composto por catorze contos, lançado no ano de 2014 sob chancela do Grecima e apurado no concurso de originais para colecção «11 Novos Autores», no quadro da Bolsa Ler Angola. O livro marca a literatura angolana pelo modo como o escritor desenrola os contos e pelas marcas de angolanidade que nela podemos encontrar.
Segue-se abaixo uma lista de provérbios em Umbundu com a respectiva tradução original da obra em análise de Gociante Patissa.

1. «Camãnle calinga eti mbanje, ka calingile eti mopye»: coisa alheia é para ver apenas, não para falar. 
2. «Ina yukwene, ndaño onima ndopalata, ka lisoki la wove»: mesmo que a mãe do outro brilhe como a prata, jamais substituirá a tua. 
3. «Ka mwinle ongongo ka kolele»: quem não sofreu não amadureceu. 
4. «Kapiñãlã ka lisoki la mwenle»: substituto é inferior ao dono. 
5. «Ocilema vacitaisa, ka vawutola»: que o aleijado nasça na família, não se acolhe de outrem. 
6. «Ocili viso»: verdade é o que for visto.
7. «Ombwa ka yiwulila cahenlã»: cão não ladra por algo que passou ontem.
8. «Otembo ka yilyalya camãle»: aquilo que o tempo tirar, o tempo vai devolver. 
9. «Soma wakava okuyeva kowiñi, oyongola okuyevelela kongolo»: o Rei fartou-se de ouvir o povo, agora quer conselhos do seu próprio joelho. 
10.  «U kwendi laye ka kukutila ko epunda»: não te prepara a trouxa quem contigo não viaja.

Os provérbios na língua vernácula trazem na sua essência três partes. A primeira são os provérbios na língua de origem, a segunda na língua traduzida (sem perder o sentido original) e a terceira, a moral do provérbio. Tratando-se de uma obra literária em que o escritor traz as duas primeiras partes da essência, questionamos o escritor, Gociante Patissa, o porquê do não enquadramento da terceira parte.

Por outra, o Umbundu é a língua dos Ovimbundu, grupo sociocultural que está localizado no centro-sul do país, ou seja, no Planalto Central e nalgumas áreas adjacentes, especialmente na faixa litoral, a Oeste do Planalto Central. Uma região que compreende as províncias do Huambo, Bié e Benguela. Por essa razão, entendemos o uso dos provérbios na língua Umbundu, pois é a língua da região do escritor do livro em questão, visando valorizar e divulga-la.

Sendo o Umbundu “…a segunda língua mais falada em Angola (a seguir ao português) com 5,9 milhões de falantes (22,96% da população)” (https://pt.mwikipedia.org/wiki/Línguas_de_Angola), propomos um desafio ao escritor para que também implemente nas suas futuras obras as outras línguas regionais de Angola, como requisito de valorização e divulgação das nossas línguas.

Outrossim, podemos dizer que os provérbios retirados da obra «Fátussengóla, O Homem do Rádio Que Espalhava Dúvidas» têm uma finalidade educativa e muito reflexiva sobre a vida, e também visam incutir valores éticos e morais às novas gerações para que sejam bons cidadãos na sociedade.

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Contos de escritor benguelense em destaque na Universidade de São Paulo | REVISTA CRIOULA faz CRÍTICA POSITIVA ao livro «FÁTUSSENGÓLA – O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS», de Gociante Patissa


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Revista Crioula Edição número 21, 1.ºSemestre de 2018, páginas 518-524. Recessão da autoria de Rosana Baú Rabello (Universidade de São Paulo – USP, Brasil) e Nvunda Tonet (Universidade Óscar Ribas – UOR Angola).

segunda-feira, 16 de julho de 2018

A Revista Crioula é publicação eletrônica dos alunos do Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo aceita.

A obra estudada foi editada pelo GRECIMA, Luanda, 2014, no quadro da Bolsa Literária para novos autores intitulada Programa Ler Angola.

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"O TIRAR DE DENTRO PARA FORA" DA EDUCAÇÃO: uma análise crítica da prática pedagógica de alguns professores com base no conto "AS DEFINIÇÕES DO PROFESSOR KAMBUTA COMUNAL", do escritor Gociante Patissa

Por Octaviano Lucas Francisco (sociólogo)

Já vejo, logo de início, a necessidade de pedir desculpa ao meu querido leitor pela extensão do título do presente texto, porém, paradoxalmente, não o farei - tenho as minhas razões!

A educação (formal) é algo com que o professor lida todos os dias. E seja qual for a disciplina ou área do saber, o professor encontra o grande desafio de ensinar os estudantes a aprenderem definições. "Definições", eis a palavra que é o núcleo do conto "As definições do professor Kambuta Comunal", do escritor Gociante Patissa, autor do ilustre livro "Fátussengóla, O Homem Do Rádio Que Espalhava Dúvidas". É precisamente nesta obra literária em que encontramos o conto referenciado anteriormente. O conto, "As definições do professor “Kambuta Comunal", é um texto literário, cujo narrador é homodiegético. Escrito numa linguagem livre em discurso indirecto livre, em parte. 

A narração evidência a história desse protagonista, o "professor Kambuta Comunal (…) É neste movimento de lá para cá que as lições da narração são evidenciadas.

Análise sociológica ao enredo do conto 

Em uma das partes do enredo do conto, o narrador faz referência a um dos aspectos singulares de "Kambuta Comunal" que, do ponto de vista sociológico, entendo ser um aspecto critico em dois sentidos para a prática docente da maior parte ainda dos nossos professores em Angola:

1.° Kambuta Comunal, enquanto professor, tinha o hábito de definir os conceitos com maior liberdade e dando nova roupagem conceptual aos termos e expressões. Na verdade, é essa dinâmica que falta ao nosso ensino, quiçá, principalmente, no ensino superior, onde poderia haver maior liberdade, tanto em professores quanto em estudantes, de criar novos conceitos... sair da teoria à prática, da prática à teoria. Essa deve ser uma missão do próprio professor. Estimular a seus estudantes a criação do novo a partir do já existente. Não se pode ficar estático a "engravidar" de teorias os estudantes quando eles, em tempo integral, não conseguem "parir" novas teorias ou dar nova roupagem conceptual a termos e conceitos.


2.° Levando em conta o hábito do professor Kambuta Comunal, o narrador tece uma crítica que, do ponto de vista sociológico, se consubstancia numa crítica social à prática docente de muitos professores: "os mais comuns dos professores não vão com definições além do livro." - diz o narrador. 

Essa é a realidade da prática docente de muitos professores: um ensino livresco, à base da reprodução directa do que os outros já escreveram (o que não é, de todo, um mal, mal é por ser reprodutiva e directa). E, ao assim procederem, "privam" não só a si mesmos, mas também aos seus estudantes da liberdade de "alcançar lentes menos estáticas, de ouvir a voz da alma" - como diz o narrador de Patissa.

Considerações finais

Em tudo isso, e com tudo isso, uma realidade é evidente da nossa educação: i) é uma educação tendentemente "programadora", onde o professor é o "programador" e o estudante, o "programado" e o conteúdo (conceitos, termos e teorias) o "objecto de programação". Com efeito, torna-se mais uma educação de fora para dentro (educare).

Precisa-se é valorizar-se, inclusive, aquilo que o estudante traz dentro de si. O estudante não é um "dispositivo" sem "memória". Precisa-se de estimular o estudante a tirar de dentro o que tem e trabalhar sobre ele (educere). O estudante não é um robot - tenho defendido.

Referências

Patissa, G. 2014. " Fátussengóla, O Homem Do Rádio Que Espalhava Dúvidas " Luanda: GRECIMA. pp. 61-65.

RESUMO LITERÁRIO DA OBRA “A ÚLTIMA OUVINTE”, DE GOCIANTE PATISSA

Texto de João Fernandes André, Kalunga (professor de linguística). in «Cultura – Jornal Angolano e Artes e Letras», n.º 126, Ano V, pág. 9. Luanda, 17-30 de Janeiro 2017




A Última Ouvinte é em livro composto por sete contos [93 páginas, com edição da União dos Escritores Angolanos, Luanda, 2010]. Em nosso entender, os contos têm algumas 'gotas' de crónicas.

"A Última Ouvinte"
É o conto que dá título ao livro, neste conto o narrador pinta a história de dois jovens, um radialista e uma jovem que de longe mostrava uma beleza extraordinária, doce voz com que falava sempre que ligasse para a rádio, no programa do locutor Caçule. E, de acordo com o narrador, "em rádio, o som é cheiro, luz, a cor, a forma" ... "pela grossura ou magreza da voz concebe-se a imagem do locutor ( também, nesse diapasão, digamos a de quem liga\ouvinte)." Caçule apaixonou-se pela Esperança da Graça que, na verdade, era Marta Domingas, uma mulher que carregava uma paralisia que não lhe ajudava a fazer muita coisa que gostaria de fazer, mas passava o seu tempo num quarto, lendo uma pilha de livros. Caçule fez tudo que era possível para localizar a mesma e, por fim, encontro-a. O conto tem um final meio triste, porque a amada Marta ou Esperança morre e o radialista Caçule fica maluco (podemos dizer que eis a razão do título "A Última Ouvinte"). Portanto, este conto nos mostra que nem tudo que parece é.
 
"Os Dentes Do Soba"
Neste, é possível ver o peso da cultura, Kutala, uma adolescente que vivera sob os cuidados de missionárias, educada com rigor, amiga-se com o jovem Mbocoio e torna-se na segunda pessoa mais influente da sanzala. O soba orientava muitas regras que causavam ciúmes ao Mbocoio, porque aos poucos ele sentia que estava a perder a sua mulher. Mbocoio, cansado com as regras, foi a casa do soba e deu-lhe uma porrada até que um dente se partiu ao meio, os conselheiros do soba, para não fazerem com que o soba perdesse o respeito que a população tinha por ele, decidiram castigar o Mbocoio (como tocador de sino) e manter Kutala no seu referido cargo. O dente do soba foi o motivo secreto do novo ritual e\ou moda da sanzala de Tchiaia, o dito Omeyeko. Portanto, com este conto entendemos o seguinte: " as leis e modas, às vezes, surgem de acontecimentos tristes. 

"O Temível"
Um conto onde se pode ver como algumas pessoas usam o mal para terem êxitos, como os bons profissionais amam os seus trabalhos (até esquecem a reforma), é o caso de dona Judith. Deste conto se pode perceber que o mal volta sempre para nós, tudo de mal que fazemos aos outros, cedo ou tarde, acontecerá connosco!

"Os três (não sabemos se é a editora ou o autor que escreve "tres" no lugar de "três") braços do rio" Este conto mostra um pai preocupado com os seus filhos, ensina os filhos a serem bons como o rio. O filho caçula amiga-se com uma bela moça, mas o pai da mesma não lhe dá o seu devido respeito. Deste jeito, o jovem, descobrindo o ídolo do sogro (Mobutu), vai à caça de um leopardo, mas acaba morto, ele e a sua presa. Sabendo disso, a comunidade fica triste, porque era um bom caçador. Organiza-se um evento em honra ao defunto caçador e a pele do leopardo é entregue ao sogro. O sogro passa então a reconhecer a bravura do seu genro.

"Um Natal Com A Avó"
Este conto espelha a vida das zonas urbanas. Conta o amor dos netos para com as suas avós e o desejo dos netos de querer estar sempre com as avós, mas pinta também a vontade das avós que gostam de estar nas zonas rurais, sentir a calma e estar fora dos engarrafamentos e problemas das cidades. "A Morte Da Albina" Neste conto, podemos perceber o modo como os albinos têm sido tratados, estereotipados como bruxos e outros adjetivos não salutares. Uma jovem albina é morta por um jovem que tinha problemas no seu relacionamento.

"O Homem-Da-Viola"
Neste conto, temos a história de um jovem talentoso que viaja e encontra a sua alma gémea, mas a família coloca alguns preceitos para ambos estarem juntos, visto que a jovem era viúva... (trata-se duma narrativa aberta).

Marcas da angolanidade
Depois da nossa melíflua leitura, cabe dizer que "A Última Ouvinte" marca a Literatura angolana pelo modo como seu autor desenrola os contos e as marcas de angolanidade que nela podemos encontrar. Outrossim, ficamos admirado com o modo como o autor, que parece um excelente falador do Umbundu, escreve algumas palavras de línguas bantu com a grafia e fonologia do Português (ex. Caçula, caçule, quimone ... E outras) e o uso da escrita em Português de acordo com o novo Acordo Ortográfico ( que alguns Portugueses chamam de "*Acordêz"). Agora pergunto: Será que o uso do "Acordêz" nesta bela obra foi feito pelo autor, ou foi feito pelo editor e\ou editora?! E onde estava a UEA quando publicou a obra, visto que ainda não assinámos (Angola) o dito Novo Acordo Ortográfico?!

Luanda, 28 de Dezembro de 2016

Gociante Patissa: Literatura africana em baixa na Feira de Frankfurt

O angolano é o único escritor dos PALOP a participar na edição deste ano. Versátil, mas com uma ligação especial ao conto, Gociante Patissa entende que a atribuição do Nobel ao músico Bob Dylan é uma "mensagem perversa".
Por Nádia Issufo, DW, Frankfurt/Bone 20.10.2016
Gociante Patissa é o único escritor dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) a participar na Feira do Livro de Frankfurt 2016, a decorrer de 17 a 23 de outubro. Menos do que uma gota no oceano do evento, considerando a sua envergadura. Esta é uma das maiores feiras do livro do mundo e, além de abranger o mercado livreiro, inclui o jornalismo. A DW África foi até Frankfurt conversar com o único autor lusófono presente no evento.
DW África: O que conseguiu na Feira do Livro de Frankfurt?
Gociante Patissa (GP): O que estamos a conseguir é este ambiente de intercâmbio, com vários autores e vários profissionais do sector livreiro vindos de várias partes do mundo. Tem sido uma oportunidade internacional de conhecer um pouco do que cada um traz da sua realidade. Mas, fundamentalmente, tem sido uma oportunidade de mergulhar na realidade alemã do sector do livro, mercado, distribuição, temas, autores.
DW África: Relativamente à presença africana, principalmente dos PALOP, o que há a destacar nesta feira?
Frankfurter Buchmesse, Gociante Patissa, Schriftsteller aus Angola (DW/N. Issufo)
Gociante Patissa publicou 5 livros de vários estilos literários
GP: Para ser franco, muito pouco mesmo, quase nada. Venho a convite do Instituto Goethe, no programa de visitantes internacionais. Este ano, Angola é o único país de expressão portuguesa presente. De África não há quase nada aqui de literatura representada. Tem de se valorizar o consumo de experiências e tentar reverter isso para a nossa realidade.
DW África: Este ano, o Prémio Nobel da Literatura foi atribuido a um músico, Bob Dylan, um "desvio padrão" no que se refere à atribuição deste prémio. Qual é a sua apreciação?
GP: Tem sido um debate e ainda bem que é assim, porque diz-se que só o que não vale é que não suscita debate. Eu honestamente acho que é uma má mensagem que se passa ao sector da música. Se Bob Dylan recebe o Prémio Nobel da Literatura porque capricha nas suas letras, porque tem um alcance estético profundo, estamos a dizer, por outro lado, que a música não precisa disso. Ou seja, aquele que caprichar na elaboração das letras deixa de ser músico e passa a ser escritor. Penso que é uma mensagem perversa que estamos a passar. 
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Feira de Frankfurt é, para o autor angolano, sobretudo uma oportunidade para conhecer profissionais de todo o mundo
Naturalmente, poderá haver opiniões que contrariem a minha. Eu pessoalmente acho que o músico tem de ser valorizado dentro do circuito da música, considerando que a música tem a sua estética e que uma das áreas, para além da harmonia, do potencial vocal, é também a letra. Agora, elogiar um músico, transformá-lo em escritor porque tem uma letra bem feita, penso que é uma mensagem negativa, sobretudo para realidades como a nossa, Angola, onde o kuduro é quase um símbolo nacional, muitas vezes, mais não sendo que um canal de transmissão do oco. Então, com essa mensagem, está-se a dizer que a música oca é muito bem-vinda.
DW África: Muitos africanos e não só torciam para que Ngũgĩ wa Thiong'o ganhasse esse Prémio Nobel da Literatura. Não acha que escritores africanos deveriam ser mais agraciados com uma distinção como o Prémio Nobel da Literatura?
GP: Isso para mim tem duas leituras. Eu li esse autor na Universidade, na cadeira de Literatura Africana, mas li fragmentos.Não conheço a obra dele, de maneira que não consigo ter uma posição favorável ou não. Mas ganhar só por ser africano, penso que também não é por aí. Um Prémio Nobel é um Prémio Nobel e é preciso não reduzir a importância da literatura mundial à acreditação do Nobel, que tem os seus critérios e que são discutíveis.


Ouvir o áudio09:15

Gociante Patissa: Literatura africana em baixa na Feira de Frankfurt

O que eu acho e o que eu relaciono com esta feira, é que parece que há um esquecimento relativamente à responsabilidade da Europa em relação aos países onde andou como colonizadora. É tudo muito egocêntrico, olhar para a Europa. Eu estou a falar português como língua oficial. Eu penso que isso deveria representar um marco para a Europa se lembrar da sua passagem por outros países como colonizadora e não se esquecer de também considerar essas literaturas. Portanto, resumindo e concluindo, o nigeriano ganhar só por ser africano não seria de todo construtivo.
DW África: Publicou já cinco livros entre poesia, novela e contos. Como explica esse carácter multifacetado na sua obra?
GP: Não há uma explicação objetiva. O conto, que eu penso que é o campo em me sinto mais à vontade, é, na verdade, a sistematização de uma riqueza que a pessoa absorveu no meio rural. Eu tenho uma dupla vicência entre a cidade e o campo. Eu vivi no interior só até aos 7 anos. Mas tive a sorte de ter pais que se preocuparam, dentro do nosso lar, de fazer do lar um vetor de transmissão da nossa oralidade. Portanto, isto é uma potencialidade que a gente traz do campo, do interior, daquela vivência rural. Quanto à poesia, foi a primeira manifestação em termos mais objetivos quanto já a pensar no livro. Há escritores que trabalham com um carácter mais de especialidade: há quem só faça poesia, contos , romances. Enfim, acho que tenha essa sorte de fazer um pouco de tudo.
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Reflexões literárias: o livro A Última Ouvinte, na leitura do Dr. Francisco Soares(*)

A última ouvinte

A última ouvinte é o título de uma despretensiosa coletânea de contos de Gociante Patissa, escritor natural de Monte Belo, município do Bocoio, província de Benguela (em Angola, claro). O livro foi lançado na última 6.ª F.ª, 17 de Setembro, na Rádio Benguela, delegação da Rádio Nacional de Angola na cidade onde Patissa vive. A editora (e promotora do evento) foi a União dos Escritores Angolanos, sendo este ao mesmo tempo o primeiro lançamento de livros organizado em Benguela pela secção local da UEA – finalmente reativada. Depois de um período em que a literatura parecia ter sido carbonizada por estas paragens, ela vem renascendo das cinzas e toda uma sincronia de ações e obras confirma-nos isso, como é o caso desta. A cerimónia decorreu no Auditório da RNA – Benguela e acabou com uma sessão de comes e bebes assistida e finalizada por um repentino desafio de improvisos poéticos e musicais em simultâneo.


Retornando à meada, esta é a segunda obra do autor, sendo a primeira uma reunião de poemas sob o título Consulado do vazio.

A última ouvinte possui, como aqueles poemas, a virtude de uma linguagem simples sem deixar de ser poética. Não se trata apenas de desfilar estórias que intriguem, suspendam e surpreendam o leitor. As estórias são boas, tiradas ao quotidiano, sobressaindo de situações facilmente identificáveis no quotidiano de muitas pessoas. Atravessa-as um sentido de humanidade e de dignidade que asseguram a função social e política dos contos. O autor recorre ainda a ambientes rurais e urbanos, não para retratá-los na fixidez dos quadros tradicionais, mas observando e posicionando-se nas dinâmicas culturais trazidas pelo choque, pela colaboração, pela interação entre ruralidade e urbanidade, que inevitavelmente vai despoletar uma série incontrolável de processos de transformação de hábitos, esquemas de pensamento, costumes e da própria visão do mundo. Mas a narrativa não vive só de estórias nem de conteúdos, tanto quanto o homem não vive só de pão. Ela precisa dessa outra fonte incontornável da literatura que é o trabalho artístico sobre a linguagem, articulado sobriamente ao trabalho artístico sobre o enredo. É o trabalho artístico sobre a linguagem que nos dá a verdadeira dimensão do escritor.

No caso de Gociante Patissa, a linguagem caracteriza-se por dois ou três traços: um sentido rítmico apurado e próximo da fala corrente; o recurso a um vocabulário também comum à fala corrente; o uso de figuras de estilo (principalmente analogias) sem exibicionismos que tornam folclórica tanta literatura produzida hoje. Do último traço, o mais artístico (não por usar figuras de estilo mas pela oportunidade, originalidade e sobriedade com que as usa), dou alguns exemplos tirados ao acaso para aguçar o apetite dos leitores:

"D.ª Judith saía em defesa do seu café, que corria o risco de arrefecer" (p. 38) – atente-se, não apenas na ironia da segunda frase, também na da primeira (não era o café que precisava de defesa, mas a personagem que precisava de bebê-lo).

"O novo estatuto lançou nos olhos do profeta a ramela das grandezas" (p. 40) – atente-se na escolha do disfemismo ("ramela") para criar um oximoro com "grandezas"; pela oposição entre a suja insignificância da remela e a imensidão que é um dos traços semânticos da grandeza cria-se um efeito de humor e ficamos avisados desde logo sobre a falsidade da grandeza do profeta, ou seja, para o tipo do falso profeta.

"[…] refilou no mistério da sua cabeça e não respondeu" (p. 45) – realmente a nossa cabeça é um grande mistério, maior ainda quando a personagem é construída sobre algo que a caracteriza e ela própria nunca explica, nem o autor explicou ainda.

"Sentados à volta do fogo para desafiar o frio da época" (p. 46) – claro que não era propriamente para desafiar o frio mas para se aquecerem, desejo que o autor nos apresenta como desobediência ao clima justamente por esta metáfora verbal. Observe-se ainda o trabalho sobre os sons, o ritmo interno da frase, não só o seu ritmo normal mas o que lhe traz a repetição dos sons [v] e [f], culminando na proximidade sonora de [frio] e [desafiar].

"a velhice passou, pouco a pouco, a engolir a força do velho Kamuku" (p. 48) – repare-se como o sentido figurado sugerido por "engolir a força do velho" personifica "a velhice" ao mesmo tempo que a torna próxima da monstruosidade da morte, engolindo impiedosamente as nossas vidas.

É de ficar atento ao autor e de ir lendo a obra.

In http://arrugamao.blogspot.com e  União dos EScritores Angolanos

(*) Fez a apresentação oficial da obra em Benguela. Ph.D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais, é professor  de literatura africana de expressão portuguesa, há mais de duas décadas, onde podemos ressaltar doutoramento em Literatura Angolana e Titular em Teoria da Literatura e Literatura Angolana. Presentemente lecciona nas Universidades de Évora e da Katiyvala Bwila em Benguela, currículo mais do que vasto para a tarefa de critico literário, de poesia e fotografia.

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Resenha literária | DAS BREVES IMPRESSÕES: FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS

Por Cristina Galhardo Amado (Benguela 12 Julho 2013)

Neste livro, o autor, Gociante Patissa, traz-nos catorze textos, apresentados na contracapa como sendo “contos”. Esta tipologia está, sem dúvida, presente em alguns textos, embora vários destes se enquadrem muito mais no sub-género crónica literária. É neste último, sobremaneira, que se notam pontadas de linguagem que se aproxima da jornalística, em apontamentos que auxiliam o leitor (se desnecessariamente ou não, cabe a vós também julgar) a se situar.

Em parte significativa dos textos, o tal “auxílio” ao leitor cede lugar ao enigmático, ao que fica pairando no ar, que vai além da eventual falta de habilidade do leitor, nomeadamente por não dominar a semiótica que permite interpretar não somente literatura, mas tudo na vida. Talvez seja a influência sugerida pelo próprio autor (narrador também, no presente exemplo) no texto “Velho Batalha e a Bicicleta que Não Sabia Correr”, dessa cultura em cuja linguagem “quase tudo é por atalhos, servido na bandeja da metáfora, do fragmentado, da inferência” (p.91). O autor transporta, desta forma, para seus textos essa característica das máximas Umbundu, que têm por norma não oferecer interpretação imediata, fácil ou única ao interlocutor.

No âmbito das que, para mim, se aproximam mais de crónicas, destaco, pelo impacto emocional, “Sapalo e a Avenida do Quase”. Sapalo personifica os tantos que, quem como eu caminha, encontramos nas ruas, perdidos em suas deambulações, nas avenidas “do quase, do sonho por rápidas melhoras, da dor” (p. 84). Em certos momentos, no seguimento do que foi dito acerca do pendor enigmático da narrativa, é endereçado ao leitor um claro convite à interpretação, como sucede particularmente n’”O Calendário da Viúva”, em que o agente se debate com o que classifica como conversa desconexa de Saluquinha, curiosa personagem. Como sugeriu António Lobo Antunes, quem somos nós para dizer que outros são loucos?

Ainda numa tipologia similar, “A Estrela que Não Voltei a Ter” é particularmente tocante, mesclando a crueza não restrita à vida humana e a poesia de quem não esquece o que nos foi arrancado da e na meninice.

Quanto aos que considero contos propriamente ditos, os convites às reflexões e conclusões do leitor estão bem presentes, iniciando logo com o texto que abre o conjunto, o belo “A Minha Mãe é Hortelã”. O conto que dá nome ao livro traz-nos uma personagem que, pela extensão e complexidade de caracterização, parece pedir (logo ele, que também foi biografista) uma narrativa mais extensa.

O último texto, “A Árvore que Dava Leite”, me parece algo desgarrado do conjunto. Sendo um conto de pendor tradicional (como ocorre com “No Reino dos Rascunhos”), é narrado de forma completamente distinta dos anteriores, em que é notória a presença e interferência do narrador, que nos interpela, nos interroga e partilha suas impressões.

O livro, editado pelo GRECIMA [programa «Ler Angola». Luanda, 2014], pode ser encontrado no Kero [rede de mercados]. Boa leitura!

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DOIS PROJECTOS LITERÁRIOS ORIUNDOS DE BENGUELA 
Isaquiel Cori (Texto)

Os escritores Gociante Patissa e M’Bangula Katúmua partilham, ao menos, três coisas: são naturais de Benguela, nasceram no período pós-colonial e a existência de ambos decorreu em grande parte nos dias e anos tumultuosos da guerra de má memória. Os livros “Fátussengóla, o homem do rádio que espalhava dúvidas”, do primeiro, e “Humanus”, do segundo, aparecem juntos na colecção Novos Autores, editada pelo Grecima, a par de nove de outros tantos autores.

“Fátussengóla, o homem do rádio que espalhava dúvidas” é uma colectânea de 14 contos ambientados em localidades diversas da província de Benguela, do interior ao litoral, que resgatam da memória da infância e adolescência do autor toda uma galeria de personagens e situações marcantes, seja pelo lado do insólito ou dos afectos.

Gociante Patissa na verdade não é um autor de primeira viagem. Publicou em 2008 “Consulado do vazio”, poesia, em 2010 “A última ouvinte”, contos, em 2013 “Não tem pernas o tempo”, novela, e em 2014 “Guardanapo de papel”, poesia.

Trata-se de um autor empenhado em apurar a sua própria voz, notando-se na sua escrita a fuga à facilidade e o evitar dos trilhos há muito batidos. Atente-se ao modo de construção deste parágrafo do conto “Minha mãe é hortelã”, em que além das imagens profundamente originais o leitor pode à vontade inverter a ordem com que as frases se apresentam sem afectar, contudo, a coerência do discurso narrativo: “Ele, que não era de andar por aí a distribuir socos e pontapés, abraçou tal via. Era homem já quase feito, de caroço no mamilo e uma barba que não se lhe podia confundir com simples pêlos de calor do funji. Mesmo a catinga do sovaco dele anunciava os ingredientes prontos para dar bebés. Quem lhe provasse o sabor da surra já não voltava a gozar.”

Retenha-se esta outra preciosidade, a abertura do conto “No reino dos rascunhos”: “O velho estava velho, muito velho, logo doente. Para ser confirmado inerte, só lhe faltava parar o fôlego. Vendo bem, aquilo até podia ter outro nome, respirar é que não era.” Como não há bela sem senão, a escrita de Patissa às vezes denota um excessivo “cuidado” em conformar-se às normas, às regras estabelecidas do “bem falar português”, sacrificando a emergência daquilo que podia ser considerada a sua própria linguagem, escorada nos interstícios mais íntimos do seu substracto cultural benguelense. “Havia um cão no quintal em que em tempos fui morar…” in “A estrela que não voltei a ter”. “… só não tendo o dono do alheio sucedido graças ao gradeamento interior aplicado poucas semanas antes da investida”, in “Gestão de vazios”.

Patissa, note-se, neste mesmo livro demonstra um grande domínio da sócio-culturalidade umbundo, fazendo recurso a palavras e provérbios da região. Autor de imenso potencial criativo, Patissa tem o dom do olhar, da captação das singularidades aparentemente invisíveis e insuspeitas das situações e das personalidades.

O seu conto mais significativo é o que dá título ao livro: “Fátussengóla, o homem do rádio que espalhava dúvidas”. É uma narrativa digna de figurar na mais selecta das antologias de literatura angolana. É a biografia de uma personagem tão singular na ficção como na vida. (Aliás, “… a profissão de biografista independente faliu, como hoje vemos”). Fátussengóla, de nome verdadeiro Virgulino Kaendangongo, “que na língua umbundo significa eterno sofredor”, é um personagem da estirpe de um Mestre Tamoda de Uanhenga Xitu, com o qual partilha o estatuto de orador, as poses e o gosto pela mais gratuita verborreia. Fátussengóla ganha imediatamente a simpatia e a compaixão do leitor pela forma soberba como o autor o apresenta, seja descritivamente, seja pelo desdobrar dos diálogos. E o final da estória encerra tanta preciosidade como o tesouro que nele é revelado.

Em causa o ser humano
Humanus, de Mbangula Katúmua, é um conjunto de cinquenta poemas sóbrios, reflexivos, escritos na forma de sonetos, essa maneira tão antiga e clássica de poemar (duas quadras seguidas de dois tercetos). E Katúmua vai tão longe no seu exercício de preciosismo formal que todos os seus poemas, rigorosamente, são rimados. “Das velhas profecias que nos liam outrora / Agora veio um velho cancioneiro hegeliano / Uma espécie de novo cardápio do contra / Que encerra teorias de combate miliciano // O inimigo agora é outro / São os potes de luz / O nosso mastro / É a nossa própria voz // Eis que vos apelo / Gritemos bem alto / Até que nos solte o pêlo // Sobre estas laudas ninguém dança / Nem mesmo no dia em que comemorarmos / A nossa morte sobre a ponta de uma lança”, in “15”.

Os poemas de “Humanus” não devem ser lidos uma única vez. Nem, necessariamente, na ordem proposta pelo autor. A uma primeira leitura o formalismo preciosista e até mesmo academicista dos poemas ressoa a algo decadente, perfeitamente démodé. Mas tão logo nos concentramos mais na leitura damo-nos conta que, afinal, a fórmula rígida adoptada pelo autor contém autênticos vulcões de emoções e sentimentos a respeito do mundo e da vida.

“A noite não chega a tempo / De contar os sonhos das gentes / Enquanto isso, ouvem-se vozes do topo / Para anestesiar os fétidos corpos delirantes // Vozes cansadas, sinfonias de morte / Ruas estreitas, passos apressados / Na paisagem agreste / Sonhos condenados // Na desnuda avenida daqui / Que ferozmente colapsa / Como os discursos do Maquis // Mas, quem ouviu não esqueceu / Os caminhos, a dor que perpassa / As entranhas da pátria, e o dia que nasceu”, in “28”.O sujeito poético em vários poemas de “Humanus” parece desapegado da vida, situando-se numa colina qualquer a partir da qual observa a cena humana. E se fala de coisas que já viveu, recorda outras que poderia ter vivido. No limbo entre o sonho e a realidade, entre o celeste e o terrestre, ele confessa-se: “Suspendo-me nos píncaros dos sonhos / Donde me chega homofóbica melodia / E vejo no meu irmão um marciano”.

Ao contrário do seu coetâneo Gociante Patissa, em que as marcas da sua “benguelensidade” estão em todos os quadrantes dos seus textos (na geografia, na linguagem e na filosofia proverbial e até na temporalidade), o poeta de “Humanus” é um ser dilacerado na sua subjectividade que se dirige ao homem comum, desarvorado do seu lugar e até do seu tempo.

“Ainda que farto de ti, ó ser distante / És o caminho que busco e que sigo / Longe da consumição do inimigo / Contemplo de perto luz reluzente // Nos pés fartos de caminhar / Tenho feridas e bolhas de água / Para de todos saciar essa inócua / Sede de infinito clarear // Caminhantes de uma terra longínqua / Somos todos o húmus desta terra / De ventre esviscerado // Ninguém sabe se quando enterra / Uma sôfrega lágrima inócua / Constrói um destino obliterado”.

ENTREVISTA A GOCIANTE PATISSA E M’BANGULA KATÚMUA: O PAÍS SOB O CRIVO DE JOVENS ESCRITORES

Na sequência da leitura dos respectivos livros, “Fátussengóla, o homem do rádio que lançava dúvidas” e “Humanus”, o jornal Cultura foi à conversa com Gociante Patissa e M’Bangula Katúmua. Ambos falam das suas origens enquanto autores e da assumpção ou não da identidade benguelense. Entre eles é consensual a ideia do peso marcante que a guerra teve nas suas vidas e, de certo modo, partilham um olhar optimista a respeito do futuro do país.

Jornal Cultura - Que circunstâncias, ou pessoas, os despertaram para a escrita?
Gociante Patissa - A literatura é apenas a extensão de uma herança transmitida no convívio familiar, quase sempre alargada, como permite a proximidade africana. Apesar de ter deixado o meio rural aos sete anos, trouxe dali uma riqueza enorme, quer aquela mais proseada, ouvida de contos, fábulas e canções vividas no campo de que fomos arrancados, quer aquela mais fragmentada, vestida de parábolas e provérbios, o que de resto conseguimos resgatar e irrigar na cidade.

Mbangula Katumua
M´Bangula Katúmua - O meu envolvimento com a escrita confunde-se muito com a minha socialização política. Comecei, na verdade, de forma não intencional. Apenas declamava os poemas de Agostinho Neto nas actividades do INAC e OPA. Na altura tinha cerca de 14 anos. Depois continuei na JMPLA e quando fui para a Brigada Jovem de Literatura é que, aos poucos, comecei a ter a real noção do mundo literário. Porém a não intencionalidade do meu envolvimento com a literatura viria a manter-se nos anos seguintes. Ao longo deste meu breve percurso tive a sorte de cruzar com Nuno de Menezes, Raul David. Eles ensinaram-me coisas, cada um a seu jeito. Tenho dificuldade de identificar, com precisão, as circunstâncias que me despertaram para a escrita, porém a minha passagem por estas organizações sociais, particularmente a JMPLA e a Brigada Jovem de Literatura foram fundamentais para a minha forja. Lemos muito dos autores da BJLA, nos livros que Armindo Sardinha, Fernando Andrade, Nando Jordão, Paula Russa, Victor João, Nelo Santos nos davam. Lemos John Bella, Kudijimbi, Limpinho, Frederico Ningi, Costa Andrade, Aires de Almeida Santos, Alda Lara, Agostinho Neto. Seminalmente falando, é daí que viemos...

JC - Identitariamente vocês assumem-se como escritores de Benguela, com tudo o que de simbólico ou positivo isso implica, ou consideram-se mais escritores voltados para o universal, sem um grande apegamento local?

GP - Benguela como tal para mim nada significa. E sinto que não tem o meu papel significado algum para Benguela, no seu conceito mais territorial e administrativo. Na verdade, a literatura, pelo seu lado formal, pouco me diz, se não for um veículo de contributo para o diálogo intercultural. Eu sou um ocimbundu que tem a missão de contribuir para que (parafraseando o escritor espanhol António Colina) não desapareçamos enquanto entes culturais. A universalidade só me interessa se ela me puder ouvir, se ela se reivindicar como encontro de identidades.

MK - Entendo que a literatura deve ser sempre universal mas, como todo o produto social, deve estar histórica e territorialmente localizada. Esforço-me para estar em linha com este entendimento. Não sou um poeta benguelense. Sou um poeta de Benguela. Não nego as minhas origens e influências, apenas acho que a humanidade é rica demais para nós vivermos em redoma. A arte precisa elevar-se, precisa ser e estar além do espaço ou do lugar em que é criada. Não estou a fazer a apologia à desterritorialização do acto criativo, nem a falar de uma arte pela arte. Há sempre engajamento na minha escrita. Mas o meu grito é um grito daqui para o mundo. São sentimentos e pensamentos daqui que partilho com o mundo. Um excessivo apegamento ao local pode levar-nos para aquilo a que chamo de “autoctonismo artístico”. Que é algo muito perigoso, pois retira a vitalidade da arte à medida que lhe retira toda a capacidade de dialogar com outros povos e culturas.

JC -  O que é que de mais significativo vocês retêm da herança literário-cultural de Benguela?
GP - Acho o espaço do livro bastante redutor e reduzido, e seria bastante injusto achar que um escritor em particular representasse Benguela. Há muito mais para lá do asfalto e do mar, ao passo que a literatura, colhida pela bitola de Gutenberg, pouco desce do prédio. Eu sou o povo, é nele que me acho, na sua riqueza linguística, na sua tradição oral que tanta lassidão parece gerar para os holofotes. É esta a minha missão. O livro é um complemento.

MK - Esta é a pergunta a que nós, os escritores de Benguela, teremos de responder sempre? Parece que sim! E ainda bem. Porque demonstra que temos responsabilidades. Lembra-nos o legado recebido de Alda Lara, Aires de Almeida Santos, Pepetela, Raúl David e outros. Deste ponto de vista, penso que é a preocupação com as nossas gentes e os nossos lugares. Não só poetas mas, sobretudo estes, sempre tiveram esta preocupação de eternizar os lugares e pessoas. Isto está patente no famoso poema “Meu amor da rua onze”, de Aires de Almeida Santos.

JC – Como foi que o Patissa compôs o “Fátussengóla…”: juntou todos os contos que tinha ou seleccionou-os previamente?
GP - É óbvio que um escritor está sempre a escrever. No meu caso, alguns contos evoluem das crónicas que componho para o blog Angodebates, outros nascem como tal. E quando noto que há uma quantidade razoável, intensifico o trabalho de laboratório, visando excluir os menos conseguidos e aprimorar os que ficam. Dois dos contos não puderam entrar no livro “A Última Ouvinte” (UEA, 2010), com o qual me estreei na prosa.

JC – “Fátusséngola…” ganharia muito se não incluísse algumas peças, reduzindo-o à menor dimensão e à melhor excelência possível. Quer comentar?
GP - É difícil ter-se uma percepção a este nível quando nos colocamos no papel de criadores apenas, ainda mais por se tratar de colectânea de contos escritos entre 2001-2014. Na verdade, nunca sei como o trabalho será recebido, daí ser importante (mau grado ser escassa) a oportunidade de ser estudado e aprender com as sugestões que advierem.

JC – As figuras que você retrata nas estórias são ou foram reais? Por exemplo, o Fátussengóla existiu mesmo?
GP - Fátussengóla existiu, mas o que descrevo é ficção. A verdadeira história é muito amarga, não sei contá-la. Foi um mágico de levantar pessoas com os dentes pelo guarda-cinto, a título de exemplo, juntando prestígio ao ganha-pão. Mas com o apertar da penúria alimentar, no início da década 1990, ele enveredaria para o assalto a residências, perdendo a vida apedrejado. Apesar de não ter participado na barbaridade, tendo em conta até que eu era muito pequeno, carreguei sempre uma espécie de culpa indirecta, sendo este conto e título do livro uma espécie de redimir o bairro Santa Cruz, no Lobito.

JC – Vocês nasceram em plena guerra. A guerra terá moldado, de alguma forma, a vossa visão da vida?
MK - Sem dúvidas. A minha geração tem de carregar esse trauma e essa responsabilidade. Os horrores da guerra nos privaram de muitas coisas mas nos fizeram mais fortes e mais preparados para a vida prática. Temos responsabilidades acrescidas; precisamos denunciar a loucura que é a guerra. Hoje precisamos dialogar mais, religar laços, estabelecer pontes, humanizar…é para esse sentido que, em parte, aponta o título do meu livro, Humanus.

GP - Acho que ganhei desde muito cedo a certeza de que a guerra, qualquer que seja ela, é uma estupidez. Uma criança tem sete anos e já sabe que não se pode comportar mal com a tia porque é nas costas desta que se há-de acoitar quando surgirem os ataques da guerrilha, já que a mãe tem uma bebé para cuidar. Tinha pouco menos de cinco anos quando a minha mãe levou com uma bala da guerrilha na bochecha, comigo às costas, numa madrugada de frio orvalho de cacimbo, que bem se podia ter alojado na minha cabeça e vos poupar destes escritos, não fosse a péssima pontaria do atirador. Quem disparou? É da mesma etnia, da mesma região, quiçá do mesmo sangue. O fim da guerra dá-se comigo envolvido no sector da sociedade civil, que muito contribuiu para a consistência da consciência cidadã. A minha escrita tem inevitavelmente uma abordagem, não apenas de reivindicação identitária, mas também de algum activismo pela vertente do exercício da cidadania.

JC – O M’Bangula já tinha os poemas todos prontos, juntando-os apenas, ou escreveu-os como projecto de livro?
MK - Como disse antes, para mim o acto de escrever é sempre um acto involuntário. Os cinquenta poemas constantes do livro Humanus foram escritos, na sua maioria, entre 2012 e 2013. Estava a juntá-los para um projecto, a minha de trilogia poética Sexorcismo (2008); Sexonância (2011). Contava publicá-lo com o título de Sexonetos mas, quando o meu amigo Gociante Patissa falou-me do Projecto Ler Angola, nada mais fiz senão dar-lhe um título que não assustasse o júri.

JC - Porque razão optou pela forma tradicional do soneto, ademais com os versos rimados, quando praticamente nenhum dos seus coetâneos o faz?
MK -  Isto sim! Foi intencional. Foi um desafio que me impus para dar corpo à minha proposta filosófica. A trilogia poética, como referi, devia culminar com a publicação de sonetos. Pois cada um dos três livros tem uma mensagem própria. E essa particularidade estende-se à forma. A quantidade, cinquenta poemas, partiu de um amigo que me falou na ideia de “meia centena”, gostei e avancei.

JC – Em algum momento lhe ocorreu que estava a sacrificar o conteúdo à forma?
MK - Sim, várias vezes. Mas fui encontrando sempre formas alternativas.

JC – Como é que vocês encaram o país e o seu futuro?
GP - O recurso ao passado é feito de maneira selectiva, dada a responsabilidade que recai sobre os ombros de qualquer angolano. Por muito que ficcionemos, ficcionamos sobre uma realidade objectiva. Não perco de vista o equilíbrio necessário à manipulação das dimensões cultural, social e estética. No entanto, acredito que lidar com o passado, sem deixar de ser uma missão premente, é ao mesmo tempo passível de coarctar, ainda que inconscientemente, o devaneio criativo de qualquer iniciativa que tenha por base de trabalho o realismo a partir da década de 1960. Pessoalmente, no meio rural, onde vivi até aos sete anos, testemunhei actos da mais feroz barbárie. Já no centro urbano, viria a testemunhar outros. São memórias frescas, voláteis mesmo. O tempo saberá o que fazer. Quanto ao futuro do país, já tive mais certezas.

MK - Seguramente. Vejo o país com os olhos de quem já chorou, passou fome e viu pessoas a morrer. Amo mais o meu país, amo mais a paz. Sei quanto valem os nossos bens públicos. Sinto-me mais militante dessa nova Angola. Temos tudo para dar certo. Aprendemos com a guerra, estamos a corrigir os nossos erros do passado. Acredito que é necessário apenas continuar com o trabalho em curso de inclusão social, diminuição das desigualdades sociais. Promover a nossa auto sustentação alimentar, a industrialização do país. O resto vamos todos fazendo, com educação, disciplina e trabalho.

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Desta vez a resenha é do blog «Segredos Literários» | «ALMAS DE PORCELANA», COLECTÂNEA DE POESIA DE GOCIANTE PATISSA, VOLTA A MERECER DESTAQUE NO BRASIL

Oiii gente, como vai?
Hoje venho trazer a resenha de um livro realmente maravilhoso que recebi em parceria com a Editora Penalux e no qual foi uma grande surpresa para mim, estava ansiossíma que chegasse e, quando abri vi esse título que me deixou bastante pensativa e me fazendo refletir sobre o que o autor iria esconder entre as linhas da poesia. 

Fiquei sem reação quando tive a honra e oportunidade de ter essa parceria com a editora e além do mais, receber essa obra que possui uma cultura e tanto, coisa rara de se encontrar por aí! Livros únicos dessa maneira fazem a diferença.
As almas de Porcelana realmente me prendeu minha atenção do início ao final, traz a grandeza de palavras simples que remetem muitas das vezes o nosso cotidiano e a maneira que enxergamos as coisas a nossa volta.
Girassol
"Sintonizada a frequência
da melodrama da espécie humana
está ela perplexa humilde e sorridente
no canteiro no quintal. 
Escancarada aos raios escaldantes
de um sol que é de todos
traz sonhos alegres
de um amanhã sem toneladas de mortes. 
Num mundo de pólvoras
onde escasseia o amor
ri-se da cólera dos homens de toda parte
em conflito com a paz
em conflito consigo mesmos
e no seu verde e amarelo
vai singela a planta girando ao sol."
Pág. 29
É o poder de querer lutar e enfrentar todos, custe o custasse, mas pelo nossos direitos. Direitos da terra, que nos trazem a ser quem somos, é saber que estamos habitando e cuidando de um lugar que é nosso com alma e corpo.

As poesias escritas demonstram o poder que a palavra tem, o abrir seus sentimentos e os expor de uma maneira que realmente fazem a diferença. São poesias que despertam a nossa ânsia de viver, de não apenas sobreviver diante do caos que tudo se encontra.

Porque existimos
"São doridas por hábito as linhas que lembram o amor. Não é justo, amor, como se a flecha quebrada, a flor que secou, o pombo correio que perdeu a rota, sei lá, fossem o tudo. Teimo em cantar vigorosa poesia até sobre crateras eternas que parimos. Que seja curto ou longo, agora não importa. Maresia é que não. Para todos os efeitos, existimos." Pág. 55
As almas de porcelana nos remetem a tristeza diante de algumas situações que são enfrentadas, de um amor muito das vezes esquecido ou esperado por longos tempos e a vontade de querer que tudo acabe bem. É selar cada momento, cada situação com o dever cumprido e a esperança no olhar de quem sabe de uma maneira ou outra um dia tudo irá se ajeitar.
Tenho poucas palavras para escrever e falar sobre a obra, diante do material importante que ela possui e que faz uma diferença e tanto na vida do leitor. Com cada palavra dita, Gociante soube me emocionar e me ensinar em muitas vezes ver a vida de outra maneira e com outros olhos...me sinto grata.
A escrita do autor á maravilhosa, fácil de ser compreendida e com muito sentimentalismo exposto, sendo bem agradável. 
Além disso, a edição está linda, como puderam ver a capa está um arraso! E cada poesia tem sua página, aumentando a vontade de realizar a leitura. Realizei a leitura da obra em uma manhã, pois gosto de ler e ficar pensando sobre o que foi dito e reler outras vezes. 

Sobre o autor:
Daniel Gociante Patissa nasceu na província de Benguela, em 1978. Licenciado em Linguística/Inglês, pela Universidade Katyavala Bwila, é membro da União dos Escritores Angolanos. Descobriu a inclinação para o jornalismo e a literatura num programa infantil da Televisão Pública de Angola em 1996. Foi gestor de projetos, tradutor (Umdundu-Português-Inglês) e jornalista freelancer, tendo fundado a Associação Juvenil para a Solidariedade, ONG angolana. Serviu a Save The Children e a Handicap International. Publicou: Consulado do Vazio (Poesia, 2006), A última ouvinte (contos, 2010), Não tem pernas o tempo (novela, 2013), Guardanapo de Papel (poesia, 2014), Fátussengóla, O homem do Rádio que espalhava dúvidas (contos, 2014). Mantém ativo o blog www.angodebates.blogspot.com. 
Espero que tenham gostado dessa resenha! Até a próxima.
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LIVRO ANGOLANO REVELA A FRAGILIDADE HUMANA

A importância da obra é reforçada pelo fato de que no Brasil há pouquíssimas publicações de escritores negros de Angola

Descobrir o mundo exterior a partir de seu interior, essa é a proposta do poeta e jornalista Gociante Patissa em seu novo livro “Almas de Porcelana”. Editado e lançado no Brasil pela Penalux, como o próprio título já diz, a obra apresenta de maneira poética a fragilidade dos seres humanos e suas relações com familiares, com outros e com a própria vida.

A obra trata-se de uma seleção de poemas de dois livros já publicados pelo autor, “Consulado do Vazio” e “Guardanapo de Papel”, catalogados em duas partes. “Almas de Porcelana” ainda reserva uma terceira parte dedicada a poemas diversos.

Em seu trabalho, o autor é sempre muito franco ao expor o mundo e as histórias que o cercam.  No poema “Obras do Tempo”, Patissa mostra a dor causada pelas minas terrestres espalhadas pelo solo africano. Ele apresenta o sofrimento das vítimas em forma de palavras, como, por exemplo, “Quando perdi as pernas; começou o Titanic da minha vida a afundar; (…) quantos mais se amputarão; quantas minas ainda afinam vozes; para a hora da explosão?; até quando as armadilhas?”.

Poesia intimista

Porém, mesmo agarrado à imagem da porcelana, Patissa sabe construir a beleza daquilo que um dia foi apenas mero barro, mas graças ao calor da poesia e ao talento do poeta transfigura-se em algo de inestimável valor. Sua fragilidade reside na apreciação pacífica que emana de seus poemas sensíveis. Há neles belas filigranas de esperança, como num delicado conjunto de fina porcelana, em cujas peças brilha um arremate nostálgico.

Para os editores Tonho França e Wilson Gorj, a poesia de Gociante é intimista e sensível, procurando sempre símbolos que compreendem a relação do “Eu” com o “Mundo” e vice-versa. “As ideias centrais são como se seus contornos desenhassem o externo, e o autoconhecimento viesse através do ‘Outro’, mas o ‘Outro’, também, é uma ideia vinda do ‘Eu’”.

A importância do livro é reforçada, segundo os editores, pelo fato de que o mercado editorial no Brasil acolhe poucas obras de escritores negros, principalmente oriundos de outros países, como Angola. Eles dizem que os autores angolanos mais conhecidos no país – como, por exemplo, Ondjaki e Agualusa – traduzem um perfil de escritor um tanto quanto distante da realidade populacional daquela região, na qual os negros são a maioria. “O que deixa o repertório brasileiro fraco e pouco diversificado”.
– Porém, Almas de Porcelana é um livro que tenta quebrar essas barreiras, enriquecendo nossa cultura e visão de mundo – reforça.

Serviço: Editora Penalux, Livro: Almas de Porcelana, Autor: Gociante Patissa
Publicação: 2016, 88 páginas, 14×21 cm, Preço: R$32,00

Link para comprar:



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Almas de porcelana | Gociante Patissa






Oi gente, tudo bem? Primeiramente gostaria de pedir desculpas pela ausência no blog e na página do Facebook rs. Por aqui as coisas estavam um pouco corridas (casamento do meu irmão! Ownn…), e também eu estava sem internet em minha casa. Então, tudo o que eu postava, era com internet “roubada” da minha tia rs Quando eu ia lá para cuidar da minha avó, ou visitá-las, eu pegava um pouquinho da internet para atualizar as coisas por aqui e no Facebook. Mas agora as coisas já se ajeitaram, então vamos voltar à programação normal rsrs Assim espero…

Hoje vim apresentar a vocês um livro de poesias que li recentemente, que chegou até mim por meio da parceria com a editora Penalux. Almas de porcelana (Penalux, 2016, 86 p.) do autor angolano Gociante Patissa é dividido em três partes: Consulado do Vazio (livro de estreia do poeta, publicado pela primeira vez em Benguela); Guardanapo de papel (segundo livro do autor, lançado primeiramente em Portugal); e Poemas dispersos (que contém poemas inéditos e outros que foram publicados em revistas de Moçambique e Portugal).

Gociante é bem envolvido com causas sociais e políticas, e mostra muito disso em suas poesias. Vemos também paisagens da guerra, mas sobretudo mensagens de esperança ditas com palavras muito acariciadoras. A começar pelo título: Almas de porcelana. Almas, por vezes são coisas tão “duras”… mas que devem ser tratadas com cuidado, como porcelanas. Por coisas que o autor provavelmente passou, sentimos, ao ler seus escritos que ele próprio emoldura sua arte, e assim, sua alma.

Como irmãos (p. 22-23)

“D-me a tua mão
para andarmos de braços dados
torturando a solidão lado a lado
caminhemos sem temer as minas
do sol-posto à nascente
iluminados sem consultar o lusco-fusco
como irmãos.

Vamos derrubar o quintal que nos separa
apanhar pelas traquinices
se for o caso
mas como irmãos
vamos chorar em conjunto
e enxugar as lágrimas com o canto
da minha camisa
vamos rir da dor, reter a lição
sem nada ruminar
como irmãos

Vamos jogar à bola
ou no teu quintal a wela
vamos correr transpirar até cansar
depois da escola
vamos olhar juntos adiante
como irmãos
e a guerra não terá vez.”

O autor mantém ativo o blog Angola, Debates & Ideias. E vejam só, encontrei esta entrevista, de 2014, que ele participou, do programa Fair Play. Assistam até o final, porque em determinado ponto da entrevista ele declama um de seus poemas. E já adianto: é lindo, apaixonante!

Se vocês se sentirem à vontade, leiam esta entrevista. É longa, mas recheada de informações e coisas interessantíssimas (e até vemos características com o Brasil em algumas partes, hein?!).
Os últimos cinco minutos deste interessante vídeo (de 12 min), disponível no canal Youtube de Daniela / Bibliotecária Leitora, são dedicados carinhosamente à minha colectânea de poesia «ALMAS DE PORCELANA», lançada este ano em São Paulo, Brasil, por iniciativa total da editora Penalux.


Agradecimentos à autora do vídeo, à Cristina Galhardo Amado que o achou e aos editores Tonho França e Wilson Gorj, pela aposta e patrocínio.





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Texto de Vivian Moraes, Brasil
in portal Homo Literatus"
A forte poesia de porcelana de Gociante Patissa chega ao Brasil 

quando não se tem direito
a ter medo do relento
só deus pode ser pai

Gociante Patissa é um poeta experimentado. Depois de oito livros lançados em seu país de origem, Angola, e também em Portugal, ele chega ao público brasileiro — com uma edição que compila seus principais conjuntos de poemas — pelas mãos da Editora Penalux.

O livro brasileiro é Almas de Porcelana (2016), o que já revela o quanto tem de forte (uma alma não se finda, segundo as religiões) e delicado (porcelana). Um ser que se vê no papel de poeta enfurecido pelos males que assolam seu país – Gociante nasceu em 1978, três anos depois da independência do jugo colonial português, mas a libertação viria a ser seguida por três décadas de guerra civil entre angolanos, findas somente em 2002 – , além de se constituir um autor que resgata a beleza estética no que é feio ou grotesco, ou simplesmente errado, como no poema África mãe Zunqueira:

Esta que se aproxima
carrega uma criança às costas
outra no ventre
uma nuvem húmida rasga-lhe a blusa
lembrando que é hora de parar e amamentar
e lá vai ela seguindo o itinerário que a barriga traçar
gestora de um ovário condenado a não parar
porque é património social
penhora o útero na luta contra a taxa de mortalidade

[…]

Como irmãos é um belo poema que versa sobre a solidariedade, num país em que as fronteiras demarcadas pelos imperialistas não corresponde às identidades culturas em jogo. Em Angola, no processo de libertação, houve uma a aglutinação de vários reinos, que estão sujeitos ao majoritariamente etnolinguístico de origem Bantu. Gociante pertence ao grupo Ovimbundu, que representa cerca de um terço da população angolana, cuja língua, o Umbundu, predomina em seis das 18 províncias.

O mais comovente dos poemas certamente é Obras do tempo, que trata da mutilação de corpos causada pelas minas terrestres das guerras que assolaram o país: “Quando perdi a mão/ condenaram-me a ter saudades da saudação/ de acenar e apertar a mão/ as ruas esqueceram-se do meu nome/ por tudo isso pergunto irmãos/ quantos mais se amputarão/ quantas minhas ainda afinam vozes/ para a hora da explosão?/ até quando as armadilhas?/ caramba pá.”

Esse final: “caramba pá” é um pedido de socorro, um grito rouco que o leitor aprende a ler nos poemas de Patissa ao longo do livro. Trata-se de um livro grave. O leitor não é convidado a sorrir. Porém, mesmo que não sorria por conta da falta de um recurso estilístico mais usual, com imagens e cores bonitas, por exemplo, o sorriso aflora nele ao ler a verdade. E será que dizer a verdade é fazer arte?

Certamente essa é uma longa discussão, mas é fato que Patissa presenteia a nós, brasileiros, com poemas breves e densos, apesar de um ou outro se deixar flutuar.

Leiamos o primeiro poema de Almas de porcelana:

Tríade da pedra do tempo e da obra

Na madrugada, acelera-se a pulsação 
no movimento irreversível do tempo 
os fantasmas da responsabilidade cantam
ecoam as lembranças 
é a despedida do repouso

De dia o suor espalha-se 
pelos poros afora 
na orquestra de quem trabalha 
estradas rasgam-se na curva dos seios 
na nudez do arco-íris 
a vida é infindável caminhada

De noite o corpo exausto cobra pelo descanso 
os olhos carregados enganam as almas 
Gociante Patissa/ foto: José Alves-Rede Angola
que adormecem masturbadas

Ontem foi partida
hoje é caminhada
e o amanhã uma promessa ainda.

Nota-se, aqui, como o autor vaga de uma imagem a outra de maneira simples, quase prosaica. O amanhã pode ser apenas uma promessa, mas neste agora “o suor espalha-se”, “estradas rasgam-se na curva dos seios” e o arco-íris tem “nudez”. Boas metáforas, muito melhores do que uma ou outra que se encontram no livro com menos mestria.

Matéria Publicada no Portal Homo Literatus no dia 28.05.2016

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NOTA DA EDITORA

"Ao mergulharmos no universo de Almas de Porcelana, temos que nos desamarrar daquilo que guardamos do significado de “fragilidade”. Agarrado à imagem da porcelana, Patissa sabe construir a beleza daquilo que um dia foi apenas mero barro, mas graças ao calor da poesia e ao talento do poeta transfigura-se em algo de inestimável valor. Sua fragilidade reside na apreciação pacífica que emana de seus poemas sensíveis, preciosos; há neles belas filigranas de esperança, como num delicado conjunto de fina porcelana, em cujas peças brilha um arremate de debruns nostálgicos. No vigor destes poemas, evidencia-se a demonstração de como se processa a força nos indivíduos, herdeiros de passados árduos, roubados e massacrados (ou, no mínimo, ignorados). Indivíduos que, através da própria resiliência, transformam sua vida em arte. De alto nível. As terras verde-amarelas, tão fatigadas com histórias estereotipadas sobre nossos irmãos africanos, não poderiam mais esperar para apreciar as importantes – e inevitáveis – palavras de Patissa, poeta com quem comungamos os Cantos da África e a Língua de Camões." (Texto de Letícia Monteiro, orelha do livro, nota do editor)
Eis o link da loja virtual da editora http://www.editorapenalux.com.br/loja/product_info.php?products_id=401

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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Sobre o livro Não Tem Pernas o Tempo, "apenas breves considerações"


Por 
Cristina Galhardo Amado, Benguela 14 Agosto 2013

Penso que o teu Não Tem Pernas o Tempo, que devorei com agrado em pouco tempo (repartido por duas noites antes de dormir), tem mais características de novela que de romance, não só ou sobretudo pela extensão, mas mais pelo ritmo narrativo, pouca descrição, pouco aprofundamento psicológico das personagens. O narrador facilita, pela sua necessidade (que revejo como influência das narrativas orais), o trabalho ao leitor, como se dispusesse de um tempo algo limitado para contar a sua estória.

Na tua passagem para um género narrativo mais extenso e complexo, de certo modo, pelo número de personagens, situações, linha temporal e espacial, creio que foste muito bem sucedido, conseguiste dar consistência à narrativa, tecendo bem as tramas, indo buscar os fios soltos, para os colocar no sítio justo, no tempo justo. O ritmo é fluído, acelerado, mas constante, o que nesta dimensão mais curta, achei importante, funcionou bem.

Penso que estás em busca da tua voz narrativa na prosa, mais do que na lírica. E contudo, a tua melhor prosa é a lírica. Não, não significa de modo algum que escrevas tão somente poesia. A tua melhor prosa é liricamente cantada. É muito notório no final do livro. O último capítulo distingue-se, naturalmente, de todos os anteriores. É ali que te movimentas, que comunicas com mais beleza.


A escrita é fortemente influenciada pela tradição da literatura oral, como julgo ser tua intenção (consciente?).  Acredito que neste ponto, te exercitas ainda, e que terias a ganhar com um uso da pontuação e estruturação frásica que possa moldar de forma mais consistente o teu estilo, que só a ti pertencerá. Penso que mesmo com esse fio precioso que leva à raiz da oralidade, a leitura que teimas em adiar iria ajudar muito. Muita leitura. Mas como fazer se não te apetece e se ainda assim realizas – e bem - teus intentos? J Talvez então o teu trilho seja outro, um trilho estranho para um escritor, que geralmente lê muito.


O protagonista é um amálgama complexo. É o jovem escritor, és tu em momentos, até nos detalhes da passagem pela profissão de fotógrafo. É o angolano sonhador e honesto. É o angolano imaturo, também, o que não resiste em abusar da posição que obtém. Ao contrário do que sucede na realidade, porém, não resististe tu em castigá-lo. É a própria Angola, um emaranhado tremendo, tão denso e profundo, com o bom, o mau, o maravilhoso, o horrendo, que ora se apresentam distintos ora, como parte do emaranhado que são, se confundem e nos confundem, continuamente…É o angolano que se reinventa à força.  É, também…a Angola minada, que perde membros, e ainda assim caminha.


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Um livro pode ser apresentado de mil maneiras diferentes. Na escolha de uma de entre essas mil maneiras diferentes existe uma espécie de poder soberano do apresentador, que se torna dono e senhor, por momentos, de algo que não fez, que não produziu, que não criou, mas ao qual se associou na ponta final.

Se os poetas, os romancistas, os cronistas, enfim, os escritores genericamente falando, não fôssemos essa fauna de absolutos geradores de emoções e tecedores incansáveis de laços de agregação e união, poderíamos ter casos em que um apresentador desanca sobre o dono da obra, ou seja, aquele que queimou neurónios, extremou os limites da paciência e enfrentou o bom e o mau das insónias das madrugadas, para dar à Humanidade um presente sob a forma de livro.

Nunca o fazemos pelas inúmeras razões associadas ao difícil processo que vai da génese da ideia à fixação da letra impressa sobre o papel em branco. É uma gravidez seguida de parto e este longo e intrincado percurso impele-nos ao respeito e à valorização inevitável do esforço alheio.

Ou seja, ainda que um livro fosse um soberbo fracasso criativo – que os há, evidentemente, e tê-los-emos sempre enquanto as voltas em redor do Sol não pararem – ainda que um livro fosse um soberbo fracasso (dizia), uma invencível generosidade presente na alma de todos e cada um de nós, impediria de desfazer à pedrada e aos pontapés o trabalho que outro pregador de ideias escritas andou a fazer.

Portanto, deixo claro logo de início, que não me ouvirão maltratar a acção e o labor de longas horas subentendidos no produto que o Gociante Patissa oferece aos angolanos que lêem neste sábado de uma Benguela invadida até às cavernas por forasteiros de toda a índole.

E nada disso acontecerá não pelo tal ditame aludido sobre o “politicamente correcto” das palavras que se devem dizer nos actos de apresentação dos livros que se escrevem, mas por uma razão diametralmente oposta: este livro é um portento, é um pequeno-grande tesouro, é filigrana de luxo montada com palavras muito finas e pequeninas, desenhadas sem pressa nem ansiedade, à procura de um espaço de glorificação da Literatura como arte de requintada elevação e nobreza.

Tenho de vos confessar que me deu imenso prazer deslizar da primeira página até à número 97, a última, e são ainda muitas as imagens que guerreiam entre si na minha cabeça, desejosas todas elas de palco, de um direito disputado ao milímetro, para serem as mais presentes.

Um livro de crónicas tem, felizmente, esse condão. Porque se monta com relatos que representam cada um deles um momento específico – um episódio, uma evocação, uma viagem, uma experiência, uma dor, uma celebração, uma piada…- torna-se fácil ao leitor armar no seu imaginário réplicas a papel químico ou mil milhas distanciadas daquilo que o autor criou, com as palavras que escolheu e as emoções que selecionou. 
      
Na verdade escrever crónicas é um exercício de convite a outros para que as escrevam também connosco, arrastados por esse helán invisível mas que todos percebemos que está lá no momento em que nos deliciamos com a leitura e os relatos começam a parecer-nos episódios familiares, experiências com todas as probabilidades de terem sido vividas também por quem apenas as vive na leitura. Parece um trava-línguas para rasteirar incautos num qualquer exercício acadêmico mas é, de facto, a simplicidade de uma certeza óbvia que os cronistas conhecemos desde sempre e os apreciadores do género confirmam que acontece sem qualquer esforço suplementar de sua parte.

Pois bem: Debruçando-nos sobre as particularidades da obra que nos congrega esta tarde neste magnífico espaço de Benguela…

Temos em mãos Trinta e Sete crónicas escritas pelo autor no período que vai de 2006 a 2014 e que, como normalmente acontece neste género, foram agora recolhidas, compiladas, arrumadas, para terem o formato de livro. Aparecem agrupadas em três capítulos, nomeadamente Viagens; Por Dentro da Nossa Gente e Na Via. 

Posso assegurar a todos aqueles que possuam sensibilidade para se enternecerem com as estórias comuns que fazem os nossos percursos enquanto cá andamos, que têem leitura para alegrar as vossas vidas. 

Vão encontrar relatos feitos com o perfeccionismo que se exige aos cronistas, sendo notável a capacidade demonstrada pelo autor em contar em pouquíssimas linhas estórias completas. É esse o grande mérito da crónica, é esse o grande desafio de quem cultiva o género, é esse o triunfo do livro que esta tarde chega ao mercado literário angolano. 

Temos muito por onde pegar, num pacote de relatos que nos ajuda a conhecer o Gociante Patissa – para quem o encontro pela primeira vez só agora acontece -; a conhecer melhor o Gociante para quem o traz na memória de outras tribunas, como os blogues que anima no amplo mundo da Internet, designadamente o angodebates e o ombembwa ou a ir pensando em conhecer o menino escritor do Bocoio para aqueles que vão ouvir falar do evento desta tarde por aí, pelas rádios, pelas redes sociais, no passa-a-palavra das praças a céu aberto, dos bancos da universidade ou das mesas de bar.

Direi que embora os capítulos por que se subdividem os textos sejam três e Viagens seja apenas um deles, em bom rigor a ideia de viajar estende-se por todos eles. O modo como uma crónica nos entra pelos olhos e se ocupa do nosso imaginário nos labirínticos meandros do cérebro, é sempre uma viagem. O leitor cola-se às mesmas asas com que voa o cronista,  sobe e desce com ele no infinito espaço que ele percorre, seja na glorificação dos momentos festivos, seja no recolhimento lutuoso das horas tristes.

As crónicas, para serem belas, devem contemplar também o ingrediente humor. 
      
É justo que vos adiante que quem gosta de uma boa gargalhada, tem mesmo de se agarrar às asas do Gociante e fazer o voo divertido com ele. Eu não me coibi e acreditem que ainda oiço, presas algures no espaço, as gargalhadas que soltei quando, no texto que acredito seja das maiores entregas de humor de toda a obra, me vi infiltrado naquele quarto da página 55 onde um cliente e uma prostituta têm um diálogo de antologia sobre a maneira como fechariam as contas depois de cumprida a relação contratual efémera. Vou partilhar com todos nesta plateia estes momentos supremos, que são uma inequívoca demonstração do modo tão belo e criativo como autor escreve:

“Em coisa de minutos, Janota tinha uma rapariga, expedita vendedora de orgasmos simulados, e um canto para o labor e o sabor, não sem antes ficar claro o preçário. A menina fê-lo chegar à China por alguns instantes. Ora, completada a viagem, surgia um tipo de conversa mais ou menos imprevista para aquele segmento de negócio. (Pergunta o Janota): “E agora, como vamos fazer? Posso pagar com cartão?”.
    
A rapariga olhou para ele, como quem diz, “caramba!, está aqui um espertalhão”. E antes mesmo que ela emitisse uma palavra, o cliente continuou justificando-se: “Sabes como é que é. É fim de semana, a função pública pagou. Já circulei pela cidade e cercanias, mas nenhum aparelho tem dinheiro. Mesmo a nível de macroeconomia, honrar os salários dos professores é um caso sério, já que eles não produzem como tal. É um sector nobre, muito importante, mas pobre. Com os militares é a mesma coisa. Não sei como vamos fazer, sabes? Eu gosto de pagar as minhas contas, acontece que não consigo tirar dinheiro do banco”.
    
A rapariga ouvia, franzindo progressivamente a testa. Pensava por dentro : “este gajo não quer com este monte de palavras que no final fique tudo por um crédito sine die, não? 
- Doutor, pela próxima, quando é assim, avisa antes. Estás a ver se hoje eu não trouxesse o TPA, íamos mesmo se pegar nas camisas. E até não fica bem. Vá, dá lá o cartão multicaixa. Hôko!, assim também querias quê?!”.
      
O final foi feliz para o professor Janota, uma vez que a menina, sendo profissional com visão empreendedora, tinha a sua máquina de pagamento electrónico na mesma bolsa em que guardava os preservativos, pensos e lubrificantes íntimos, não tendo sido necessário, como ela mesma disse, «se pegar nas camisas». Como diria o ditado, para um esperto, esperto e meio”. 
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Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Este livro é tão bom e tão convidativo que dá vontade de o descascar todo e oferece-lo como uma donzela de passerelle para que se deliciem logo aqui. Mas não. Esse é um direito que vos assiste, levem-no a tiracolo, para a praia, para as areias quentes do Atlântico, para a Baía Azul, para os campos de futebol, para as esplanadas, para as sombras benfazejas da Restinga, no Lobito….para todo o lado, mas levem-no. 
  
A ideia é que o leiam mesmo;  que descubram o Gociante Patissa, que apreciem alegremente o tão bem como ele escreve, mesmo quando seja para relatar episódios tristes como a crónica que dá título ao livro, a última por sinal. Que caminhem felizes do princípio até ao fim; que viagem para os Estados Unidos e se intriguem com esse hábito feio de não se cumprimentar ninguém nos elevadores americanos e terminam a fantástica passeata com uma homenagem ao agente Kalú, que frequentava o segundo ano do Curso de Direito na Universidade Jean Piaget e numa noite de azar, no cumprimento do dever, partiu precocemente devido à imprudência de um desses assassinos à solta das nossas estradas. Partilhem a dor de todos, dos familiares, dos amigos, dos colegas, pelo agente de trânsito Kalú. Inerte ficou o apito, que não mais se ouviu.
                                  Tenho dito! Benguela, 31 de Outubro de 2015   

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