Políticas e politiquices à parte, e com o devido
respeito aos concidadãos que exercem a profissão de jornalista (a qual muitos
de nós relegamos para mais tarde), cada vez me questiono mais sobre a
capacidade de análise dos narradores/redactores, no que respeita a questões
elementares da história do país e idiossincrasias nossas. Tive a sorte de
aprender um pouco de lógica duas vezes na vida, tendo sido a primeira num curso básico de jornalismo e a segunda nas aulas
de filosofia no curso de licenciatura. E parto do princípio que aos
profissionais de Luanda se deve exigir um pouco mais, até porque têem mais
recursos e oportunidades de aprendizagem, com acesso ao ensino superior e tudo.
Vem isto a propósito de uma contradição (quanto a mim grave) que acaba de
desfilar numa peça de reportagem do programa dedicado à província de Luanda,
emitido pelo canal principal da TPA. Depois de anunciar como facto raro a existência
de uma mulher no poder tradicional em Catete, o narrador disse, e cito:
"Em Calomboloca, o poder tradicional é exercido com base nos critérios
estabelecidos pela população, de geração em geração". Feita a chamada, o
que o tele espetador espera é a confirmação disso mesmo no relato que vem a
seguir sobre os termos da sucessão, até porque o texto foi produzido, pelo
menos é o óbvio, com base no discurso directo da interlocutora. Para o espanto
geral (e atropelo à lógica da não contradição), eis que surge a soba Maria
nestes termos (cito de memória): "O mais velho [pai] quando morreu,
ficamos mesmo assim, tristes. Choramos, choramos, e depois como há um irmão,
decidimos que ele é que ia ficar no lugar. Mas o camarada administrador - já
sabe essa nossa vida - disse que não, que é melhor ficar uma mulher no lugar. E
assim fiquei". Ora, de onde foi o repórter tirar a ideia de ter sido uma
sucessão com base nos critérios estabelecidos pela população, se a
interlocutora, a soba Maria (poder real/tradicional/dinastia), diz precisamente que foi
co-optada pelo administrador (poder político/administrativo)? Bem sei que a
autonomia/paridade do poder tradicional é um debate que se adia desde a era
colonial. Mas é inquestionável que o país um dia terá de o agendar (com o Ministério
da Cultura a falar ao mesmo tom que o da Administração do Território), mesmo
até para se respeitar a essência étnica dos povos que fazem o mosaico desta
nação em construção, sob pena de nunca mais nos reencontrarmos neste sentido.
Gociante
Patissa, Benguela, 07 Abril 2016
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