Nuvens cor de
cinza tapando o sol. INAMET a produzir prognósticos (coisas de kimbanda). Segue
pelo bairro Palanca, Golfes Um e Dois. Destino: conhecer a cidade do Kilamba
depois de ter visto o mar na véspera. Mbaias na destreza do piloto em terra,
azul e branco kandongueiro rumo à Meca.
Texto de Lauriano Tchoia Luanda, 06/04/2016 |
Viaturas em
pilhas como monte de lenha fresca a fumegar, admiração no rosto a ouvir o
zumbir nos tubos de escapes. Não se lembrava, desde que se conhece a si próprio
como pessoa, de ter visto tanto carro parado assim. Chega a ser arrepiante…
para a sua cabeça de provinciano!
“Acaba-de-me-matar”,
fumaça pelos furos a penetrar. Lata velha de ocasião. O som alto da música “mama-dji”,
de Nagrelha, não deixara perceber que a viatura tinha dado o piripaque, morreu!
Motor desligado, combustível no vermelho, justamente naquele pântano
artificial. Na rotunda do Camana, chuvas de Abril e sacos de plástico enrolando
aos pés para o desembarque. Agarrou-se à porta e, como azar não vem só, pé na
lama. Recuar é que não pode. Descuido de aldeão destreinado nas habilidades de
Luanda.
Tapete asfáltico
da estrada, recente porque da campanha das últimas eleições gerais. Puro engano.
Tudo papa! Pé número dois a juntar-se ao primeiro, o trambolhão inevitável no
poço com altura da cintura. Rosto de coitado, boca entreaberta, neste choro, lágrimas
e lamas não se distinguem.
Huff, sem saber
o que fazer, o jovem de Caconda, estatelado no lamaçal, estava feito artefacto
de carne pintada. Duas circunferências rubras no local dos olhos luziam
forçosamente na face preta, não sabia em que língua chorar, se em português,se em
umbundu, ou inventar Kimbundu: “A Suku yange we!”, escapou-lhe por fim o
umbundu. Ó meu pai, ai wee, ai wee!”
Boss de jeep passando
sobre a dor alheia, se parar vai sujar o carro. Vem o apoio das zungueiras
companheiras de viagem e do sofrimento natural. Do nada, uma blusa, saia e
bikini, retirados do balão de roupa, fardo para a venda ambulante. Vestido qual
travesti-entiticado, sentimento de vergonha no cérebro e no rosto, mas a única
chance de voltar “decente” para casa em que se hospedara. Anfitriões assustados,
recepção substituída pela sugestão de um urgente recurso a psiquiatra, algemas
chamadas à conversa. “Está maluco, só pode ser!”. Como sempre, o choque esfria,
mas foi apenas percebido depois de narrados os factos. Tristeza no ar, arrependimento
no coitado.
Pobre Lito
Katwia, de Caconda, aborrecido e desnorteado. Pregar o olho nem com Diazepan e,
de reflexão em reflexão, uma sinfonia de lamúrias incontidas. Para consolo, só o
hino da irmã Sofia sobre o lobo de baixo da pele do cordeiro que quase devorava
o triste turista interno. Todo o cuidado era pouco, aconselhava esta diva da
música gospel.
É neste andar de
coisas que o cidadão descobre, revoltado, que está numa terra com fundamentos
invertidos. Malas feitas, decide regressar para a paz, calma e harmonia, do seu
kimbo, ao encontro da água verdadeira que aprendeu com o professor da quinta
classe: pura, sem cheiro e sem sabor.
Vejo-o entrar, ponho
o autocarro em marcha. Apenas quatro dias, nem mais um dos trinta previstos
queria ficar. Buzinei para os transeuntes distraídos, pim, pim. Nas colunas do
autocarro depois da música “encosta na parede”, das Gingas do Maculusso, o
anúncio pelo INAMET, outra vez, sobre chuvas torrenciais que vinham a caminho
de Luanda, na voz de Paulo Miranda, da rádio xará da cidade.
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