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A
mortalidade em níveis preocupantes no Hospital de Benguela já vai gasta
enquanto tema, sobretudo depois de ter saltado para a mesa do governador e com
isso a criação de uma comissão para acompanhar o caso. Se já chegou ao chefe,
então o parlamento ambulante aplaca o assunto e logo destaca outro tema. Mas há
um tema que parece ultrapassar esta lógica tácita dos ciclos do lamento social.
A
boca que não sai de moda é mesmo ainda da malfadada crise, a económica e de
ramificações incalculáveis. É ver como cada vez mais desfilam senhoras
transportando à cabeça recados afrodisíacos em forma de negócio. Sim,
aquela coisa de zungar rodelas de mandioca crua com ginguba (amendoim)… hum!
Assim já é para dizer o quê, que os maridos estão a tirar negativas na hora de
dar vez à libido? Parece haver ali um toque de subtileza, porque é sintomático
ser um comércio só lembrado por mulheres. Ou não?
Também,
né?, se a pessoa chega à casa e não sabe se o emprego amanhã deixa de existir, ora,
a verticalidade debaixo dos lençóis acaba ficando um pouco chocha, não é
verdade? Pronto, mas há sinais de esperança. Um deles pode ser a vinda do Avô
Kitoko nos próximos dias, um curandeiro de primeira linha. Sendo do tipo cura
tudo, quem sabe… E não sei se por medo já ou quê, mas o locutor anunciou-o
“doutor”, um termo que nos écrans pertence aos engravatados comentadores, juristas,
licenciados que dão aulas e aos dirigentes.
Até
parece que vários estabelecimentos privados resolveram competir de quem encerra
primeiro. Cresce o número de vitrinas vestidas de opaco por jornais velhos. A
falência agora é lei. Hoje mesmo constatei a falta de bom senso que foi a
falência da Bom senso, a clínica de fisioterapia (padrão europeu) do Kali, da
selecção. Tive de ir aos chineses para me passarem a mão numa lesão por
distensão muscular nas costelas. Já me tinham dito que os orientais confundem
pessoas com tapetes, pelo que me deitei já desconfiado. E não é que a meio da
sessão senti a gaja pronta a marchar-me sobre o tronco... “Amiga! Pisar, não,
caramba!”
Voltando
ao principal. O mais profundo sinal de esperança vi esta tarde, talvez o mais
profético e poético do que qualquer discurso tecnocrata, demagogo, ou coisa que
o valha. Quando eu vi em uma loja um relógio a custar acima de três milhões de
kwanzas (USD 10 mil ao câmbio da rua), algo surreal numa cidade em que grandes
lojas esgotaram o stock de ovos, a metalinguagem traduziu logo o simbolismo da
intenção: não estava à venda o relógio mas sim o sonho. Três milhões eram o
preço do sonho de tudo voltar ao normal. Aliás, como escreveu o poeta Abreu
Paxe, “o tempo é a medida de precariedade de todas as coisas”.
Gociante
Patissa, Benguela, 19 Abril 2016
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