terça-feira, 13 de novembro de 2018

[Oficina literária 7] O ARREPENDIMENTO DE KALUNDU – conto de Júlio Teixeira


Kalundu, mais conhecido por KT, tinha vinte e três anos de idade. Proveniente de Luanda – onde perdeu os pais –, morava com a avó em Benguela, no Bairro da Kamunda. Era negro como o breu, alto e forte como uma torre; valente como um tigre, com garras de leão. O mais famoso e temido daquela zona, pois tinha o costume de ofender e bater os demais colegas de idade, e roubar as namoradas alheias.

Certo dia, numa manhã de sábado – do mês em que o segundo dia nos lembra que todos somos iguais e brevemente morreremos –, um grupo de rapazes alegremente encontrava-se no Buraco da Câmara – um dos estádios de referência provincial – a saborear o desporto-rei. Tudo ia calmamente até a chegada de Kalundu. Este provocou um rapaz chamado Tony. Tirou-lhe seiscentos kwanzas e as chuteiras que enfeitavam os pés.

O total de imagens e semelhanças vivas que visualizava o triste episódio agitava para que os jovens lutassem, gritando: bilo, bilo! Todavia, Tony simplesmente pedia de volta os seus pertences, e o tigre não aceitava. A cena parecia um filme: Kalundu socou a cara do rapaz e pontapeou-o brutalmente na barriga. Mesmo assim, o batido não quis lutar. Parecia que ouvia anjos dizendo: não lutes!, e demónios dizendo: luta, pá! vais ganhar. Mas como a dor era tanta (e doía mesmo), aceitou aceitar a luta: os dois jovens lutaram. Kalundu saiu a ganhar, afinal de contas treinava artes marciais (judô e capoeira).

Depois de uma semana e meia, Tony – baixo, magro, educado, filho de policial – passava o tempo num salão de jogos, jogando o seu jogo predilecto: San Andreas. De repente, seu inimigo apareceu e, como de costume, obrigou-lhe a pagar jogo para si. Porém, Tony não pagou. Não tinha mais dinheiro. Kalundu, com palavras-podres, rapidamente, começou a agredir o culpado jovem. Este ficou ferido. Foi em casa e regressou ao local com uma sabre de seu pai e – com uma raiva do tamanho do céu – deu uma sabrada nas costas tatuadas de Kalundu. E, depois de alguns minutos, o ferido foi gravemente levado ao Hospital Central de Benguela.

Com aquele episódio, o valente ficou humilhado. Por um pouco moraria no ser xará: o cemitério. Apenas ficou com um braço debilitado. Mudou de rotina: reconheceu que vale a pena ser humilde e pacífico. Sempre diz que a valentia não leva a lugar algum. É como a gente diz na gíria: lhe tiraram as gabas!

Júlio Teixeira
SOBRE O AUTOR

Júlio Novady Dimas Teixeira é um jovem benguelense que adora e sempre adorou escrever, pois desde cedo já brincava com as palavras. É filho de um médico contador de histórias e de uma professora de Língua Portuguesa. Seu maior sonho é ser escritor, razão pela qual fez Língua Portuguesa/EMC na EFP-Benguela, e actualmente frequenta o ISCED, especialidade de Linguística/Português.
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