Há
não muito tempo, num lugar não muito distante daqui, houve uma turma cheia de
crianças insurrectas, obesas, de costas largas e gordas talvez; um professor
muito sorridente, alto,manso magro, escuro, vagaroso, carismático, cara de pau,
cabeça d'água, coração de pedra (que tanto bate até que educa), qual tripulante
cego conduzindo seu barco ao iceberg: Zé Do Caraio!
–
É malandro esse Zé Do Caraio. Tem mania de Hiena!
Segunda-feira,
sala cheia e muita desordem nessa turma. Soava sempre muito barulho no norte,
confusão no leste e muita desorganização no sul. No primeiro dia da semana, não
sendo domingo, dois meninos vão ao quadro: um Paulo que soma, o mais gordo da
turma, outro Paulo que explica, na aula de matemática financeira.
Como
quem já entrou no reino dos céus e não mais precisa da comunhão com as outras
ovelhas a caminho de lá, Augusto não se prende ao imperativo de estudar para
ser alguém. Todo o mundo conhece o Augusto Sekele, o mimado. Gosta de fugar à
escola e quando aparece mata as aulas, à sombra da mangueira, mas também é
muito bom em matemática financeira.
Vai-se
ouvir a voz do professor em voz não muito clara, suave, lenta e afinada, como o
noivo que canta para a sua esposa na noite de núpcias. Um casamento desajustado
entre um professor desregrado e seus alunos desmotivados. Sem abrir o livro de
ponto vão-se ouvindo os nomes. É a hora da chamada.
–
Fernando Elias Kimbiji?
–
Presente!
–
Fecha a boca e abre o coração! Vai para conta da tua mãe, levanta a massa e
traz para mim uma cuca bem gelada! – Além de bêbado, é corrupto esse Zé Do
Caraio. Mas que tipo de professor é esse que chama um aluno por dia?!
–
Ana Kimbiambia, sempre atrasada! Não é por seres filha do director que não levas
kandambala.
–
Acalme-se, stor! Beba a sua cuca gelada e relaxe. E a turma sorria dando
gargalhadas, e começava a barulhada, como sempre.
Isa
Kimbokota tem mania de furtar os lápis alheios. Mas também, com um sobrenome
desse não se espera algo não diferente disso. Na verdade, são todos
salteadores, inclusive o próprio professor que deveria dar exemplo. Pudera!
Kimbokota vendia petróleo na praça da Palanka, mas o seu negócio foi todo por
água abaixo. Deveras!
Na
terça-feira, duas horas antes da chegada do professor à sala, a aula fica por
conta do delegado. João Do Lenço, um pouco mais sério que o próprio professor,
mas não menos barulhento que seus colegas, consegue disciplinar um pouco essa
gente tirando da turma fora quem muito fala e pouco acerta. Poucos na turma
gostam do João. Nem mesmo seu colega irmão. Mas Do Lenço se assentava sobre o
espírito da disciplina e da plena tranquilidade.
Se o
véu se rasgar e Jerusalém abrir os portões, nenhum desses camelos passará pelo
buraco da agulha; nem ajoelhados.
–
Hoje é Sexta-feira, vamos todos cantar! – Fala só assim o Zé.
Escola,
Escola!
Escola
linda.
Até
manhã, camarada professor!
Se
o Zé quiser, amanhã viremos mais!
Anjo N’silu | Retratos
SOBRE O AUTOR
Filho de pai mukongo e mãe kamundongo, Anjo N’silu nasceu no
município de Rangel, província de Luanda, se bem que o registo oficial
mencione, como local de nascimento, o distrito de Ingombota. É um novo talento
da literatura angolana, versado em poesia, prosa, crónica, conto, dramaturgia,
abordando temas que traduzem a realidade sociocultural angolana e africana.
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Gostei do conto, Anjo! Continue. Ainda faremos muitas cenas!
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