sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Menos de meia hora ligado ao meu computador (que implica outro lado meu) foi suficiente para acabar com a dor de cabeça (literalmente falando) de quem aguentou 8 dias, sem folga, no serviço de terra em aeroporto. Estar numa boa empresa não é estar num bom emprego. Definitivamente, nunca gostarei de aeroportos e não me sinto obrigado a dizer o contrário. É o caminho a que leva a barriga.
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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Ensaio: Cancioneiro do Bocoio, por Francisco Soares, Gociante Patissa e Félix Chijengue

Nota prévia: (1) O blog Angodebates recomenda a consulta do presente ensaio no seu formato original, através do scribd no seguinte link: http://pt.scribd.com/doc/66420292/Bocoio (2) Fotos de Gociante Patissa, tiradas na vila do Bocoio.

Cancioneiro do Bocoio[i]

Autores: Francisco Soares (docente universitário, crítico literário e escritor), Gociante Patissa (técnico superior de linguística inglês e escritor), Félix Chijengue (estudante de Linguística Português)
"cinganji", figura mítica

Durante o primeiro semestre de 2010 sugeri a Félix Chijengue Matias Manuel, estudante do curso de Linguística-português da Universidade Katyavala Bwila, que fizesse um levantamento do cancioneiro tradicional da zona do Bocoio-Monte Belo, terra de origem de seus pais. O concelho do Bocoio fica situado no interior montanhoso e fértil da província de Benguela, província que principia no litoral-centro da República de Angola. É um concelho grande, cuja sede (homónima) fica a cerca de 102 km’s da capital da província e a cerca de 75 km’s do porto e cidade do Lobito. No seu todo o município tem cerca de 164 mil habitantes.

Incentivei Félix Chijengue a anotar o texto com explicações para os poemas, trazidas pelos transmissores e outras, contextuais, de sua lavra ou de amigos e familiares. Se o resultado dos comentários nem sempre foi dos melhores, o breve cancioneiro reunido revelou um material interessante e sem os comentários não podia ser analisado corretamente. Esse material junta canções atuais e outras de origem mais recuada na história de Angola e suscita-nos questões que vão de uma poética tradicional umbundo ao confronto com as versificações e poéticas de raiz europeia. Os ajustamentos interpretativos, contextualizantes, lexicais e mesmo ortográficos de Gociante Patissa acabaram resolvendo a maioria das zonas de sombra que ainda me perturbavam.

Trago agora esse material à comunidade científica interessada, incluindo os comentários escritos e transcritos por Félix Chijengue, bem como os meus e os de Gociante Patissa (em notas ao fundo de cada página). Para conferir as traduções, a métrica e o ritmo contei com o apoio de várias pessoas. Entre elas destaco os nomes do mesmo escritor Gociante Patissa, da Dr.ª Miraldina Jamba, da Dr.ª Joana Quinta e de D.ª Maria Rita – pessoas às quais encarecidamente e publicamente agradeço.


Uma breve nota, relativa à apresentação das peças, impõe-se. Os versos são seguidos por números que indicam a soma de sílabas métricas baseada na dicção umbundo corrente (confrontei falantes de umbundo dessa e de outras regiões) para que o leitor menos acostumado possa ter uma noção mais precisa das relações métricas em jogo. Nessa divisão, tento aproximar o máximo possível a grafia da fala.
Deolinda Valiangula, administradora municipal do Bocoio

Uma última nota, relativa à ortografia (que é da responsabilidade de Félix Chijengue). Na ortografia para as línguas banto adotada por Angola
×          o [s] entre duas vogais lê-se como [ss] em português;
×          a colocação do [n] antes de consoante não implica necessariamente a nasalação da vogal anterior, mas a colocação da língua antes de pronunciar a vogal, como acontece com [m] e [n] em começo de palavra e antes de consoante (Bocoio, por ex., na grafia bantu, escreve-se mBokoio);
×          o [c] entre duas vogais, sendo a segunda um [e] ou um [i], lê-se [tch];
×          o [g] lê-se como se fosse grafado [gu] em português, não se confundindo, portanto, com o [j] (não se lê mas guê – na grafia portuguesa).

1º canto: o contrato (canto de resistência) – festa olundongo


Indele vikuete onya (i-nde-le-vi-kwe-to-nha = 7)
Indele vikuete olucele (i-nde-le-vi-kwe-to-lu-tche-le = 9)
Ondaka vakapa mukanda (o-nda-ka-va-ka-pa-mu-ka-da = 9)
Onjila vakapa mokalunga[1] (o-ndji-la-va-ka-pa-mo-ka-lu-nga = 10)
[2]Me-ko-nda lyo-ku-li-mbi-sa omu-nu o-lo-ndun-gê = 15)

7-9-9-10-15

Tradução

Os mulatos[3] têm inveja
Os negros têm ambição
Põem[4] a palavra na carta
Põem o caminho no mar
Para atrapalharem o juízo dos outros

 Comentários iniciais

Festa Olundongo.

Este canto era acompanhado com batuque[5] e danças. Geralmente era feito na festa de quem foi solto da prisão e do trabalho escravo.
Em termos de tema este canto vem responder ao colono porque agora se descobriu o caminho do Lobito à Catumbela. Eles dizem isto porque naquele tempo os escravos eram apanhados no Bocoio, eram levados de carro até ao Lobito com destino à Catumbela para trabalharem nas plantações de cana-de-açúcar. Postos no Lobito embarcavam até à Baía Farta ou ponte-cais de Benguela. Destes lugares eram retirados de carro até à Catumbela para pensarem que, do Lobito à Catumbela, o caminho é sempre pelo mar. Depois de descobrirem que, afinal, havia um caminho terrestre e próximo revoltaram-se contra o colono e outros negros que mandavam dizendo que: primeiro, não nos ensinavam a ler e punham palavras nas cartas e faziam-nos passar pelo mar quando o caminho estava aqui próximo, tudo isso para nos enganarem.

 Anotações minhas

Em primeiro lugar sobre a tradução.

A primeira palavra, indele, designa ‘branco’ ou ‘senhor’, pessoa importante, com posses e que geralmente traja à maneira europeia. Na Lunda este sentido, segundo o sociólogo Vitor Kajibanga, é atual ainda. Mais recuadamente ainda, entre os bacongo dava nome aos invasores. A palavra teria raiz em hûndela ou hûndula, verbo que se traduz por “detestar, desgostar” (Batsîkama, 2010, p. 124). Na província de Benguela e na língua umbundo reduziu-se ao significado de ‘branco’, embora Batsîkama assevere que, originalmente, designava espíritos maléficos. No entanto foi traduzido por ‘mulato’. De certo modo ‘mulato’ remete para o sentido mais antigo, presente ainda na Lunda; porém a tradução pode ter sido condicionada pelo facto de o canto se destinar a mim, branco – e, por delicadeza, não quererem nomear a minha cor de pele. Como se pode ver no comentário que juntaram, é ao colono, ao explorador (e nesse sentido ao branco), que se referem no canto. Seria, portanto, melhor traduzir por ‘brancos’, ou por ‘exploradores’ e não por ‘mulatos’, indicando-se em nota que ‘branco’ tem um significado sociológico mais do que relativo à cor da pele.

Provavelmente por distração, indele vem traduzido no segundo verso por ‘negro’. Pelas razões aduzidas, convém mudar para ‘branco’. No entanto é de lembrar que, perto do final, o comentário diz: “contra o colono e outros negros que mandavam”, o que pode justificar a tradução de indele por ‘negro’ no segundo verso (significando qualquer coisa como: ‘uns por cobiça, outros por ambição’).

Segundo Virgílio Coelho, para as populações do Ndongo que viviam perto do mar, os jindele eram espíritos de pessoas recém falecidas, que viviam no mundo dos mortos (Kalunga – que significa também o mar). Esses espíritos errantes emergiam do mar e vinham atormentar os da sua linhagem mais próxima. Uma vez que os portugueses chegaram pelo mar foram apelidados de jindele. O nome aplica-se ainda (entre povos de cultura e fala kimbundu) a uma ave pernalta, branca, do tipo do pelicano (Coelho, 2010, pp. 50, nota 6). Pode ser que esse sentido, mais recuado, apesar de estarmos no Bocoio explique ainda a tradução de indele por ‘branco’, ou ‘mulato’, ou ‘negro’ – pois se referia ao espírito ambicioso, faria a personificação da ambição sem medida. No entanto, os falantes da zona aos quais peço traduções para indele ou xindere, apenas indicam a tradução ‘branco’ – de resto, a que sempre conheci, desde que me lembro de mim. 

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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Oratura: “Tutavela ovokulu, pwãi omalanga ka yifi vociliva"

A diplomacia que se espera de um adulto nos leva a mostrar que acreditamos, mas a palanca não é de cair na armadilha. (máxima Umbundu)
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sábado, 24 de setembro de 2011

A oratura em Angola (trecho do livro Luanda, literatura e cidade)


Dadas as numerosas formas de manifestação que a oratura tradicional angolana assume – a música, a poesia, as narrativas e os provérbios e até os testos ou tampas de panela[1] – optamos por seguir a classificação proposta por Héli Chatelain a propósito dos quimbundo, a qual, deve-se frisar, não colide com a de outros estudiosos[2] como, por exemplo, Oscar Ribas (1964).

Dessa maneira, pode-se afirmar que as manifestações culturais orais angolanas classificam-se em seis classes principais:
·        a primeira delas inclui todas as estórias tradicionais de ficção, inclusive aquelas em que os protagonistas são animais. Segundo Chatelain, elas “devem conter algo de maravilhoso, de sobrenatural. Quando personificamos animais, as fábulas pertencem a esta classe, sendo estas histórias, no falar nativo, chamadas de MI-SOSO. Começam e findam sempre por uma fórmula especial” (CHATELAIN, 1964, p. 102)

A forma especial de intróito dessas narrativas se dá graças a uma utilização idiomática do verbo ku-ta, que significa “contar”, “falar”, “expor”. Uma tradução do uso específico desse verbo nas narrativas tradicionais equivaleria aproximadamente a “por uma estória”. Esse uso se observa quando o contador dá início à narrativa com:

“Vou por uma estória”. A que o auditório prontamente responde: “Venha ela” (“Diize”) Já com relação ao fecho das narrativas tradicionais, é Óscar Ribas quem informa: No encerramento, diz-se: ‘Já expus (Ngateletele) a minha historiazinha. Se é bonita, se é feia, vocês é que sabem.’ Quando a história é pequena, finaliza-se: “Uma criança não põe uma história comprida, senão nasce-lhe um rabo!” (RIBAS, 1964, p. 28).

Referindo-se aos temas e personagens do mi-soso (ou misosso), o mesmo autor ainda diz o seguinte sobre as personagens e ações dos contos tradicionais angolanos: Os contos, ordinariamente, refletem aspectos da vida real. Neles figuram as mais variadas personagens: homens, animais, monstros, divindades, almas. Se, por vezes, a ação decorre entre elementos da mesma espécie, outras, no entanto, desenrolam-se misteriosamente, numa participação de seres diferentes. (RIBAS, 1964, p. 30)

Nos mi-sosso os animais, assim como os homens, revestem-se de dignidade própria e são dotados do dom da fala. Entre si tratam-se de forma cortês e ordinariamente as suas relações pautam-se não pela escala de hierarquia social, mas tão-somente da familiar. Quando em sociedade, o valor individual reside na corpulência e, por conseguinte na força, constituindo, aparentemente, a inteligência e a astúcia, predicados secundários. Ocorre, entretanto, que via de regra, tal como acontece entre os homens, um animal pequeno, valendo-se da sua esperteza, vence o de porte superior e, assim pode-se verificar que grande parte dos mi-sosso acaba por enaltecer a astúcia, em detrimento da força bruta. Dentre os animais destacam-se:

·         o mbewu (cágado ou tartaruga) que normalmente é apresentado como juiz inteligente e sagaz e cuja longevidade lembra a sabedoria dos mais-velhos;
·        kandimba (a lebre ou coelho selvagem) – é também juiz, mas não raro foge às consequências, ou seja, dá a sua opinião, decide mas não implementa as decisões, preferindo esconder-se;
·        njamba (o elefante) – apresenta-se como representante da força bruta, de modo na sua representação a força física sobreleva a inteligência;
·        nguli, hosi ou ndumba (leão) – assim como o elefante, é representante da força e da ferocidade. É, no entanto, representado como facilmente enganável por um animal mais astuto. Os mi-sosso, também, podem ter como personagens os monstros, antropófagos quase sempre, dentre os quais se destacam:
·        os quinzáris que possuem corpo de fera (onça ou pantera), mas com pés humanos – metamorfose obtida por magia concedida para o efeito. “Homem-fera. Palavra formada a partir do quimbundo: kuzuma (dilacerar) + kûria (comer)” (RIBAS, 1997, p. 249);
·        os diquíxis que apresentam aparência humana, mas possuem cabeças que se reproduzem quando decepadas “limitadamente, segundos uns; ou com muitas cabeças simultaneamente, em número variável, segundo outros”. Ainda que tenham forma humana, esses antropófagos vivem isolados do homem. “Este estado também pode ser obtido por magia, por um tempo determinado(...)”. A origem do vocábulo diquixi remontaria ao quimbundo kuxiba (sorver)”. (RIBAS, 1997, p. 82).
A segunda classe das categorias da oratura angolana é a das
·        MAKA – que compreenderiam as histórias verdadeiras ou reputadas como tal. “Embora servindo também de distração estas histórias têm um fim instrutivo e útil, sendo como que uma preparação para futuras emergências”, nos informa o autor de Contos populares de Angola (CHATELAIN, 1964, p. 102). Com relação à terceira categoria da oratura angolana, temos
·        MA-LUNDA ou MI-SENDU. São estórias especiais, já que são transmitidas apenas pelos mais velhos (especialmente os chefes), pois se constituem nas verdadeiras crônicas históricas. “São geralmente consideradas segredos de estado e os plebeus apenas conhecem pequenos trechos do sagrado tesouro das classes dominantes”. (CHATELAIN, 1974, p. 102).
Na quarta categoria estão os
·        JI-SABU - provérbios, em que avulta a concisão. São largamente usados na fala cotidiana: “para prova das afirmações que se fazem ao correr de um discurso, para decisão final, numa troca de impressões, a fim de destacar a idéia-mestra do diálogo; para conclusão de julgamentos (...)” (VALENTE, 1973, p. XI)
A quinta categoria abrange
·        a poesia e a música, quase que inseparáveis: Em regra, a poesia é cantada, e a música vocal é raramente expressa em palavras. (...) Na poesia quimbunda existem poucos sinais de rima, mas muitos de aliteração, ritmo e paralelismo” (CHATELAIN, p. 102). Essas produções são chamadas de MI-IMBU.
A sexta e última categoria é formadas pelas
·        adivinhas, chamadas JI-NONGONONGO[3]. Têm como função principal exercitar o pensamento e a memória. “Como noutras partes do mundo, também possuem em Angola, as suas frases pragmáticas de iniciação. Palavra do quimbundo kunyongojoka: voltear, torcer.” (RIBAS, 1997, p. 215).

Por: Profa. Dra. Tania Macêdo
Bibliografia referida

RIBAS, Óscar. Misosso - literatura tradicional angolana. Luanda: Angolana, 1964, 3 vol.
VALENTE, José Francisco. Paisagem africana (Uma tribo angolana no seu fabulário). Luanda: Instituto de investigação científica de Angola, 1973.
OLIVEIRA, Américo Correia de. O livro das adivinhas angolanas. Lisboa: Mar além, 2001.


In «LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA I - Antologia de Textos», UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, 2008.


[1] Para José Martins Vaz (1969- I vol. p. 9), os testos – tampas - de panela são “cartas, bilhetes esculpidos, portadores de mensagem traduzíveis em provérbios (...)
[2] Ver, a respeito, ver a exaustiva bibliografia citada e comentada por Oliveira (2000, vol. I, p. 94)
[3] A respeito, remetemos a O livro das adivinhas angolanas, de Américo Correia de Oliveira (OLIVEIRA, 2001) que congrega mais de mil adivinhas divididas a partir de temas: Fauna, Flora, Mundo, Geografia, Objetos, Corpo humano, Alimentação, Pessoas, Miscelânea, Impossíveis e Filosofia de vida.

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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Que tal uma leitura do Boletim Informativo da AAPAL - Associação dos Antigos Professores e Alunos do Lobito?

Descobri o Boletim Informativo da AAPAL - Associação dos Antigos Professores e Alunos do Lobito, em Portugal. A edição do 3º trimestre de 2011 traz no espaço dedicado a lendas angolanas um conto por mim adaptado. Eis o link para ter acesso à edição no PDF http://www.aapalobito.org/BoletimInformativo_5.pdf

Abraços com Benguela pelo meio!

Gociante Patissa
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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Crónica: "Porque não esqueço a Do Carmo"


A grandeza das localidades é sempre relativa. E, como é de imaginar, a cidade torna-se excessivamente extensa quando você precisa de localizar as instituições (a pé). Fora isso, nenhum lugar continua grande depois que o dominamos, é como se o conquistássemos da esfera da transcendência.

Assim, ainda mais pequeno do jeito que é o Bairro da Luz, no Lobito, corro o risco de esbarrar nas pernas dela, as quais o tempo parece não se cansar de tonificar, com ciclos de dores maternais e luxo.

Toda essa ladainha por causa da Do Carmo, que não é nenhuma instituição de ir por aí além. É apenas o nome, um nome daquela mulher. Não sei mesmo porque me coloco a falar dela, de tão improvável que imagino ser para ela lembrar-se de mim, alguma vez, algures. E porque teria de lembrar? Se calhar, por não ser normal esquecer. Por aí.

Anda às idas e vindas, como se Luanda e Benguela tivessem a distância de tampa e panela. É muito o que doze anos ininterruptos podem fazer à fisionomia das pessoas, se mulher muito mais ainda, mas nem por isso tive alguma dúvida em lhe reconhecer. «Pode dizer-me seu nome, senhora?», dirigi-me a ela, desarmado. «É uma espécie de interrogatório?», retorquiu, refilona, bela, dominante. Sorri. De outro modo seria outra pessoa. «Você se chama Do Carmo, certo?» Acenou com a cabeça, como se houvesse ali menor esforço do que em dizer a palavra «sim».

Entre nós está o balcão. Atrás dela, uma dezena de almas aguardando pela vez. O check-in consome metade de hora e meia. De vez em quando levanto os olhos, como que a dizer aos que aguardam «estou para todos». E sorrio, para lá do sorriso mecânico que se espera de um atendedor público. Por alguns instantes, é como se possuísse a Do Carmo. Reviro quantas vezes me apetecer o BI dela para lhe ver a idade oficial. (Daí o sorriso. Não que me dê prazer algum o lugar ou o típico stress da actividade).

Por falar em idade, tira-me o stress aquele sorriso malandro cada vez que me vem à cabeça a implicância de Do Carmo. A mulher não aceita que eu tenha menos idade que ela, algo contraditório à indiferença com que se mostra quando passa pelo meu local de ganha-pão. Para ela, só posso ter recorrido à falsificação do BI para escapar à tropa – expediente muito em voga durante a guerra – se lhe disse que fomos colegas de carteira no ensino médio. É, aliás, por esta relação que me importo com ela. Por um ano, convivi com o que Do Carmo era e a pessoa que sonhava ser. Calhava às vezes juntar-se alguém a nós na caminhada entre o Compão e o Santa-Cruz, sob aquele sol que leva à hora do almoço.

Morava entre o PUNIV e o meu bairro, com isso o inevitável caminho pela rua dela, que era a da padaria também. Ali chegados, ela convidava para entrar. E pagava. Como caía bem o pão seco! Depois, escoltava-me até à estrada. Quando nos despedíamos, estavam ainda em serviço os maxilares. Era assim de segunda à sexta, excepto nos feriados. Por isso é que não esqueço a Do Carmo, por todos aqueles pães e pela companhia.

Gociante Patissa, Aeroporto da Catumbela, Benguela, 21-22/09/2011
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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Makas na equipa de futebol do Club 1º de Maio de Benguela


A cinco jornadas do fim do campeonato, o presidente do 1º de Maio de Benguela, o empresário Nelito Monteiro, despediu o técnico, Paulino Júnior, por ter dito em entrevista à Rádio5 que "se o presidente do clube não se solidarizar mais com a equipa, o Maio vai descer de divisão". O desabafo surge também em função do atraso salarial (mês e meio, segundo o presidente).

Chamado a ocupar o lugar, o treinador adjunto, Diniz, recusou a proposta, solidário ao seu colega. A mesma reacção teve o responsável pelos guarda-redes, Kasuku Malaji. Pelo menos por um dia, os jogadores faltaram aos treinos. O vazio acabou com a apresentação de Fussu Nkosi (21/09), que outra vez na história do Clube da Rua Domingos do Ó surge como "bombeiro". Para adjuntos, tem um técnico das camadas de formação e o guarda-redes da equipa sénior no papel de treinador dos homens da baliza.

O que soa caricato é o presidente dizer, em entrevista à Rádio Ecclesia, que a solidariedade do técnico adjunto para com o seu colega, que se traduziu em rejeitar a proposta de substituição, "foi uma cobardia". Seria gesto de coerência ou cobardia, senhor presidente? Para Nelito Monteiro, Diniz devia prestar solidariedade à equipa, que são miúdos que precisam de acompanhamento e não ao colega despedido. 

O desabafo de Júnior, no calor do empate com o Progresso do Sambizanga, abriria um precedente forte, justificando-se por isso o despedimento, "não pelos resultados mas pelos pronunciamentos". O presidente, diz ainda, não é obrigado a andar próximo da equipa, nem sentar-se ao banco, por ter coisas mais prementes do Clube com que se preocupar. Para acompanhar a equipa de futebol tem indicada uma pessoa, Rui Araújo, o "eterno" vice-presidente. "Nós nunca interferimos no trabalho do técnico, e não podemos admitir que interfira no trabalho da direcção", realça.

Alguns sócios pedem a realização de assembleia para renovação de mandatos, numa altura em que o 1º de Maio beira a despromoção. O presidente não se opõe nem perde oportunidade de mandar recados. Chega mesmo a dizer que deviam preocupar-se em trabalhar mais do que exigir assembleias.
Gociante Patissa, Benguela
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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Oratura: ‎"Ocimbulu nda cakava cilumana" / O burro, quando se cansa, morde. ‎(sabedoria popular Umbundu)

Enquadramento: o burro, como instrumento de trabalho no campo, é conhecido por ser muito obediente. Mas quando se farta, não tem receios em morder o dono.
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sábado, 17 de setembro de 2011

Aqui vai um contributo do Instituto de Línguas Nacionais sobre o código linguístico Bantu ou alfabetos das línguas angolanas

À luz da grafia em uso actualmente em Angola (referimo-nos à Resolução n.º 3/87 do Conselho de Ministros que aprova, a título experimental, os alfabetos de 6 línguas nacionais, nomeadamente o Kikongo, Kimbundu, Cokwe, Umbundu, Mbunda e Kwanyama), recomendaríamos, ao nível da transcrição fonológica e das suas respectivas regras de transcrição, dentre outros, o seguinte:

— a sequência: i + a, e, i, o, u escreve-se ya, ye, yi, yo, yu, respectivamente;

— a sequência: u + a, e, i, o, u escreve-se wa, we, wi, wo ,wu, respectivamente.

Extracto do parecer do Instituto de Línguas Nacionais da República de Angola, datado de 7 de Maio de 2000, In «O Livro das Adivinhas Angolanas», Luanda, União dos Escritores Angolanos (2006: 17).
………………………..

Umbundu

Ku vana vasole okukwama ndomo casesamenla okusoneha alimi vetu vo Ngola, tambuli esapulo lyatunda ko Instituto de Línguas Nacionais

Ndomo cilekisa ocihandeleko cesoneho kwalimi vutundasonde vo feka yo Angola (Ukanda wo cisoko capalanga, letendelo 3/87, cina cakisika, ndevelo lyo kuseteka, onjila yokutaya kwalimi vasoka epandu, ndeci o Kikongo, Kimbundu, Cokwe, Umbundu, Mbunda kwenda o Kwanyama), epañiyo lyetu lyeli okuti:
— nda o “i” yakwamiwa lo “a, e, i, o, u” tukapa po o “y”, ndoco: ya, ye, yi, yo, yu;
— nda o “u” yakwamiwa lo “a, e, i, o, u” tukapa po o “w”, ndoco: wa, we, wi, wo, wu;

Esapulo eli lyapañiyiwa lo Instituto de Línguas Nacionais da República de Angola, veteke 07/05/2000, vekongamenla «O Livro das Adivinhas Angolanas», Luanda, União dos Escritores Angolanos (2006: 17).
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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

"Palpitam-me/ os sons do batuque/ e os ritmos melancólicos do blue// Ó negro esfarrapado do Harlem/ ó dançarino de Chicago/ ó negro servidor do South/ Ó negro de África/ negros de todo o mundo/ eu junto ao vosso canto/ a minha pobre voz/ os meus humildes ritmos". - (Agostinho Neto. Voz do sangue, in Renúncia impossível).

Ouvi a música logo que voltei da viagem de intercâmbio a convite do Departamento de Estado nos EUA (2010), e a música, bela pela voz dos Cafala Brothers e apaixonante pelo rítmo da viola, tocou-me ainda mais pela melancolia da letra. A dor de uma eterna subjugação de um povo, os mesmos de sempre abaixo da linha "dos padrões"... Não sabia que era de Agostinho Neto, só hoje vi, graças a Jomo Fortunato, In Semanário Angolensehttp://semanario-angolense.com/home/semanario_angolense_433.pdf
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sábado, 10 de setembro de 2011

Biblioteca Don Bosco enaltece literatura angolana em véspera de abertura


Ir. Máximo e repórter Zé Luis
A Escola Don Bosco, projecto multidisciplinar afecto à Igreja Católica, fez questão de comprar cada um dos 85 títulos expostos na feira do livro promovida pela União dos Escritores angolanos com o apoio do programa “Aiué Sábado”, no quintal da Rádio Morena Comercial, este sábado (10/9), na cidade de Benguela.


Os livros são para a biblioteca em fase final de construção naquela escola. “Tem que ser uma referência de biblioteca da literatura angolana”, referiu o Ir. Maximo Herrera, missionário argentino, quando investia os 87 mil kwanzas nos livros. “O nosso papel é aproximar os artistas e público, neste caso, levamos os artistas à comunidade, através de seus livros”, acrescentou.

Ir. Maximo Herrera e Gociante Patissa
Aberto há dez anos no Bairro dos Navegantes, zona B, que compreende os subúrbios a sul da Vala do Coringe, o Centro Don Bosco tem actualmente cursos de informática, autocad, alfabetização, educação física, sala de vídeo e mecânica.

Gociante Patissa 
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Rádio Morena e UEA aproximam público aos livros


85 títulos de autores angolanos foram disponibilizados, hoje (10/9), para consulta e comercialização no quintal da Rádio Morena Comercial, na cidade de Benguela, uma iniciativa da União dos Escritores Angolanos (UEA) com o apoio da Rádio Morena Comercial (RMC).

M. Macedo e DJ Ângelo
Os custos variaram entre os 300 e 4 mil kwanzas. Nos estilos poesia, romance, ensaio e contos, esta última categoria abarcando também literatura infantil, todos os livros têm chancela da UEA na condição de editora.



A feira elevou o programa “Aiué Sábado”, conduzido por Machado de Macedo, na sequência da mesa redonda da semana anterior, que se debruçou sobre o estado da literatura em Angola. Entre críticas e sugestões, havia ficado a promessa de facilitar o acesso aos livros, através da montagem de uma banca com pelo menos 500 exemplares.

P. Russa e candidatas a Miss Benguela 2011
Encabeçado pela escritora Paula Russa, o Núcleo Provincial de Benguela da UEA integra ainda dois outros membros, os escritores ArJaGo e Gociante Patissa.

Angodebates.
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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Opinião: África não tem que negar-se a si em nome do cristianismo


O presente texto surge a propósito de uma reportagem de Gabriel Veloso (Rádio Luanda, 01/09/11) sobre nomes e alcunhas. A peça analisou as implicações sociais da identidade do indivíduo, a partir da semiótica. Falaram um cristão, um sociólogo e um jurista. São de elogiar trabalhos jornalísticos do género, e mal não fariam em incluir um antropólogo.

Uns de raiz tradicional, outros baseados em adjectivos e mitos. Assim é o vasto mosaico de nomes, num país com 17 milhões de habitantes (70% cristãos), e pelo menos oito grupos etnolinguísticos de matriz Bantu, sem esquecer os Khoisan, pré Bantu, e os de origem ocidental.

O cristão recomendou para a escolha de nomes positivos, pois estes podem determinar o carácter, a personalidade e o futuro. Para impor a fórmula, socorreu-se da bíblia, onde a figura de Jacob acaba sendo enganadora, conforme o significado do nome. Falou até em genética, ilustrando que se dermos à criança nome de um familiar que tenha sido bruxo ou feiticeiro, o será de certeza. O «Azarado» tem uma vida de azares. Os que se chamam Mãezinha ou Paizinho sentir-se-ão inferiores para o resto da vida, asseverou.

O sociólogo estabeleceu uma relação de «causa - efeito» mais no sentido da chacota de que o nome pode ser alvo, levando como tal o indivíduo a sentir-se pouco à vontade no seu meio. Por sua vez o jurista disse não haver impedimentos quanto ao registo de nomes tidos como caricatos, oriundos da sociedade angolana, como é óbvio, com uma ou outra excepção. O alerta do crivo recai para nomes estrangeiros.

Via de regra, na formação dos nomes oficiais vem primeiro o de baptismo (bíblico, ocidental), seguido do nome de família (ou ao menos nativo). Há, entretanto, o inverso da regra entre os bakongo, na região norte de Angola. Um interessante artigo sob o título «Os nomes ou cognóminos Kikongos» circulou em alguns portais, da autoria do auto-assumido tradicionalista, Makuta Nkondo. Também publicamos (aqui e aqui) o contributo do livro «O Meu Pai», de Avelino Sayango, na divulgação da tradição Ovimbundu.

O cristão foi de um maniqueísmo da era medieval, caracterizada por uma civilização cristã cega de etnocentrismo. Não se aceita, neste século XXI, que fazedor de opinião que se preze exale tamanha leviandade. Mesmo que não se trate de invenção sua, há que deixar claro o que é senso comum e/ou mito, e não vendê-los capciosamente como verdades acabadas.

Um historiador amigo lamentou que a “cultura” cristã siga dando pouca oportunidade à percepção da rica cultura material do povo Bakongo, onde até os instrumentos musicais (masikilo) são associados à feitiçaria. De tal sorte que a marimba e o kisanji não podem tocar num templo, lugar exclusivo do piano e guitarra.

Não haja dúvidas, um cristianismo que ignore a antropologia e seu enquadramento com a modernidade corre o risco de se desconhecer a si próprio, porque é sem memória.

Gociante Patissa, Luanda-Benguela, 01-06/09/11
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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

História de África: A figura da Rainha Nzinga realçada, mais uma vez, em Paris

Este destaque foi feito no último número da revista bilingue “Latitudes. Cahiers Lusophones”, publicação editada na capital francesa. O relevo sobre a Dupla Soberana foi efectuado graças a uma notável resenha do prolífico historiador angolano, Simao Souindoula, da obra “Njinga, Reine d’ Angola. La relation d’ Antonio Cavazzi de Montecuccolo (1687) e a reprodução, na contra-capa, do magnifico pseudo-retrato da “Queen Warrior”, realizada, em 1830, pelo desenhador do Hexágono, Achille Deveria.

 A fim de chamar a atenção dos leitores sobre a recensão da preciosa relação do capuchinho italiano e a outras contribuições, o editor da revista mencionou, na capa da revista, nomes do especialista angolano ao lado de estudiosos do mundo lusófono tais como o português Pires Laranjeira ou o moçambicano Mia Couto.
Nesta resenha, redigida em francês, o perito angolano da UNESCO põe em relevo a principal característica da crónica de Fra Giovanni, publicada, recentemente em Paris, numa versão tirada, ad litteram, do manuscrito original do confessor da “Ngola” do Ndongo (1623) e da Matamba (1630), “hand written” perdido, durante quase três séculos, e que foi reencontrado, anos atrás, na cidade italiana de Modene, na biblioteca da família Araldi.
Simao Souindoula indica as principais articulações do “manoscritti” traduzido e comentado por Xavier de Castro e Alix du Cheyron d’Abzac, os importantes documentos históricos bem elucidativos, anexados, tais como a famosa carta da “Regina Ginga” endereçada ao Governador da Colónia de Angola, Dom Luís Martins de Sousa Chicorro, as iconografias reproduzidas, os mapas inseridos, o quadro cronológico da evolução dos acontecimentos na região e as esclarecedoras notas dos editores.
O memorialista aponta as causas das reservas emitidas, as supressões decididas e o atraso registado na publicação da relação de Cavazzi, no século XVII, pela Propaganda Fide.
Ele traça um perfil intelectual e psicológico do padre italiano, que a inteligente Kiluanje de Matamba utilizou na sua luta psicológica contra a cancerosa Colónia de Angola.
Enfim, Souindoula aponta o contributo da publicação da Relação, não amputada, do capuchinho que permite de apreciar com mais dados, a personalidade da Nzinga van Matamba.

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