SERVIÇAIS DO PARQUE
Na primeira
das horas
do patrão
vai morta
a manhã
do poeta
A saliva
corta
o vidro
Já não sigo
o curso dos lábios
tão curtos
como os pés
e os anos
Sei de cor o pregão
como o bocejar
com que se coze o jejum
da segunda classe
onde o pó cai
e vai
antes da chuva
e do avião
Toques atrevidos
antecipam-se
no lugar da saudação
oh
e na mão
o vapor do trapo
entorpecido
que roça o veículo
e a ponta do nariz
“Vou limpar, patrão?”
Gociante Patissa, pág. 33. in «Almas de Porcelana» (poesia reunida). Editora Penalux. São Paulo, Brasil, 2016.
Na primeira
das horas
do patrão
vai morta
a manhã
do poeta
A saliva
corta
o vidro
Já não sigo
o curso dos lábios
tão curtos
como os pés
e os anos
Sei de cor o pregão
como o bocejar
com que se coze o jejum
da segunda classe
onde o pó cai
e vai
antes da chuva
e do avião
Toques atrevidos
antecipam-se
no lugar da saudação
oh
e na mão
o vapor do trapo
entorpecido
que roça o veículo
e a ponta do nariz
“Vou limpar, patrão?”
Gociante Patissa, pág. 33. in «Almas de Porcelana» (poesia reunida). Editora Penalux. São Paulo, Brasil, 2016.
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PREGUIÇA DA CABAÇA
O deserto tem sua pressa
parece que passa
parece que pára
O céu vai sem gotas
há muito
a vegetação
absorta escapa
bebendo dos meus olhos
e o deserto
parece que passa
parece que pára
brincando aos tempos
Mas tinha já que passar
não sobra muito mais
na cabaça
das lágrimas
Gociante Patissa. In «Guardanapo de Papel», 2014. NósSomos, Lda. Vila Nova de Cerveira, Portugal.
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RASTOS NA LINHA DO FAROL
Reincidente olhar inquieta-se
à volta do pingo de luz
aquele tímido ponto veludo
quando o céu todo é negra nuvem.
à volta do pingo de luz
aquele tímido ponto veludo
quando o céu todo é negra nuvem.
Aquela luz
para lá do mar
útero da mesma aragem
que outras velas vai apagar
ainda há-de ser minha
antes que caia do céu a manhã e o fim do cenário
ou façam-me tudo então
menos perdoar.
útero da mesma aragem
que outras velas vai apagar
ainda há-de ser minha
antes que caia do céu a manhã e o fim do cenário
ou façam-me tudo então
menos perdoar.
Gociante Patissa, in «Guardanapo de Papel», 2014, pág. 12. NósSomos. Vila Nova de Cerveira, Portugal
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TRÍADE DO TEMPO DA PEDRA E ADA OBRA
acelera-se a pulsação
no movimento irreversível do tempo
os fantasmas da responsabilidade cantam
ecoam as lembranças
é a despedida do repouso
De dia
o suor espalha-se
pelos poros afora
na orquestra de quem trabalha
estradas rasgam-se na curva dos seios
na nudez do arco-íris
a vida é infindável caminhada
De noite
o corpo exausto cobra pelo descanso
os olhos carregados enganam as almas
que adormecem masturbadas
Ontem foi partida
hoje é caminhada
e o amanhã uma promessa ainda
Gociante Patissa
In «Consulado do Vazio» (KAT-Consultoria e empreendimentos, LDA, Benguela, Maio 2008)
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SEM VIDA NO PÉ
… e as sentenças correram seu caminho
ao asfalto cedeu
esse campo não é o seusem vida no pé
conserva olhos de lição
milho, chuva e café
Todos os dias, todo o dia
passos escassosquase nulos
clemente
vai com as formigas dançar
pelos caminhos da obra
eis o brotar de fecundas veredas
que importa se sem vida no pé?
Gociante Patissa, pág. 9. In «Guardanapo de Papel», 2014. NósSomos. Vila Nova de Cerveira, Portugal.
RETRATO ITINERANTE
Pela vidraça
do turista
três
pescadores
dois a remar
tão certos
da partida
como não é
da canoa parar
Sungas e
peitos desnudos
picanha ou
acarajé
o suor
perdeu-se nos trapos
a chuva
inflama os graus
está visto
um pouco
mais a leste
grudadas
casas da altura da girafa
Boceja agora
o sol
no pátio da
capelinha
um pouco
abaixo do nível da favela
por lá não
se ouve Mandela
por cá a
maré promete
E some a
canoa da vista
para lá do
salvador farol
partindo as
ondas
ao compasso
das asas
do pássaro
que no cipó se acoita.
Mestre é o
mar
tácita
bênção de mulher
é de noite
que se ganha o dia
o pão e amar
na Bahia.
Salvador da
Bahia, Brasil, 6 de Dezembro de 2013
Gociante Patissa, in «Almas de Porcelana» (poesia reunida). Editora Penalux. São Paulo, Brasil, 2016.
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ALÇADO POSTERIOR DA ÁGUA
E começou
gota atrás da outra
chover
no tecto solteiro a orquestra
o asfalto a renascer
na sanzala porém é reza
para o tecto não ceder
Gociante Patissa, pág. 84. in «Almas de Porcelana» (poesia reunida). Editora Penalux. São Paulo, Brasil, 2016
gota atrás da outra
chover
no tecto solteiro a orquestra
o asfalto a renascer
na sanzala porém é reza
para o tecto não ceder
Gociante Patissa, pág. 84. in «Almas de Porcelana» (poesia reunida). Editora Penalux. São Paulo, Brasil, 2016
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REQUERIMENTO
Se
já
não
posso
pedir
que
não
cortejem
holofotes
que
encandeiam
borrachos
Peço ao menos que não me incluam.
Gociante Patissa, in «Almas de Porcelana» (poesia reunida). Editora Penalux. São Paulo, Brasil, 2016.
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Lá longe, bem longe
desfilam sonhos
pintados
sobre a tábua côncava
uma vela difusa
a mesma vontade de chegar
Do lado de cá
colhe o chão
a semente
lençol de asteriscos
oh casuarinas
o mar guarda o céu
as águas os encontros
estes a vida
Correm as horas
a mesa partida e chegada
para lá do sombreiro
amanhã é regresso
à mão deste chão
Gociante Patissa, in «Almas de Porcelana» (poesia reunida). Editora Penalux. São Paulo, Brasil, 2016.
desfilam sonhos
pintados
sobre a tábua côncava
uma vela difusa
a mesma vontade de chegar
Do lado de cá
colhe o chão
a semente
lençol de asteriscos
oh casuarinas
o mar guarda o céu
as águas os encontros
estes a vida
Correm as horas
a mesa partida e chegada
para lá do sombreiro
amanhã é regresso
à mão deste chão
Gociante Patissa, in «Almas de Porcelana» (poesia reunida). Editora Penalux. São Paulo, Brasil, 2016.
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CENÁRIOS DO
FUTURO
Pelas
artérias da cidade vão
calcorreando atrás do pão
já não surpreende o “não!”
ter sonhos é em vão
calcorreando atrás do pão
já não surpreende o “não!”
ter sonhos é em vão
A
vida é para a frente
e sempre em frente caminham
são um investimento perigoso
cenários do amanhã
de um futuro sem gozo
e sempre em frente caminham
são um investimento perigoso
cenários do amanhã
de um futuro sem gozo
Na
dor basta um “ai!”
mãos de pedinte não podem ambicionar mais
quando não se tem direito
a ter medo do relento
só deus pode ser pai
mãos de pedinte não podem ambicionar mais
quando não se tem direito
a ter medo do relento
só deus pode ser pai
São
o templo vazio
as vítimas do progresso
as lacunas do amor
preenche-as o quotidiano terror
seus azares desfilam
nos pregões dissonantes
perdidos na densidade do silêncio
as vítimas do progresso
as lacunas do amor
preenche-as o quotidiano terror
seus azares desfilam
nos pregões dissonantes
perdidos na densidade do silêncio
A
vida é para a frente
e sempre em frente caminham
são um investimento perigoso
cenários do amanhã
de um futuro sem gozo.
e sempre em frente caminham
são um investimento perigoso
cenários do amanhã
de um futuro sem gozo.
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Sou mais um
um mais apenas
entre milhares de anónimas penas
Pinto nestas linhas de poema desarmado
um marco de respeito pelas ideias
que morreram no peito
sem terem subido à boca
ou descido às mãos
ou beijado montras
Àqueles cuja imaginação e sonhos
se tornaram predilectos rivais
empresto uma certeza
com o calibre das outras e algo mais
não se fez manhã ainda
e não há obstáculo crucial
quando vai o coração aos pedais.
Gociante Patissa, in «Consulado do Vazio», 2008, KAT-Benguela, Angola
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PORQUE EXISTIMOS
São doridas por hábito as linhas que lembram o amor. Não é justo, amor, como se a flecha quebrada, a flor que secou, o pombo correio que perdeu a rota, sei lá, fossem o tudo. Teimo em cantar vigorosa poesia até sobre crateras eternas que parimos. Que seja curto ou longo, agora não importa. Maresia é que não. Para todos os efeitos, existimos." Pág. 55
In ALMAS DE PORCELANA
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ALMAS DE PORCELANA
Do forno ao desejo
simétricas
almas
capa do livro / book front page |
de porcelana
É a linha
exterior
que revela
mais que qualquer
configuração
no centro
dos azulejos
Um em si
não cabe
de quadrado
tão pequeno
Daí galgar
de costas para o chão
onde renasce
em forma de mulher
fecundos cacos de gume
e
verniz.
É a linha
exterior
que revela
mais que qualquer
configuração
no centro
dos azulejos
Um em si
não cabe
de quadrado
tão pequeno
Daí galgar
de costas para o chão
onde renasce
em forma de mulher
fecundos cacos de gume
e
verniz.
Gociante Patissa, in «Guardanapo de Papel», 2014. Pág. 28.
Nóssomos, Lda. Luanda, Angola / V. N. Cerveira, Portugal.
Ler notícias sobre o livro...
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Inventário do Camaleão
Foto de autor não identificado |
Vi
ontem
num
chão
qualquer
camaleão
Até
ser
enjeitado
tinha
a luzir
o amarelo
de quem
ao partir
não
abdicou
de si.
Gociante Patissa, in «Guardanapo de Papel», "NósSomos", Lisboa, Portugal, 2014
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DISSE A MINHA
MÃO
Disse
minha a mão que escrevêssemos
porque escrevendo
ou falaríamos como ricos
ou ouviríamos como pobres
ou vice-versa
porque escrevendo
ou falaríamos como ricos
ou ouviríamos como pobres
ou vice-versa
Disse
a minha mão que escrevêssemos
porque escrevendo
ou abrimos o poço no deserto
ou o nosso tutano partilhamos
porque escrevendo
ou abrimos o poço no deserto
ou o nosso tutano partilhamos
Disse
a minha mão que escrevêssemos
porque escrevendo advogamos
seremos o bálsamo
para milhares de vozes
de almas e ideias farejando pingos de luzes.
porque escrevendo advogamos
seremos o bálsamo
para milhares de vozes
de almas e ideias farejando pingos de luzes.
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ÁFRICA MÃE ZUNGUEIRA
Esta que se aproxima
carrega uma criança às costas
e outra no ventre
uma nuvem húmida rasga-lhe a blusa
lembrando que é hora de parar e amamentar
e lá vai ela seguindo o itinerário que a barriga traçar
gestora de um ovário condenado a não parar
porque é património social
penhora o útero na luta contra a taxa de mortalidade
Conhece bem demais a cidade
não tanto pelos monumentos
mas pela necessidade
viandante como a borboleta
fez-se fiel e histérica amante
da lei da compra e venda de porta à porta
uma lei entretanto não prevista por lei
“depender só do marido? Nunca”
mal acordou a urbe já peleja aliciando clientes
no estômago só o funji do jantar de ontem
sem tempo sequer para escovar os dentes
Lá vai mais uma dobrando a esquina
de pregão firme como a voz do tambor
humilhada aos poucos pelo sol
nos mapas de salitre da poeira que adormeceu no suor
Forte por fora muitas vezes vulnerável no íntimo
veja esta
nos olhos encarnados grita despercebida
uma mulher mal amada
nunca descoberta
rainha de etapas queimadas
ele que devia ser companheiro
é de se esconder no copo
quando os ventos são ásperos
autêntico chá em taças de champanhe
não estar disposta para mais um suor sagrado
é para ele frontal apelo à violência
habituada a levar da cara
odeia a sinceridade do espelho
Por aqui passou mais uma profissional da zunga
protagonista anónima com mil mestrados da vida
contudo não contada na segurança social
para o turista uma espécie de paisagem
rosto de uma noite que lançou a mulher
às avenidas dialécticas dos centros urbanos
no seu dever de sustentar a sociedade
a mesma que a condenará antes de amanhecer
por não participar da vida política
ou por não saber ler
nem escrever
Gociante Patissa, in «Consulado do Vazio», 2008, pág. 28. KAT-Benguela, Angola
uma mulher mal amada
nunca descoberta
rainha de etapas queimadas
ele que devia ser companheiro
é de se esconder no copo
quando os ventos são ásperos
autêntico chá em taças de champanhe
não estar disposta para mais um suor sagrado
é para ele frontal apelo à violência
habituada a levar da cara
odeia a sinceridade do espelho
Por aqui passou mais uma profissional da zunga
protagonista anónima com mil mestrados da vida
contudo não contada na segurança social
para o turista uma espécie de paisagem
rosto de uma noite que lançou a mulher
às avenidas dialécticas dos centros urbanos
no seu dever de sustentar a sociedade
a mesma que a condenará antes de amanhecer
por não participar da vida política
ou por não saber ler
nem escrever
Gociante Patissa, in «Consulado do Vazio», 2008, pág. 28. KAT-Benguela, Angola
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Ler poesia é como sentir a refrescância de uma brisa suave depois de um dia abafado.
Belas publicações!
Forte abraço!
Fabiano Silmes
Grato pela visita, caro Fabiano. Realmente a poesia é uma viagem. Forte abraço
Gociante Patissa
Uma visita rápida ao Blog...fiquei impressionado! Por cá se vê um dinossauro do artesanal trabalho com letras e palavras! Os meus parabéns!
Seria pelo menos, mais metafórico... mas contudo, é uma boa poesia. Um abraço do teu seguidor Efraim Dala Cuteta
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