sexta-feira, 15 de abril de 2016

[Oficina] Crónica | Se sorriam ou não, que nos deixassem apenas jogar à bola

Texto de Lauriano Tchoia
Luanda, 14.04.2016
Eram nervosos e vinham para ajudar, ...dizia-se.

Decorria o ano que nos orgulhava por nobre estágio, pois estávamos a passos curtos da independência de setenta e cinco em Novembro.

A caravana passava por nós, numa Kahála qualquer do meu mapa de miúdo. Homens brancos de tom vermelha na pele camuflada em farda sobre tanques, sinais de guerra. Era o filme que se despregara da tela e vinha até mim.

Entre o medo e a curiosidade, eu queria ver o que era uma guerra de verdade. Expectativas mais de mil!


Devorados na noite, seguiam eles. Soubemos depois que o destino era Luanda e que vinham da África do Sul por uma questão de ajuda. Palavra pouco entendida por mim para aquele enorme investimento e acto bélico, pois a minha ajuda restringia-se a “se dar” sal, entre a mamã e a dona Berta, sua vizinha.

Bem, quanto a mim, bastava apenas que passassem e nos deixassem com o nosso à vontade em jogar à bola.

Dias depois, relatos diziam que novas bandeiras em três paus tinham sido içadas, que iríamos ficar em retalhos, pois não seríamos os primeiros (igual a resposta do tio Filomeno para consolo seu, quando se soube que tinha mais uma mulher, nestes casos ocorre já grávida, perfazendo naturalmente duas na soma e no esforço).

Sobre terras retalhadas falou-se de locais que o meu cérebro geográfico desconhecia, lembro-me apenas de Berlim que estava em duas com um muro pelo meio, li mais tarde. Na rapidez dos pedreiros deles, deixaram irmãos separados, até noivos. Ouvira isso do Padre Martinho, o Holandês.
Se Luanda içou, Huambo e Uíge bateram-se no chão e também ergueram, num orgulho que afinal não valeu. Coisas do Man Prole a confirmar a efémera alegria do pobre.

Tardou pouco e o mesmo movimento dos vermelhos torturando o asfalto que fez surrar o meu avo, na kimbangula das pedras para construí-lo e o branco vir passar. Desta vez fazendo o sentido inverso. Se já ajudou, pode ir, era assim também nas nossas pelejas de kandengues. Buscou o teu kota, bateu o adversário, esta arrumado, vamos embora. “Benfeito”!

Com os vermelhos Afrikaans, nada mais natural que regressar para os braços das esposas e amantes intranquilas, distante e à mercê dos gabirús.

Pena nada terem dito, ficamos pelas especulações e no acreditar ou não, no Angola Combatente de Kudibanguela, que dizia pejorando estarem eles a dar o “lenguenu”, no bom kimbundu para dizer que foram escorraçados.

No entanto, entre o sim e o não, só sei que nunca mais regressaram. Cimentada ficou a divisão dos soldados de pele clara em dois polos históricos: uns sul-africanos indiferentes e outros cubanos no “jogo da penetração” social. Sobre eles, os cubanos, e os proventos que nos viriam a brindar falarei num próximo texto.
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