A
grandeza das localidades é sempre relativa. E, como é de imaginar, a cidade torna-se
excessivamente extensa quando você precisa de localizar as instituições (a pé). Fora isso, nenhum lugar continua grande
depois que o dominamos, é como se o conquistássemos da esfera da transcendência.
Assim, ainda mais pequeno do jeito que é
o Bairro da Luz, no Lobito, corro o risco de esbarrar nas pernas dela, as quais o tempo parece
não se cansar de tonificar, com ciclos de dores maternais e luxo.
Toda
essa ladainha por causa da Do Carmo, que não é nenhuma instituição de ir por aí
além. É apenas o nome, um nome daquela mulher. Não sei mesmo porque me coloco a
falar dela, de tão improvável que imagino ser para ela lembrar-se de mim,
alguma vez, algures. E porque teria de lembrar? Se calhar, por não ser normal
esquecer. Por aí.
Anda
às idas e vindas, como se Luanda e Benguela tivessem a distância de tampa e panela.
É muito o que doze anos ininterruptos podem fazer à fisionomia das pessoas, se
mulher muito mais ainda, mas nem por isso tive alguma dúvida em lhe reconhecer.
«Pode dizer-me seu nome, senhora?», dirigi-me a ela, desarmado. «É uma espécie de interrogatório?», retorquiu, refilona,
bela, dominante. Sorri. De outro modo seria outra pessoa. «Você se chama Do Carmo,
certo?» Acenou com a cabeça, como se houvesse ali menor esforço do que em dizer
a palavra «sim».
Entre
nós está o balcão. Atrás dela, uma dezena de almas aguardando pela vez. O check-in
consome metade de hora e meia. De vez em quando levanto os olhos, como que a
dizer aos que aguardam «estou para todos». E sorrio, para lá do sorriso
mecânico que se espera de um atendedor público. Por alguns instantes, é como se
possuísse a Do Carmo. Reviro quantas vezes me apetecer o BI dela para lhe ver a
idade oficial. (Daí o sorriso. Não que me dê prazer algum o lugar ou o típico
stress da actividade).
Por
falar em idade, tira-me o stress aquele sorriso malandro cada vez que me vem à
cabeça a implicância de Do Carmo. A mulher não aceita que eu tenha menos idade
que ela, algo contraditório à indiferença com que se mostra quando passa pelo
meu local de ganha-pão. Para ela, só posso ter recorrido à falsificação do BI
para escapar à tropa – expediente muito em voga durante a guerra – se lhe disse
que fomos colegas de carteira no ensino médio. É, aliás, por esta relação que me importo com ela. Por um ano, convivi com o que Do Carmo era e
a pessoa que sonhava ser. Calhava
às vezes juntar-se alguém a nós na caminhada entre o Compão e o Santa-Cruz, sob
aquele sol que leva à hora do almoço.
Morava
entre o PUNIV e o meu bairro, com isso o inevitável caminho pela rua dela, que
era a da padaria também. Ali chegados, ela convidava para entrar. E pagava. Como caía bem o pão seco! Depois, escoltava-me
até à estrada. Quando nos despedíamos, estavam ainda em serviço os maxilares. Era
assim de segunda à sexta, excepto nos feriados. Por isso é que não esqueço a Do
Carmo, por todos aqueles pães e pela companhia.
Gociante
Patissa, Aeroporto da Catumbela, Benguela, 21-22/09/2011
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