Era um dia
quente, eu vi, eu estava lá. Estava a ser um óbito normal com rituais normais,
familiares e amigos dos familiares, todos
presentes naquele lugar para sentir a grande perda causada pelo pequeno
Deonácio, ou Déo, como era tratado em casa como diminutivo. Eu até pensava que
era diminuto de Tadeu ou Amadeu mas não, era de facto diminutivo desse nome tão
lindo dado pelo pai, pai pelo menos no bilhete, porque para a ciência pai já
não é só aquele que põe lá a semente mas também aquele
que cumpre todo papel. De
contrário eles dizem progenitores. Mas não vou cá me explicar muito para não
perder o foco, até porque não estou
a responder em tribunal.
A verdade é que
o pequenino, que Deus o tenha, tinha uma paternidade duvidosa, o mano Ricardo,
coitado, tinha a fama de não bumbar, era mbaco. Ficou muito arrasado quando o
tratador lhe disse as mais duras verdades, mas o
bom homem não viu o fim do seu mundo naquelas palavras. Por sorte ou azar,
depois de se ter casado com Magda (que certamente é a mãe do menino), eles
mudaram-se para um outro bairro numa casa alugada na expectativa de escapar das maledicências dos familiares intrometidos.
Com muita tranquilidade fugiram para um bairro calmo e muito amigável, onde Magda viria a encontrar o ex-namorado numa
casa vizinha.
Eu não sei dizer
se era nas caladas das noites em que Ricardo ia exercer as suas actividades
laborais prestando os serviços nocturnos, os
tais chamados piquetes, lá na esquadra de
polícia, que Magda abria as portas de casa para o
Marcos, o ex-namorado, mas não demorou muito para a pobre mulher dar aquela
notícia.
– Ricardo, estou
grávida.
– Gravida! –
Exclamou o homem quase se engasgando com a colherada
de chocapique que ele tinha a descer pela
garganta. Coitado.
Não havia
dúvidas de que Ricardo era chifrado. Ele não podia direccionar nenhum discurso
de descontentamento porque já pressentia a
resposta, “pelo menos vamos mostrar um filho”. Ambos concordaram em assumir todo o esquema na
maior discrição, até reuniram-se com Marcos e assinaram todos os acordos de
paz. É a partir desse conflito que
Deonácio apareceu, a sua passagem pelo mundo foi muito curta, mas foi uma
maravilha tê-lo a abrilhantar a vida do casal lá
dentro de casa. Mas agora o rapazolas ja desfruta da companhia do Criador e
isto era tranquilizante. O que era perturbante, eram as cenas que aconteciam
naquele óbito. Ricardo e Mágda e seus familiares até que podiam chorar, mas o
aparecimento de Marcos e sua irmã e seus familiares
no local é que dava ao óbito o clima de suspense.
Mas o clímax do
conflito foi na hora do enterro. Lá no cemitério Marcos não se continha e
chorava amargamente, o que levou o Pai de
Ricardo intervir logo depois do elogio fúnebre, e isso levou a tia de Marcos
levantar-se e explicar os sentimentos de causa. Uma plenária fora convocada para
apuramentos de factos, e foi daí que todos
souberam da triste cena protagonizada em volta de um menino inocente.
Kelson Kaputo
SOBRE O AUTOR
António Quelson Kaputo, residente em Benguela
desde 17 de Agosto de 1997, de 21 anos de idade, tem como profissão as
actividades ligadas à área da comunicação social (propriamente comunicação e
imagem). É Formando na Universidade Katyavala Bwila. no curso de Licenciatura
em Linguística/Inglês, ama a literatura e alimenta um sonho veemente de ser
professor, escritor, interprete e empreendedor. É um homem determinado que
acredita no amor e no poder pessoal, e conhece de perto o que é ser um jovem da
periferia.
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