Certo governante da província de Benguela receberia em
audiência um empresário de enorme carisma. À chegada, o visitante congelou
perante o que via: o anfitrião estava em pé, absorto, na varanda do palácio,
seu olhar encravado na linha do horizonte da Praia Morena, resgatando os
melhores anos de sua infância num assobio trémulo, como da aranha a teia, para
captar mergulhos acrobáticos de banhistas e aquele desfile de homens, canoas e
redes, talvez para minimizar a tensão constante do exercício do cargo. Governar
Benguela é missão espinhosa, não se tratasse da segunda capital, de facto, de
Angola.
A audiência decorreu numa feliz dosagem
entre o génio agreste de um e a energia atlética de outro. Nessa época a
palavra de ordem era «defesa e produção».
No final, acertaram uma data de visita às instalações fabris do empresário, a
convite deste, o que também se encaixava no programa de incentivo ao contributo
do sector privado à economia nacional. «Teremos muito gosto em recebê-lo,
camarada excelência», enfatizaria o empresário.
E lá chegou o dia da visita. O governante,
cabelos crespos disciplinados com esculpido pente de pau, balalaica sobre o
tronco, calças largas e de vinco laminado, calcorreava os corredores da unidade
industrial, todo ele feito acenos de cabeça como quem percebesse da alma da maquinaria.
Toda a deferência era pouca no recheio do relato, com o dono a comandar a
visita guiada. E o governante só se limitava a observar e a corresponder com
grunhidos pontuais, de vez em quando depositando um elogio ao empreendedorismo
do conterrâneo (o que, sendo ou não sincero, também pecado nenhum era, digamos).
No final da jornada, o governante era regalado
à altura do seu prestígio, a mais cara mobília da montra. «É uma oferta nossa,
camarada excelência, pelo seu esforço no comando dos destinos da nossa
província». Visivelmente emocionado pela homenagem, conteve-se para não se
diluir em fluidos de emoção, afinal um carinho daquele tamanho equivaleria,
convertido na ciência dos números, a muitos anos, mas muitos mesmo, do seu
vigor laboral. Agradeceu ao empresário e ao colectivo de operários ali presentes.
Mas para a surpresa geral, dos vivos e das
almas de operários que já partiram, o governante perguntou pelo trabalhador
mais antigo daquela fábrica, um tipo desenrascado que vivia em quarto e sala
com a família (que incluía filhos e netos não assumidos). E a este ofereceu a
mobília, ironicamente a rebuscada oferta do patrão. «Em meu nome, leve esta
mobília, camarada. É sua, por todo o suor que tem dedicado ao crescimento desta
unidade de produção que tanto dignifica a nação. Você merece. Vigilância,
camaradas! E não se esqueçam da palavra de ordem, está bem? Defesa e produção!»
(adaptação)
Gociante Patissa
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