sexta-feira, 23 de novembro de 2018

[Oficina literária 20] NAS UTOPIAS DE ZUWA – crónica literária de Gonçalves Handyman Malha


Zuwa era um jovem que vivia na casa de renda com seis filhos e a sua esposa, Kunanga de trinta anos, passava o dia a jogar nantérrite e a sua esposa passava o dia a jogar cartas de dinheiro para poderem sustentar os filhos. A necessidade de sustento e de garantir o futuro para a família pesava sobre a consciência do Zuwa. Ele queria ser polícia, por isso lutava por uma vaga naquele órgão pertencente ao Ministério do Intestino Grosso. Para que concretizasse seu desejo, tinha de reunir documentos para se candidatar. Se candidatar? Diga-se de passagem, porque no Intestino Grosso todos eram tão unidos, por essa razão, todos eram da mesma família. Daí que Zuwa não era propriamente um candidato, mas sim um familiar, assim sendo, cada funcionário atendia seu familiar.

Na senda de tratar documentos, dirigiu-se à administração do Intestino Grosso, depois de suportar uma fila, aguardou durante duas horas diante da janela em que supostamente se fazia atendimento, apreciando os trabalhadores que simplesmente riam, sorriam, batiam-se nas costas e atendiam cada um a seu familiar não pela janela, mas de modo mais amigável e discreto possível. Não demorou tanto para que Zuwa encontrasse um familiar. Acenou para que alguém o viesse atender, foi convidado a entrar depois de explicar o seu intento, a senhora perguntou-lhe:
Tens quanté? – Ele não era muito instruído, mas pôde ver que por apenas 350 fezes (moeda nacional do Intestino Grosso), obteria ou trataria o documento.
Você leste bem? Perguntou a senhora se são 350 fezes, intão pede na própria vitrina que te atenda, de outro modo tens que pagar 35.000 fezes. — Concluiu.

Não havia outra hipótese, por isso consentiu. Depois de fecharem o contrato, a senhora dirigiu-se ao seu chefe dizendo que Zuwa era seu irmão, e que precisava do documento com alguma urgência, aliás, como disse, no Intestino Grosso todos eram da mesma família. Não tinha dinheiro suficiente, mas também não era problema. Ele e seus amigos organizaram uma festa, na verdade, uma orgia. O panfleto foi colado nas paredes e a adesão não se deixou esperar. Todos desejavam estar lá, pois o panfleto chamava muita atenção; nele estava uma jovem com o tamanho das ancas de um elefante e seios dilatados do tamanho das vacas. Os jovens do Intestino Grosso eram peritos em realização de festas e as mulheres não pagavam, porque no Intestino Grosso as mulheres eram como cervejas, TV plasma, ou seja, eram móveis, pelo que, não compravam ingressos porque eram objectos, mas podiam ser compradas pela mesma razão. Mas havia uma condição, tinham de ir semi-nuas, estando ou não em período fértil, assim mandava a cultura dessa zona. A festa correu e ocorreu.

Zuwa conseguiu os 35.000 fezes e pôde ter os seus documentos, assim sendo, estava preparado para se candidatar, mas havia um outro problema, estava perplexo porque receava que a formação envolvia escrever e ler, e ele não sabia. Até que no discurso de abertura, o ministro confortou-o quando proferiu as seguintes palavras: a formação visará, sobretudo, a preparação física para que estejam aptos a cumprir suas missões, tais como, perseguição às zungueiras, torturas aos que pensam diferente, intimidação aos que desejam fazer ciência, isto é, produção científica, etc.

Completado o período de treino, sentia-se realizado por conseguir um trabalho no Estado, e tinha algumas valências acessórias: era matumbo e sabia conduzir motorizadas, o que era fundamental para qualquer polícia dessa zona, tendo em conta o número de estrangeiros. E quando estes últimos não tivessem a documentação, era só tirar-lhes a motorizada e ameaçar levá-la, que o dinheiro aparecia. Aí o agente não poderia ir até à viatura, nem conversar olho-nos-olhos com o automobilista, tinha de dar-lhe costas e este último tinha de seguir-lhe até que desse alguma coisa que não fosse documento.

Com essas valências, Zuwa não tinha como não ser bem-sucedido, sendo um homem totalmente feliz.


SOBRE O AUTOR
Gonçalves Handyman Malha, Pseudónimo literário de Gonçalo Domingos Salvador Quizela. É Professor, Ensaísta, Poeta, Estudante da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto e Membro do Movimento Literário Litteragris. Natural de Luanda, participou em várias antologias e revistas literárias internacionais e nacionais. Coordenou a Revista Literária “O Fio da Palavra” em homenagem ao Lopito Feijóo.
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