segunda-feira, 12 de novembro de 2018

[Oficina literária 6] A TURMA DO ZÉ – crónica literária de Anjo N’silu


Há não muito tempo, num lugar não muito distante daqui, houve uma turma cheia de crianças insurrectas, obesas, de costas largas e gordas talvez; um professor muito sorridente, alto,manso magro, escuro, vagaroso, carismático, cara de pau, cabeça d'água, coração de pedra (que tanto bate até que educa), qual tripulante cego conduzindo seu barco ao iceberg: Zé Do Caraio!

– É malandro esse Zé Do Caraio. Tem mania de Hiena!

Segunda-feira, sala cheia e muita desordem nessa turma. Soava sempre muito barulho no norte, confusão no leste e muita desorganização no sul. No primeiro dia da semana, não sendo domingo, dois meninos vão ao quadro: um Paulo que soma, o mais gordo da turma, outro Paulo que explica, na aula de matemática financeira.

Como quem já entrou no reino dos céus e não mais precisa da comunhão com as outras ovelhas a caminho de lá, Augusto não se prende ao imperativo de estudar para ser alguém. Todo o mundo conhece o Augusto Sekele, o mimado. Gosta de fugar à escola e quando aparece mata as aulas, à sombra da mangueira, mas também é muito bom em matemática financeira.

Vai-se ouvir a voz do professor em voz não muito clara, suave, lenta e afinada, como o noivo que canta para a sua esposa na noite de núpcias. Um casamento desajustado entre um professor desregrado e seus alunos desmotivados. Sem abrir o livro de ponto vão-se ouvindo os nomes. É a hora da chamada.

– Fernando Elias Kimbiji?

– Presente!

– Fecha a boca e abre o coração! Vai para conta da tua mãe, levanta a massa e traz para mim uma cuca bem gelada! – Além de bêbado, é corrupto esse Zé Do Caraio. Mas que tipo de professor é esse que chama um aluno por dia?!

– Ana Kimbiambia, sempre atrasada! Não é por seres filha do director que não levas kandambala.

– Acalme-se, stor! Beba a sua cuca gelada e relaxe. E a turma sorria dando gargalhadas, e começava a barulhada, como sempre.

Isa Kimbokota tem mania de furtar os lápis alheios. Mas também, com um sobrenome desse não se espera algo não diferente disso. Na verdade, são todos salteadores, inclusive o próprio professor que deveria dar exemplo. Pudera! Kimbokota vendia petróleo na praça da Palanka, mas o seu negócio foi todo por água abaixo. Deveras!

Na terça-feira, duas horas antes da chegada do professor à sala, a aula fica por conta do delegado. João Do Lenço, um pouco mais sério que o próprio professor, mas não menos barulhento que seus colegas, consegue disciplinar um pouco essa gente tirando da turma fora quem muito fala e pouco acerta. Poucos na turma gostam do João. Nem mesmo seu colega irmão. Mas Do Lenço se assentava sobre o espírito da disciplina e da plena tranquilidade.

Se o véu se rasgar e Jerusalém abrir os portões, nenhum desses camelos passará pelo buraco da agulha; nem ajoelhados.

– Hoje é Sexta-feira, vamos todos cantar! – Fala só assim o Zé.

Escola, Escola!
Escola linda.
Até manhã, camarada professor!
Se o Zé quiser, amanhã viremos mais!

Anjo N’silu | Retratos

SOBRE O AUTOR

Filho de pai mukongo e mãe kamundongo, Anjo N’silu nasceu no município de Rangel, província de Luanda, se bem que o registo oficial mencione, como local de nascimento, o distrito de Ingombota. É um novo talento da literatura angolana, versado em poesia, prosa, crónica, conto, dramaturgia, abordando temas que traduzem a realidade sociocultural angolana e africana.
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1 Deixe o seu comentário:

Júlio Novady disse...

Gostei do conto, Anjo! Continue. Ainda faremos muitas cenas!

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