quinta-feira, 7 de abril de 2016

[Oficina] Crónica | Lito Katwia e as Chuvas da Capital

Nuvens cor de cinza tapando o sol. INAMET a produzir prognósticos (coisas de kimbanda). Segue pelo bairro Palanca, Golfes Um e Dois. Destino: conhecer a cidade do Kilamba depois de ter visto o mar na véspera. Mbaias na destreza do piloto em terra, azul e branco kandongueiro rumo à Meca.
Texto de Lauriano Tchoia
Luanda, 06/04/2016

Viaturas em pilhas como monte de lenha fresca a fumegar, admiração no rosto a ouvir o zumbir nos tubos de escapes. Não se lembrava, desde que se conhece a si próprio como pessoa, de ter visto tanto carro parado assim. Chega a ser arrepiante… para a sua cabeça de provinciano!

“Acaba-de-me-matar”, fumaça pelos furos a penetrar. Lata velha de ocasião. O som alto da música “mama-dji”, de Nagrelha, não deixara perceber que a viatura tinha dado o piripaque, morreu! Motor desligado, combustível no vermelho, justamente naquele pântano artificial. Na rotunda do Camana, chuvas de Abril e sacos de plástico enrolando aos pés para o desembarque. Agarrou-se à porta e, como azar não vem só, pé na lama. Recuar é que não pode. Descuido de aldeão destreinado nas habilidades de Luanda.


Tapete asfáltico da estrada, recente porque da campanha das últimas eleições gerais. Puro engano. Tudo papa! Pé número dois a juntar-se ao primeiro, o trambolhão inevitável no poço com altura da cintura. Rosto de coitado, boca entreaberta, neste choro, lágrimas e lamas não se distinguem.

Huff, sem saber o que fazer, o jovem de Caconda, estatelado no lamaçal, estava feito artefacto de carne pintada. Duas circunferências rubras no local dos olhos luziam forçosamente na face preta, não sabia em que língua chorar, se em português,se em umbundu, ou inventar Kimbundu: “A Suku yange we!”, escapou-lhe por fim o umbundu. Ó meu pai, ai wee, ai wee!”

Boss de jeep passando sobre a dor alheia, se parar vai sujar o carro. Vem o apoio das zungueiras companheiras de viagem e do sofrimento natural. Do nada, uma blusa, saia e bikini, retirados do balão de roupa, fardo para a venda ambulante. Vestido qual travesti-entiticado, sentimento de vergonha no cérebro e no rosto, mas a única chance de voltar “decente” para casa em que se hospedara. Anfitriões assustados, recepção substituída pela sugestão de um urgente recurso a psiquiatra, algemas chamadas à conversa. “Está maluco, só pode ser!”. Como sempre, o choque esfria, mas foi apenas percebido depois de narrados os factos. Tristeza no ar, arrependimento no coitado.

Pobre Lito Katwia, de Caconda, aborrecido e desnorteado. Pregar o olho nem com Diazepan e, de reflexão em reflexão, uma sinfonia de lamúrias incontidas. Para consolo, só o hino da irmã Sofia sobre o lobo de baixo da pele do cordeiro que quase devorava o triste turista interno. Todo o cuidado era pouco, aconselhava esta diva da música gospel.

É neste andar de coisas que o cidadão descobre, revoltado, que está numa terra com fundamentos invertidos. Malas feitas, decide regressar para a paz, calma e harmonia, do seu kimbo, ao encontro da água verdadeira que aprendeu com o professor da quinta classe: pura, sem cheiro e sem sabor.

Vejo-o entrar, ponho o autocarro em marcha. Apenas quatro dias, nem mais um dos trinta previstos queria ficar. Buzinei para os transeuntes distraídos, pim, pim. Nas colunas do autocarro depois da música “encosta na parede”, das Gingas do Maculusso, o anúncio pelo INAMET, outra vez, sobre chuvas torrenciais que vinham a caminho de Luanda, na voz de Paulo Miranda, da rádio xará da cidade.

Ouvindo isso, o meu passageiro olha para trás, vê Viana à distância e grita muito forte: “WAPALAMA, OVE A LUAAAANDA!”. (Luanda, estás amaldiçoada tu!)
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