quarta-feira, 28 de julho de 2021

Umbundu & Português: uma pedagogia preventiva

Quando ao cabo de dois anos de varredura em livrarias sua excelência eu se dá encontro com a segunda oportunidade de "caular" um book. Já canta desde ontem no acervo, não obstante o furo ao bolso

😂O primeiro ofereci-o a um kamba
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sexta-feira, 23 de julho de 2021

DIÁLOGO NA COPA, UMA GRELHANDO O PEIXE E A OUTRA ARRUMANDO A LOIÇA


“A fulana queria [entenda-se devia] já pedir repouso.”

“Mas a barriga dela é assim grande porquê, parece é primeiro filho?”
“Aquilo é balão mágico!” (risos)
“Ó coisa, aquilo… Mas culpado é o marido dela.”
“É porque Deus opera milagre, um dia mesmo queria [entenda-se podia] nascer [entenda-se dar à luz] no serviço.”
“Essa coisa de escolher filho de papai e mamãe, ó coisa, eu não gosto. Homem tem que ser batalhador. Ou sai, ou quê, inventa qualquer coisa. Agora, que só fica em casa, eu não aturo.”
“Mas ele tem quantos anos?”
“28 anos, acho, o moço.”
“Será que é muito bonito? Assim não é escravizar a outra? Os bonitos é que têm essa mania. Uma gaja se mata a trabalhar sozinha, ele acorda bem tarde. Quer dizer, é escrava mesmo.”
“Eu então, o fulano também não trabalhava quando namorei com ele. Eu lhe disse assim: ó coiso, você já não trabalha, não me dás nada, ainda se comporta mais mal?! É mesmo pela tua beleza que vou sofrer? Lhe deixei mesmo assim nas calmas.”
“Mas o marido dela, isso mesmo assim é normal? 28 anos, só fica em casa?”
“O fulano ainda falou com ele que aí tem salo. O salário é vinte e cinco mil, mas tem “bizno” [business], a pessoa não volta p’ra casa de mãos a abanar. Ele já… nada!”
“Também homem assim, você vai-lhe dar mais segundo filho? Assim ela vai nascer, vão ficar mesmo só a se olhar?”
“Vais ir ver já quando o bebé nascer. Não há falar que Benguela é longe, vamos ir mesmo o grupo dos colegas para ver.”
Kero do Lobito, Santa Cruz, 22 Julho 2013
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sexta-feira, 16 de julho de 2021

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Editorial | AGORA É TRIMESTRAL

 


Pensar que chegamos à quarta edição da Gazeta Lavra & Oficina nesta sua 3.ª temporada é reviver o conto em torno de  Kandumbu,  uma  figura  do  interior  rural  de Benguela que derivaria da aglutinação do pref ixo “ka” (diminutivo) e “ndumbu” (leão), ou seja Leãozinho, conforme a narração vívida do tio Henrique Avindo Manuel (já falecido) que vinha dos fundos da Ganda. 

Corriam tempos de seca, de carência e de pirão sem conduto. Verduras com sabor de bílis, ratos fugindo às  armadilhas  como coelhos ao caçador. Caças nem por milagre! Nessa conjuntura campestre, surge um certo dia que coloca Kandumbu no caminho de uma família com abastança ou ao menos em ambiente festivo. Ressoavam os batuques em tons preparativos para a noite que  seria  inesquecível,  mulheres  cuidavam  dos comeres e beberes e da ninhada. Sempre, né?

 

 Naquele preciso momento, coincidira que uma cabeça de gado bovino começasse a ser talhada. Quem dera a Kandumbu poder desenferrujar os maxilares, daria o pulmão por um naquinho! Mas lá se conteve, até ver, não é? Bem desviava o olhar. Era deselegante mendigar e, segundo os costumes da sua etnia, “o que é alheio disse ‘olha-me’; não disse ‘me comenta’”. Provérbio, se não conduz, condena. Mais alto porém falou o estado de necessidade. E era aí que começava o dilema. Pedir o quê se a anatomia do animal encerrava em si uma simbologia quanto ao valor das suas peças e o mérito do seu consumo? Além do mais, não conhecendo os convivas, menos ainda a quantidade daqueles, para daí inferir se havia carne que chegasse para todos, valia a pena?

 

Depois de muito se debater, Kandumbu saudou, no que foi muito bem correspondido. De seguida, desculpando-se pela invasão requisitou, humilde, um pouquinho para saciar a fome, ao menos os testículos do boi, faz favor. E de pronto foi atendido. Foi então que, arrependido, pôs a mão na cabeça. Oh, eles afinal nem eram avarentos! Que burro fui, que não pedi uma peça mais valiosa, um bife, um coração?! Era só questão de tentar, a audácia faria toda a diferença. 

 

Diferente de Kandumbu fez a União dos Escritores Angolanos que (embora desprovida de orçamento para a impressão ou recrutar uma equipa editorial que  se dedicasse  a tempo integral)  teve  a  audácia  de  retomar  a  Gazeta, duas décadas após a hibernação do seu veículo convencional de literatura, artes e ideias, pelas mesmas razões. O período experimental de  quatro  edições,  iniciado  em  Setembro  de 2020 no formato digital apenas, permitiu-nos diagnosticar as nossas limitações, aplaudir as colaborações e solidificar a certeza de que o projecto era para ontem. Com o fim do período experimental, a Gazeta passa a sair trimestralmente a partir do próximo número.

 

E  na  dinâmica  de  contar  apenas  com  a  prata  da casa (UEA), face à dialéctica de conciliar a missão Gazeta com outros deveres profissionais, não estranhe, pois, o caro leitor que determinadas  secções  a  dado  momento  sejam  assinadas por outros rostos. É o que poderá ocorrer com a secção do editor-chefe, que vinha sendo regularmente assumida pelo membro Gociante Patissa. A propósito aproveitamos para exprimir o vivo reconhecimento a todos e todas (membros e não membros) que vêm enriquecendo a Gazeta ao longo das suas quatro décadas de vida!


Na presente edição, dedicada ao tema  Letras & Liberdade, honramos a promessa de trazer textos que não couberam na edição passada, dedicada ao  Espaço da Mulher na Literatura Angolana. 

  

Até Outubro!

 

Gociante Patissa

Jornalista/Escritor/Linguista (gociante.patissa2@gmail.com)

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A ser ser assinado o Acordo de Mobilidade na cimeira de chefes de Estado/Governo em Luanda nos dias 16-17 Julho, a CPLP deixa de ser peso morto na vida dos povos☑️. Esperemos que ganhe com a livre circulação de cidadãos da comunidade a circulação do livro também

e nos leiamos com olhos equilibrados . As comunidades e as cooperações entendo que só fazem sentido se o seu impacto transcende o simbolismo da diplomacia. Não fazia sentido nenhum ficarmos tão atrás de comunidades como a Common Wealth ou a francófona, que têm programas diversos virados para o desenvolvimento e formação.

Imagem: correio de kianda

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terça-feira, 13 de julho de 2021

A NUCA É O GUME DA LEI (poema inédito, esperando que os doutores do plágio estejam de férias na redes sociais, claro)

A NUCA É O GUME DA LEI (poema inédito, esperando que os doutores do plágio estejam de férias nas redes sociais, claro)


Saúdo-te, minha mãe
como o grilo ao orvalho
em Julho
daqui onde cantamos
o cântico trémulo de guerra
Sem quartel
alô! Tá tudo?

Teu chamado é sugestivo
Ofereço-te as insónias do mundo
não te escolhi ontem
pior hoje o itinerário
Se/quando chamas
eis que me faço à tua presença
Na esperança de que bem estejas
aliás não espero
fio-me mesmo
Sabedoria és tu

por cá é por um fio
fio dourado
Ao pescoço
com o latente espectro
Do nó
a nuca é o gume da lei
invejo-te o lugar da parábola
de onde nos visitas
panorâmica
Luanda também é uma maravilha, minhã mãe
como roupa colorida no estendal
sempre ao avesso

Agora que te consolidas
na república do enigma
trilhos em plumas sonhados a vida inteira
recolho-me à minha insignificância
Chamar-me-á o mundo de poliglota
mas é porque não domina
que nada domino
do teu idioma
o enigma que te define e descreve agora

por isso te peço, minha mãe
Sê directa
juntaste a ninhada
a reivindicar chamadas perdidas
da nossa parte
para contigo
quando até sem telefone saíste
Conheço-te o valor da palavra
se dizes que ligaste, ligaste
Penitencio-me pela incúria
Mas se demais não peço
eis-me a indagar, alô, minha mãe!
Era para dizer o quê?
Pela tua ninhada
Sê directa, minha mãe
Bênção, mamã

Gociante Patissa, 13 Julho 2021 | www.angodebates.blogspot.com
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segunda-feira, 12 de julho de 2021

DAS BREVES IMPRESSÕES - Resenha de Cristina Galhardo Amado ao livro Fátussengóla, o homem do rádio que espalhava dúvidas, de Gociante Patissa

Neste livro, o autor, Gociante Patissa, traz-nos catorze textos, apresentados na contracapa como sendo “contos”. Esta tipologia está, sem dúvida, presente em alguns textos, embora vários destes se enquadrem muito mais no sub-género crónica literária. É neste último, sobremaneira, que se notam pontadas de linguagem que se aproxima da jornalística, em apontamentos que auxiliam o leitor (se desnecessariamente ou não, cabe a vós também julgar) a se situar.

Em parte significativa dos textos, o tal “auxílio” ao leitor cede lugar ao enigmático, ao que fica pairando no ar, que vai além da eventual falta de habilidade do leitor, nomeadamente por não dominar a semiótica que permite interpretar não somente literatura, mas tudo na vida. Talvez seja a influência sugerida pelo próprio autor (narrador também, no presente exemplo) no texto “Velho Batalha e a Bicicleta que Não Sabia Correr”, dessa cultura em cuja linguagem “quase tudo é por atalhos, servido na bandeja da metáfora, do fragmentado, da inferência” (p.91). O autor transporta, desta forma, para seus textos essa característica das máximas Umbundu, que têm por norma não oferecer interpretação imediata, fácil ou única ao interlocutor.
No âmbito das que, para mim, se aproximam mais de crónicas, destaco, pelo impacto emocional, “Sapalo e a Avenida do Quase”. Sapalo personifica os tantos que, quem como eu caminha, encontramos nas ruas, perdidos em suas deambulações, nas avenidas “do quase, do sonho por rápidas melhoras, da dor” (p. 84). Em certos momentos, no seguimento do que foi dito acerca do pendor enigmático da narrativa, é endereçado ao leitor um claro convite à interpretação, como sucede particularmente n’”O Calendário da Viúva”, em que o agente se debate com o que classifica como conversa desconexa de Taluquinha, curiosa personagem. Como sugeriu António Lobo Antunes, quem somos nós para dizer que outros são loucos?
Ainda numa tipologia similar, “A Estrela que Não Voltei a Ter” é particularmente tocante, mesclando a crueza não restrita à vida humana e a poesia de quem não esquece o que nos foi arrancado da e na meninice.
Quanto aos que considero contos propriamente ditos, os convites às reflexões e conclusões do leitor estão bem presentes, iniciando logo com o texto que abre o conjunto, o belo “A Minha Mãe é Hortelã”. O conto que dá nome ao livro traz-nos uma personagem que, pela extensão e complexidade de caracterização, parece pedir (logo ele, que também foi biografista) uma narrativa mais extensa.
O último texto, “A Árvore que Dava Leite”, me parece algo desgarrado do conjunto. Sendo um conto de pendor tradicional (como ocorre com “No Reino dos Rascunhos”), é narrado de forma completamente distinta dos anteriores, em que é notória a presença e interferência do narrador, que nos interpela, nos interroga e partilha suas impressões.
O livro, editado pela GRECIMA, pode ser encontrado no Kero. Boa leitura!
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A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

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