A vontade de sair um pouco da zona de conforto que tem
sido a escrita criativa levou-me, no outro dia, à mais carismática tabacaria do
Mercado Municipal de Benguela.
A pensar num possível ensaio para manter regular a
intermitência, passe o paradoxo, na colaboração que presto ao quinzenal Jornal
Cultura, procurava livros. Livros que tratassem do infinito espaço
etnolinguístico que conforma a actual República de Angola, o que certamente é
indissociável da dialéctica presença colonial portuguesa.
Um à parte. Conheci o proprietário da tabacaria
inicialmente como conhecemos as figuras públicas. Rosto, nome e intervenções na
imprensa. Num segundo momento abordei-o, quer em reportagens em directo via
telefone, quer com a sua presença em estúdio, no contexto do programa “Viver
para Vencer”, que coordenei e conduzi durante alguns anos através da Rádio
Morena Comercial ao serviço da AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade,
organização não governamental). Passei a ter com ele um contacto mais individual
quando saiu o meu livro de estreia, em Maio de 2008.
O dono da tabacaria viria a juntar-se ao grupo de
almas que me vêm amparando nessa busca por projecção, em Angola e fora dela,
cada a seu jeito e circunstância. Têm sido cinco anos de intensa produção,
safra que pouco significado teria sem a simpatia dos leitores, editores,
escritores, profissionais de imprensa, pessoas amigas (aqui com grande realce à
proximidade considerada virtual). Se me permitem a inconfidência, foi preciso
muito insistir para que ele aceitasse receber a percentagem que lhe cabia por
cada livro vendido, pois entendia ser sua missão ajudar-me a divulgar o
material.
Retomando o prumo. Procurava livros de ArJaGo (Armindo
Jaime Gomes) sobre o poder tradicional. O livreiro, que trato por tio e me dá
atenção especial (de conselhos a refeições que já fez questão de custear em
encontros fortuitos em algum restaurante), recebeu com reticências o meu
pedido. Lá trouxe do arquivo morto o que pedi e um bónus, o livro de poesia do
desportista Nando Jordão. E o preço? Nada! Por conta da casa.
Apanhado sem jeito em mais um gesto de boa vontade,
recorri ao meu sentido de retórica para mostrar que, sendo inegável a gratidão,
sentia-me mal pelas implicações às suas economias. Aí, o livreiro auto-didacta,
que tem no prelo um volumoso livro de memórias de Benguela, largou as contas e
partilhou mais alguns conselhos.
Ele disse ter a certeza de que eu não caçava nota
escolar, moda que vê como ameaça para a consistência dos futuros quadros. Sabes
o que o pescador faz? Indagou-me. Respondi que não, prevendo já uma parábola. O
pescador avia-se em terra, não sai confiando só no que vai apanhar. E se o mar
não for generoso? Já pensaste nisso? As pessoas não se empenham, vão à escola e
não cultivam a sua cultura geral!
Aceitemos, pois, a lição do pescador, em mais um
nutritivo contacto com o livreiro Joaquim Grilo, que dá nome à tabacaria.
Gociante Patissa | Benguela, 17 Novembro de 2013 | www.angodebates.blogspot.com
Imagem: reprodução do vídeo Fairplay da TV Zimbo
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