terça-feira, 30 de agosto de 2022

CONTAGEM PARA LÊ-LA, crónica de Yosefe Mwetunda

 No dia 24 de Agosto do ano corrente, Angola foi às urnas pela quinta vez. A primeira vez, histórica mas imprópria para recordar, teve lugar nos dias 29 e 30 de Setembro de 1992, tendo sido o infeliz argumento de uma narrativa marcial que consumiu incomensuráveis pessoas humanas desta jovem pátria de África e do mundo.

À luz dos parcos números disponíveis no sítio oficial da Comissão Nacional Eleitoral (adiante CNE), o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) conquistou a maior fatia do eleitorado, sagrando-se vencedor das eleições legislativas, seguido pela União Nacional para a Independência Total de Angola (doravante UNITA). Nas presidenciais, as colocações foram similares: José Eduardo dos Santos, na altura presidente do MPLA, foi feito (ou fez-se) primeiro presidente eleito de Angola, sob acirradas alegações de fraude por parte de Jonas Malheiro Savimbi, segundo colocado.

 

Os últimos quatro pleitos foram realizados com periodicidade ordinária, deveras fruto do 4 de Abril de 2002, data em que o fratricídio que sucedeu a luta pela dipanda foi sepultado pelas pás da paz no jazigo do tempo histórico.

 

Quando o discurso da reconciliação e reconstrução nacional ganhava imperatividade, coube a uma nata estimável de angolanos definir a data das eleições legislativas de 2008, nos dias 5 e 6 de Setembro, as primeiras do tempo do silêncio das armas. No que tange a essas, a CNE apurou 81,64% dos votos para o MPLA e, para o seu principal adversário político, a UNITA, 10,39%. Nesse comenos, para a infelicidade de toda a consciência que saúda a supremacia da vida humana, Savimbi já dormia o sono do qual nunca mais acordou, mas o seu rebento político voltou às alegações da fraude. Fraude em 1992, fraude em 2008.

 

Os angolanos voltaram a pintar o dedo a 31 de Agosto de 2012. Um novo quadro jurídico-legal orientava as eleições em Angola. Como efeito da publicação da Constituição da República de Angola (em frente CRA) a 5 de Fevereiro de 2010, as eleições legislativas e as presidenciais foram tornadas ingredientes do mesmo prato, ao qual o legislador constituinte chama por eleições gerais. É lei, sons gerais para o país. E não é de leis quaisquer. É da lei das leis, minhas senhoras e meus senhores. A presidente, no novo e actual paradigma, apenas se chega com a carruagem para lamentar. Para lamentar? Não, perdoem-me. Queria escrever parlamentar. Entenda-se carruagem parlamentar, portanto.

 

Voltas à parte, em 2012, o MPLA, na altura com José Eduardo dos Santos a adquirir mais uma feliz catalogação inédita, a de primeiro presidente eleito ao estilo eleições gerais, voltou a arrancar das urnas a maioria qualificada. A CNE escrutinou 71,84% para o MPLA e, mais uma vez a secundar, 18,66% para a UNITA. A estrela em brinde. Era o hat-trick. Para o Galo Negro, fraude em 1992, fraude em 2008, fraude em 2012.

 

Com todas as bitolas legislativas das eleições de 2012, com ligeiras alterações, mormente a introdução do registo eleitoral oficioso, foram realizadas, no dia 23 de Agosto de 2017, as segundas eleições gerais, as quartas nas contas holísticas. No marcador, os craques de sempre e os carneiros, também, de sempre. O MPLA, com o seu novo rosto, João Manuel Gonçalves Lourenço, cortou a meta com 61,08%. A UNITA, com Isaías Samacuva à cabeça pela terceira vez, incluindo as legislativas de 2008, içou 26,68%, trazendo à tona, para recusar o póquer do adversário, a narrativa da fraude. Fraude em 1992, fraude em 2008, fraude em 2012, fraude em 2017.

 

Hoje, 29 de Agosto de 2022, com a publicação dos resultados definitivos das eleições gerais de 24 de Agosto, sob a batuta da CNE, o MPLA sobe ao presidium pela quinta vez consecutiva, sagrando-se, como se diz nas lides desportivas, penta campeão, com 51,17% (124 deputados), apesar de, admita-se a conclusão, ter perdido, para o tradicional adversário que no todo granjeou 43,95% (90 deputados), o petróleo de Cabinda, do Zaire e de Luanda.

 

Mais uma vez, à tese das eleições livres, transparentes e justas, engendra-se a antítese da fraude, parida muito antes do anúncio dos resultados definitivos. Fraude em 1992, fraude em 2008, fraude em 2012, fraude em 2017, fraude em 2022, vaticina a UNITA do tão discursado Adalberto Costa Júnior, motorista do GIP, tendo Abel Chivukuvuku como pendura.

 

Nas ruas, há gente a partir a cabeça. Somam as visualizações de fotografias e vídeos de pessoas trajadas com as cores do partido vencedor a sofrer violência nas ruas. Reprova- se, reprove-se com veemência. Há gente que julga que se ACJ falou, logo é verdade: o MPLA não ganhou as eleições. A liberdade de consciência permite que se duvide das decisões da CNE e de todos outros actores do drama eleito oral.

 

Nas ruas, até quem não sabe quanto dá dois mais dois, para não falar da conversão de votos em assentos parlamentares, expele dos pulmões o ar suficiente para dizer que o pleito foi justo ou fraudulento. Convenhamos, a UNITA não é portadora de ingenuidade, ao ponto de repisar o fumo sem que alguém tenha acendido fogo. Fraude vezes cinco, a ser mesmo fraude, é igual a desespero mesmo.

Nos próximos dias, é provável que o dossier venha passar das mãos de Manuel da Silva para as de Laurinda Cardoso. Atentos aos entes que ambos dirigem, diríamos passar da CNE para o Tribunal Constitucional, mas da mesmice não se passará, contanto que os citados órgãos, sob o olhar cúmplice da CRA e da lei, são propensos a desequilibrar a balança a favor do partido com a maior galeria presidencial. Mas, enquanto a tal UNITA que alega fraude ainda esboça a sua contagem paralela, eis-me aqui, junto de todos os amantes desta Angola, a olhar para a CNE que espera a contagem para lê-la. Para lê-la, somente e ponto.

 

Luanda, 29.08.22.XXI.18.00

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José Guilherme João Muetunda nasceu em Julho de 1991, no município de Mavinga, província do Cuando Cubango, Angola. Licenciado em Direito pela Universidade Metodista de Angola, adoptará, quando for escritor, o pseudónimo Yosefe Mwetunda. Autor de poucos textos (mais poemas e crónicas) publicados, o aludido pode ser lido na extinta revista Luzeiro Gospel, onde assinou, só para citar, o poema Evangelho da Graça. Na viva Palavra&Arte (virtual), Mwetunda tem, entre outros, o continho “sexo da bênção”. Tem ainda textos no extinto jornal Nova Gazeta, rubrica poema do leitor e no blogue Angola, Debates e Ideias (www.angodebates.blogspot.com) e em Palavras são tantas: colectânea de poemas e crónicas de jovens autores angolanos, sob a chancela das editoras Perfil Criativo (Portugal) e Alende Eleições (Angola), com a organização do escritor Gociante Patissa.

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