Gonçalves Handyman Malha, Luanda, 04.09.2018
«Nda wanda,
kukame ondalu: vasala vayota»: se tu vais, não apagues o fogo: os que ficam
aquecem-se.
Já que se
vai falar sobre o uso de provérbios no livro de Gociante Patissa, o melhor foi
iniciar com um provérbio, em que se abre uma ponte reflexiva aos egrégios
leitores para que possam transmitir aos mais novos tudo o quanto lhes foi
ensinado.
Destarte,
baseando-se no Dicionário Electrónico de Português Houaiss (2017), entende-se
por provérbios, como frases e expressões, geralmente, curtas e de origem
popular, que sintetizam um conceito a respeito da realidade, regra social ou
moral. Tais frases ou expressões são parte da cultura popular de um determinado
povo, transmitidos de forma oral ou escrita às gerações mais jovens pelas mais
idosas. As mesmas transmitem conhecimentos comuns sobre a vida, educam,
edificam, exortam e ajudam a reflectir. Muitos desses provérbios constituem
aquilo que muitos mais velhos são hoje.
Sentados à
volta de uma fogueira ou imbondeiro, eram contados vários contos, provérbios,
anedotas, lendas e adivinhas, assim eram transmitidos os conhecimentos de forma
oral aos mais novos. Com o passar do tempo e a forte influência da
globalização, tal prática caiu em desuso, e assim a nova geração acabou por
perder o fio das nossas origens, deixando-se levar pelas origens estrangeiras.
Hoje, os jovens, com a idade compreendida entre os 15 aos 19 anos de idade,
estão tão longe daquilo que os mais velhos foram na juventude e, por
consequência, muitos têm dificuldades de assumir a sua identidade cultural.
Afirmou
Jofre Rocha, numa entrevista concedida à Lavra & Oficina, que «a
Literatura é um veículo fundamental para levar o povo a reencontrar a sua
identidade, liberto de complexos e preconceitos, valorizando as tradições mais
positivas e a cultura em geral». E a tradição oral (ainda) constitui uma das
pontes que visa permitir aos angolanos o resgate da idoneidade cultural que
cada etnia possui. Geralmente, designa-se por literatura tradicional oral
angolana o conjunto de todos os contos, lendas, fábulas, provérbios, advinhas,
poesias, narrativas criadas pela alma artística do povo angolano, e foram
transmitidas oralmente de geração a geração. A literatura tradicional oral
angolana é uma marca que rompeu as barreiras da vida e a mesma trouxe um mundo
imaginário e a realidade das culturas dos povos indígenas.
Schipper
(2011, p. 14) afirma que a função dos provérbios na literatura oral é reforçar
o argumento do autor, animar a história ou explicar alguma situação ou
comportamento.
Na baila do
livro «Fátussengóla, O Homem do Rádio Que Espalhava Dúvidas», o escritor
relaciona os provérbios com os factos sociais e o enquadramento da língua
Umbundu para melhor expor uma ideia ou enriquecer os seus contos. É um livro
composto por catorze contos, lançado no ano de 2014 sob chancela do Grecima e
apurado no concurso de originais para colecção «11 Novos Autores», no quadro da
Bolsa Ler Angola. O livro marca a literatura angolana pelo modo como o escritor
desenrola os contos e pelas marcas de angolanidade que nela podemos encontrar.
Segue-se
abaixo uma lista de provérbios em Umbundu com a respectiva tradução original da
obra em análise de Gociante Patissa.
1. «Camãnle calinga eti mbanje, ka calingile eti mopye»:
coisa alheia é para ver apenas, não para falar.
2. «Ina yukwene, ndaño onima ndopalata, ka lisoki la
wove»: mesmo que a mãe do outro brilhe como a prata, jamais substituirá a tua.
3. «Ka mwinle ongongo ka kolele»: quem não sofreu não
amadureceu.
4. «Kapiñãlã ka lisoki la mwenle»: substituto é inferior
ao dono.
5. «Ocilema vacitaisa, ka vawutola»: que o aleijado nasça
na família, não se acolhe de outrem.
6. «Ocili viso»: verdade é o que for visto.
7. «Ombwa ka yiwulila cahenlã»: cão não ladra por algo
que passou ontem.
8. «Otembo ka yilyalya camãle»: aquilo que o tempo tirar,
o tempo vai devolver.
9. «Soma wakava okuyeva kowiñi, oyongola okuyevelela
kongolo»: o Rei fartou-se de ouvir o povo, agora quer conselhos do seu próprio
joelho.
10. «U kwendi laye ka kukutila ko epunda»: não te prepara
a trouxa quem contigo não viaja.
Os
provérbios na língua vernácula trazem na sua essência três partes. A primeira
são os provérbios na língua de origem, a segunda na língua traduzida (sem
perder o sentido original) e a terceira, a moral do provérbio. Tratando-se de
uma obra literária em que o escritor traz as duas primeiras partes da essência,
questionamos o escritor, Gociante Patissa, o porquê do não enquadramento da
terceira parte.
Por outra, o
Umbundu é a língua dos Ovimbundu, grupo sociocultural que está localizado no
centro-sul do país, ou seja, no Planalto Central e nalgumas áreas adjacentes,
especialmente na faixa litoral, a Oeste do Planalto Central. Uma região que
compreende as províncias do Huambo, Bié e Benguela. Por essa razão, entendemos
o uso dos provérbios na língua Umbundu, pois é a língua da região do escritor
do livro em questão, visando valorizar e divulga-la.
Sendo o
Umbundu “…a segunda língua mais falada em Angola (a seguir ao português) com
5,9 milhões de falantes (22,96% da população)”
(https://pt.mwikipedia.org/wiki/Línguas_de_Angola), propomos um desafio ao
escritor para que também implemente nas suas futuras obras as outras línguas
regionais de Angola, como requisito de valorização e divulgação das nossas
línguas.
Outrossim,
podemos dizer que os provérbios retirados da obra «Fátussengóla, O Homem do
Rádio Que Espalhava Dúvidas» têm uma finalidade educativa e muito reflexiva
sobre a vida, e também visam incutir valores éticos e morais às novas gerações
para que sejam bons cidadãos na sociedade.
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