Bem,
eis-me aqui, senhor; sentado sobre uma majestosa rocha, na selva, ouvindo o
choro dos pássaros.
Aqui
é no Município do Bocoio, uma região onde abundam montanhas. Eu gosto de
montanhas e já satisfiz os meus desejos selvagens de escalar montes. Como eu
gosto literalmente desse género de coisas! Como eu adoro a Mãe Natureza e todos
os seus componentes originais.
Agora
o capim está cheio de olume ou orvalho; é consequência da chuva
e do nevoeiro que se abateram ontem à noite. Uma brisa branda vem de todos os
lados transmitindo-me segredos muito profundos da terra. Os pássaros assobiam,
indiferentes ou muito atentos, suas canções embaladoras, na linguagem natural
que o criador lhes conferiu. Se nós, seres humanos, não tivéssemos, por orgulho
e soberba, destruído as linguagens com que fomos talhados pela mãe natureza,
talvez hoje nada fosse insondável e não houvesse mistério. Talvez
permanecêssemos com os olhos perspicazes e mágicos doutrora. Se assim fosse não
haveria brecha para as igrejas e para quaisquer convenções sociais. Sem
mistério nada faz sentido, tudo torna-se demais claro. Porquê estudar quando
tudo é evidente?, quando podemos detetar a olho nu
um cancro e uma mentira?
Eu
estou no Bocoio, terra de um amigo chamado ou rotulado (eu acho que os nomes
são os primeiros rótulos que nos são impostos pelos nossos pais quando estes
querem afirmar o seu grande poder de procriação) Gociante Patissa (se possuísse
uma daguerre talvez fizesse agora uma bela foto do panorama, mas estou
totalmente desprovido de tudo o que brilha e reluz e que seja artificial, vou
vagueando que nem o pior selvagem da natureza: não sei quem é, se é o homem ou
um kamasindi, por exemplo). Ainda não alcancei nem o centro da cidade nem o famoso
Monte-Belo. Fiquei encalhado alhures nas imediações dos Dois Pilares. É para
manter o mistério da natureza que não revelo exatamente onde me encontro. Mas
existem aqueles para quem a natureza se dignou em manifestar todos os seus
segredos; para estes torna-se inútil armar-se em parvo e esconder coisas. O
olho misterioso da montanha só é comparável aos olhos perfurantes de um
gato-bravo. E eu sei que nesse momento, enquanto contemplo perdidamente a rica
vegetação que me rodeia, sentado sobre uma rocha, a natureza retribui o gesto
observando-me, mas sem que por isso eu não passe de um insignificante ao
Grande-Olho que tudo vê.
Pronto,
vou-me deitar de barriga para o ar, sobre a rocha nua, vou fechar os olhos e
entregar a alma aos cuidados do todo-poderoso. É possível que tudo venha a
tornar-se claro como águas de uma nascente. Talvez destrua as convenções e
descubra todos os segredos da natureza.
Bom
dia!
O
calendário “Anno Domini” diz-me que são oito horas do dia vinte de Dezembro de
2015. Em breve será Natal e eu sei que os negros também vão festejar o
nascimento do Senhor Jesus Cristo, dizem-me frequentemente que é ele o Nosso
Senhor!
P.S.
– E no outro dia, com o Patissa, juntos escalamos
a majestosa rocha do Atuki, na Ganda; um exercício que ao outro custou muito suor
(eu já estava treinado!).
Banny
de Castro.-
(*)
Oiço o trinado das aves (na língua umbundu)
SOBRE O AUTOR
Banny de Castro nasceu aos 22 de Setembro de 1988.
Natural da Ganda – Benguela; atualmente reside em Benguela. Publicou: “Quando
tudo parece breu, esvanecem-se as esperanças” - Romance, pela Chiado Editora,
PT, (2012); “Trilogia Negra” – Prosa, pela Celeiro de Escritores, BR (2014-2015);
“Ulika”? - Romance, pela Chela Editora, AO (Abril de 2018); e “O Medo das
bruxas, reflexões sobre feitiçaria em Angola” - Ensaio, pela Chiado Books, PT
(Julho de 2018).
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