(Nossa homenagem às mulheres desta imensa África. Angodebates)
Esta que se aproxima
carrega uma criança às costas
e outra no ventre
uma nuvem húmida rasga-lhe a blusa
lembrando que é hora de parar e amamentar
e lá vai ela seguindo o itinerário que a barriga traçar
gestora de um ovário condenado a não parar
porque é património social
penhora o útero na luta contra a taxa de mortalidade
Conhece bem demais a cidade
não tanto pelos monumentos
mas pela necessidade
viandante como a borboleta
fez-se fiel e histérica amante
da lei da compra e venda de porta à porta
uma lei entretanto não prevista por lei
“depender só do marido? Nunca”
mal acordou a urbe já peleja aliciando clientes
no estômago só o funji do jantar de ontem
sem tempo sequer para escovar os dentes
Lá vai mais uma dobrando a esquina
de pregão firme como a voz do tambor
humilhada aos poucos pelo sol
nos mapas de salitre da poeira que adormeceu no suor
Forte por fora muitas vezes vulnerável no íntimo
veja esta nos olhos encarnados grita despercebida
uma mulher mal amada
nunca descoberta
rainha de etapas queimadas
ele que devia ser companheiro
é de se esconder no copo
quando os ventos são ásperos
autêntico chá em taças de champanhe
não estar disposta para mais um suor sagrado
é para ele frontal apelo à violência
habituada a levar da cara
odeia a sinceridade do espelho
Por aqui passou mais uma profissional da zunga
protagonista anónima com mil mestrados da vida
contudo não contada na segurança social
para o turista uma espécie de paisagem
rosto de uma noite que lançou a mulher
às avenidas dialécticas dos centros urbanos
no seu dever de sustentar a sociedade
a mesma que a condenará antes de amanhecer
por não participar da vida política
ou por não saber ler
nem escrever
In «Consulado do Vazio», 28, Gociante Patissa, KAT-Benguela, Maio 2008
2 Deixe o seu comentário:
Amigo Patissa: Não conhecia a tua veia poética, mas sensível a esta escrita em versos, que retratam a vida difícil de muitas mulheres Angolanas para prover o seu sustento e de suas famílias, num combate desigual e nem sempre compreendido!
Parabéns!
Jorge madureira
Não tendo grandes orçamentos para a divulgação da obra, peço a todos os amigos bloguistas e não só, quer tenham tomado contacto com o livro ou só com apenas parte dele, quer reconheçam no autor alguma fiabilidade. O q posso dizer é que tem sido bem recebido pela crítica (entenda-se, por cá, intelectuais da praça Benguelense e outros de Luanda), por enquanto. Muito obrigado, conto convosco!
Enviar um comentário