terça-feira, 7 de julho de 2020

Crónica | DESCULPA DIZER MAS ERA ASSIM UM SENHOR CHEIO



Ele relata as suas façanhas com invejável correcção gramatical e numa dicção bastante clara e cativante. Conhece o lugar do sujeito, do predicado e do complemento. Ah, o da pontuação e das entoações também. Articula no registo ajustado ao canal, uma linguagem cuidada, recorre o mínimo possível ao uso da gíria ou do calão. Fluiu-lhe de tal modo o raciocínio que antecipa possíveis questões do repórter. O entrevistado, jovem com alguma escolaridade, quando tem de descrever as características de um visado acima do peso, pede desculpas antes de dizer que se trata de um “senhor assim cheio”, pois a sua educação e consciência cidadã desencorajam o bullying, que como se sabe gera consequências psicológicas graves para a vítima e para a sociedade que o rodeia. O orador tem noção do alcance massivo da rádio e realmente constitui desrespeito andar a dizer que alguém é gordo, mais a mais porque ninguém escolhe possuir características socialmente alvo de adjectivos pejorativos. E continua no seu relato, sempre tratando as vítimas com respeito, o mesmo respeito que lhe faltou.. quando se meteu a protagonizar acções que motivam agora a tomada da palavra a partir de uma esquadra policial. O sujeito é assassino confesso de mototaxistas (kupapatas), pelo menos mais de quatro, os quais o delinquente abordava na condição de cliente e a meio da corrida, às vezes com comparsas, às vezes a solo, partia para o assalto à facada durante. Foram vários meses neste modus operandi na periferia de Benguela, como bem cuidou de narrar pormenorizadamente com pitada de crueldade e malvadez cada episódio, do qual o artista levou sempre de vencida cada incusão. Usamos sempre uma faca média de cabo preto, complementa o suspeito. As motos, de marca Delop, eram vendidas a um receptador que desembolsava 100 mil kwanzas e prosperava neste lucro regado com sangue e lágrimas de familiares e demais pessoas de bem no litoral da província de Benguela, que não pode ficar indiferente a todo este quadro de instabilidade. Do lado castrense, chega na voz do Comandante Municipal, Filipe Caxota, a negação de uma polícia falida no quesito de pôr cobro à situação. Chama à liça o fracasso dos sistemas informais de segurança pública, que têm como principal actor a família. A frequência da reportagem é 92.9 FM, Rádio Benguela, pouco antes das 12h. Amanhã é reposição.

www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Benguela 07 Julho 2020 (imagem ilustrativa, in site americanas)
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