sábado, 27 de julho de 2013

Nota solta: As mesas e todo o cenário de festa familiar desencorajam o acesso à turística fonte de águas termais no Kutokota, ou "Cota-cota" no Balombo


A fonte de águas termais do Kutokota, que em Umbundu quer dizer mesmo aquecer ou quentura ou ainda estar quente, conhecida entre nós pela corruptela Cota-Cota, que como tal não tem significado nenhum, é um caso digno de estudo, não apenas pela vertente química ou geológica, mas pela sociocultural mesmo. Já em tempos reportei aqui a injustiça que consistia na exclusão de mulheres que quisessem conhecer o local ou usufruir das águas que se acreditam boas para a saúde, uma vez que os machos se arrogavam no direito de tomar o seu banho em pelota. Depois de vários protestos, cremos, as autoridades repuseram a ordem, passando o lugar a ser um ponto aberto a todos. Hoje, porém, foi com um misto de compreensão e apreensão que encontrarmos o lugar engalanado para acolher cerimónia matrimonial, o que representa temporária "privatização" daquele espaço turístico. As senhoras que cuidavam de confeccionar os alimentos e velar pela decoração receberam-nos de caras nada amistosas, nós que nos sentimos no direito de pisar nas quentes águas que são de todos, como se estivéssemos em suas residências. Assim, o Balombo só sai a perder. Nada temos contra casamentos, mas o bem de poucos deverá mesmo comprometer o da maioria? Haja ordem!


Crónica (do arquivo): As águas quentes do Kutokota e o sexo dos monumentos

Duas estradas paralelas, uma de entrada e outra de saída, separadas por um canteiro que só não é mais vistoso por lhe faltar relva, bipolarizam o centro da Vila do Balombo, que acolhe e/ou assiste quem vem do litoral em direcção ao centro e sul de Angola (ou vice-versa).

Tarde de sexta-feira. No ar a sensação de dever cumprido, o primeiro dia de capacitação das comissões de pais e encarregados de educação de três escolas correu pontual e lindamente. Embora cientes de que a nossa presença na vila não passava despercebida, serpenteávamos turisticamente a bordo do Land-Cruiser. Melhor ainda sabia a descoberta sem qualquer interferência, como seria o caso de sermos abordados por um pedinte, a quem nada teríamos para dar (mas disso falo daqui a pouco, ya?).

No grupo, eu era o único que tomava contacto com o Balombo pela primeira vez, por sinal o que me restava dos nove municípios que compõem a província de Benguela. Era incontornável a ansiedade: que mais me pode oferecer esta vila, para além da nascente do “Kutokota”, conhecida oficialmente (diria até erradamente)
por “Kotakota”? Não via a hora de apalpar com as próprias mãos as águas que há bué impressionam o mundo pelo fenómeno de saírem literalmente quentes da nascente.

A questão era esperar! No entanto, pelo já visto, a impressão da viagem era positiva. É verdade que teria sido mais “orgásmica” se as aldeolas ao longo da via tivessem uma espécie de placas/legendas. Outra coisa, achei preocupante que no Balombo não se tenha acesso à emissão radiofónica (aparentemente devido à inoperância dos repetidores da Rádio Nacional), ao contrário da televisão.

Voltemos às vantagens da paz. Lá vão os tempos em que as ONG’s eram um verdadeiro “poder”, por altura da emergência, quando um Land-Cruiser com a chapa de matrícula verde (ou vermelha) instigava no anfitrião o sonho de amealhar uma bem-aventurada dotação: comida, roupa ou uns dólares. Hoje, felizmente, o contexto é de desenvolvimento, ênfase para o combate à dependência de forças externas através de projectos e programas que visem potenciar os agentes locais.

Pouco depois das 16 horas. Estávamos (at last) às portas do Kutokota!!! Para a minha surpresa, o ímpeto da criatividade fotográfica era substituído pela auto-censura. Havia homens (muitos) e crianças a banharem completamente nus. E lá me levava o lado paternalista a advertir os colegas para terem cuidado ao fotografarem (por conta da ética).

Meia hora depois, estaciona um Jimmy, de um cidadão (seria estrangeiro?) que trazia a esposa, filhos mais uma mocinha à prodigiosa fonte. Eis que rebentava um alvoroço, com insultos de parte a parte.

– O lugar das mulheres é lá em baixo! Você é mulher de onde, que não respeita os que estão nus?
– Quem vos manda banhar nus aqui? – refila a cidadã, que trazia uma criancinha nos braços.

– Aqui é lugar dos homens, as mulheres é lá em baixo! – vociferavam os “ofendidos”, apontando o dedo para o distante lado norte do rio, onde certamente a água já não chegava quente.

– Mas quem definiu que aqui é lugar dos homens, se isso é um local público? – insistia a “intrusa”, confiante na justiça do seu argumento, sem contudo recuar a marcha em direcção ao monumento, enquanto que o marido aparentemente não intervinha na contenda.

– Os donos do Balombo é que definiram assim!!!

– Pois então definiram mal! – desafiava.

Amanhã enfrentaremos outra vez cerca de 200 quilómetros de estrada rumo a Benguela (haja nádegas!), mas foi proveitosa vinda ao Balombo. Muito obrigado à AJS pelo convite.
Gociante Patissa, Balombo, 18 Setembro de 2009 
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