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A audiência decorreu numa feliz dosagem
entre o génio agreste de um e a energia atlética de outro. Nessa época a
palavra de ordem era «defesa e produção».
No final, acertaram uma data de visita às instalações fabris do empresário, a
convite deste, o que também se encaixava no programa de incentivo ao contributo
do sector privado à economia nacional. «Teremos muito gosto em recebê-lo,
camarada excelência», enfatizaria o empresário.
E lá chegou o dia da visita. O governante,
cabelos crespos disciplinados com esculpido pente de pau, balalaica sobre o
tronco, calças largas e de vinco laminado, calcorreava os corredores da unidade
industrial, todo ele feito acenos de cabeça como quem percebesse da alma da maquinaria.
Toda a deferência era pouca no recheio do relato, com o dono a comandar a
visita guiada. E o governante só se limitava a observar e a corresponder com
grunhidos pontuais, de vez em quando depositando um elogio ao empreendedorismo
do conterrâneo (o que, sendo ou não sincero, também pecado nenhum era, digamos).
No final da jornada, o governante era regalado
à altura do seu prestígio, a mais cara mobília da montra. «É uma oferta nossa,
camarada excelência, pelo seu esforço no comando dos destinos da nossa
província». Visivelmente emocionado pela homenagem, conteve-se para não se
diluir em fluidos de emoção, afinal um carinho daquele tamanho equivaleria,
convertido na ciência dos números, a muitos anos, mas muitos mesmo, do seu
vigor laboral. Agradeceu ao empresário e ao colectivo de operários ali presentes.
Mas para a surpresa geral, dos vivos e das
almas de operários que já partiram, o governante perguntou pelo trabalhador
mais antigo daquela fábrica, um tipo desenrascado que vivia em quarto e sala
com a família (que incluía filhos e netos não assumidos). E a este ofereceu a
mobília, ironicamente a rebuscada oferta do patrão. «Em meu nome, leve esta
mobília, camarada. É sua, por todo o suor que tem dedicado ao crescimento desta
unidade de produção que tanto dignifica a nação. Você merece. Vigilância,
camaradas! E não se esqueçam da palavra de ordem, está bem? Defesa e produção!»
(adaptação)
Gociante Patissa
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