quinta-feira, 22 de novembro de 2018

[Oficina literária 18] UMA MORTE REVELADORA – conto de Kelson Kaputo


Era um dia quente, eu vi, eu estava lá. Estava a ser um óbito normal com rituais normais, familiares e amigos dos familiares, todos presentes naquele lugar para sentir a grande perda causada pelo pequeno Deonácio, ou Déo, como era tratado em casa como diminutivo. Eu até pensava que era diminuto de Tadeu ou Amadeu mas não, era de facto diminutivo desse nome tão lindo dado pelo pai, pai pelo menos no bilhete, porque para a ciência pai já não é só aquele que põe lá a semente mas também aquele que cumpre todo papel. De contrário eles dizem progenitores. Mas não vou cá me explicar muito para não perder o foco, até porque  não estou a  responder em tribunal.

A verdade é que o pequenino, que Deus o tenha, tinha uma paternidade duvidosa, o mano Ricardo, coitado, tinha a fama de não bumbar, era mbaco. Ficou muito arrasado quando o tratador lhe disse as mais duras verdades, mas o bom homem não viu o fim do seu mundo naquelas palavras. Por sorte ou azar, depois de se ter casado com Magda (que certamente é a mãe do menino), eles mudaram-se para um outro bairro numa casa alugada na expectativa de escapar das maledicências dos familiares intrometidos. Com muita tranquilidade fugiram para um bairro calmo e muito amigável, onde Magda viria a encontrar o ex-namorado numa casa vizinha.

Eu não sei dizer se era nas caladas das noites em que Ricardo ia exercer as suas actividades laborais prestando os serviços nocturnos, os tais chamados piquetes, lá na esquadra de polícia, que Magda abria as portas de casa para o Marcos, o ex-namorado, mas não demorou muito para a pobre mulher dar aquela notícia.
– Ricardo, estou grávida.
– Gravida! – Exclamou o homem quase se engasgando com a colherada de chocapique que ele tinha a descer pela garganta. Coitado.

Não havia dúvidas de que Ricardo era chifrado. Ele não podia direccionar nenhum discurso de descontentamento porque já pressentia a resposta, “pelo menos vamos mostrar um filho”. Ambos concordaram em assumir todo o esquema na maior discrição, até reuniram-se com Marcos e assinaram todos os acordos de paz.  É a partir desse conflito que Deonácio apareceu, a sua passagem pelo mundo foi muito curta, mas foi uma maravilha tê-lo a abrilhantar a vida do casal lá dentro de casa. Mas agora o rapazolas ja desfruta da companhia do Criador e isto era tranquilizante. O que era perturbante, eram as cenas que aconteciam naquele óbito. Ricardo e Mágda e seus familiares até que podiam chorar, mas o aparecimento de Marcos e sua irmã e seus familiares no local é que dava ao óbito o clima de suspense.   

Mas o clímax do conflito foi na hora do enterro. Lá no cemitério Marcos não se continha e chorava amargamente, o que levou o Pai de Ricardo intervir logo depois do elogio fúnebre, e isso levou a tia de Marcos levantar-se e explicar os sentimentos de causa. Uma plenária fora convocada para apuramentos de factos, e foi daí que todos souberam da triste cena protagonizada em volta de um menino inocente.

Kelson Kaputo

SOBRE O AUTOR

António Quelson Kaputo, residente em Benguela desde 17 de Agosto de 1997, de 21 anos de idade, tem como profissão as actividades ligadas à área da comunicação social (propriamente comunicação e imagem). É Formando na Universidade Katyavala Bwila. no curso de Licenciatura em Linguística/Inglês, ama a literatura e alimenta um sonho veemente de ser professor, escritor, interprete e empreendedor. É um homem determinado que acredita no amor e no poder pessoal, e conhece de perto o que é ser um jovem da periferia.
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