Artigo
de Jomo Fortunato|Texto
e foto: Jornal de Angola (8 de Julho, 2013): Canta em cokwe e transporta o
estigma de uma voz que celebra de forma sublime a poética da angolanidade.
Gabriel Tchiema cultiva uma música de feição identitária, entendida no seu
sentido plural e inclusivo, que possui características ao nível do ritmo, melodia
e harmonia, passíveis de emigrar com assinalável êxito para circuitos mais
exigentes da chamada World Music.
A mãe de Gabriel
Tchiema, Emília Natunga, possuía uma voz afinada e cantava para o então menino
canções de embalar e da lavoura. Eram pequenos trechos em língua local que iam
marcar de forma profunda e decisiva o imaginário e o universo criativo do
cantor.
Oriundo dos kaítakatembo, Lunda-Sul, grupo conhecido pelas habilidades artísticas, António Gabriel, seu nome de baptismo, nasceu, no município do Dala, em 15 de Novembro de 1966 e frequentou, no Huambo, o curso médio pré-universitário em ciências sociais. O pai, Miúdo Gabriel, foi um exímio bailarino conhecido além das redondezas dos kaítas, designação abreviada do seu grupo étnico.
Com apenas 8 anos, a família emigrou para Zâmbia, onde em 1968 teve o primeiro contacto com o banjo, instrumento pelo qual se afeiçoa e começou a extrair os primeiros acordes.
Serviço militar
Em 1984, no cumprimento do serviço militar obrigatório, Gabriel Tchiema ingressou nas FA.PLA, onde aprendeu de forma incipiente as primeiras notas de guitarra. Desse período lembra os preciosos ensinamentos de Julião, colega do Exército. O irmão, Tchizainga, ofereceu-lhe uma guitarra, o que lhe permitiu aperfeiçoar o domínio deste instrumento.
No nono mês de recruta foi destacado para a segunda região militar, no centro de comunicações fixo de Cabinda, e é na sua direcção política que ajuda a fundar o grupo musical ASP (ao serviço do povo) do seu destacamento, que foi apurado na fase provincial do Festival Nacional da Canção Política das FAP.LA.
Em 1987, o grupo vence com Gabriel Tchiema, o o festival militar na modalidade trova, o que leva a direcção da região a autorizá-lo a frequentar um curso de música no regimento cubano, em missão internacionalista em Angola, onde aprende piano. Tal facto habilitou-o a integrar, em 1989, como pianista profissional, a banda “El Bère Massaba”, uma formação tipicamente congolesa. Segue-se o Festival da Canção Política, no Lubango, onde conquista o segundo lugar, classificado por um júri rigoroso presidido pelo conhecido cantor e compositor Moisés Kafala.
A pós ter cumprido o serviço militar, em 1990, Gabriel Tchiema decide prosseguir uma carreira a solo, empreendendo múltiplas tentativas de recriar sonoridades originais numa altura em que se vivia em Angola uma acentuada ausência da música de outras latitudes e da quase inexistência de gravadoras.
Perante um turbilhão de tendências e experiências musicais, Gabriel Tchiema viveu um período de indecisão estilística e gravou, em 1988, o CD “Yena nhi yami”. Este disco foi tão-somente o aproveitamento de uma oportunidade para gravar, satisfazendo mais os desígnios da editora do que a real intencionalidade estética do cantor. O convite para a Expo-Japão (2005) serviu para avaliar a recepção da sua música perante um público estrangeiro e heterogéneo, constituindo a base motivadora de reflexão para a prossecução da sua carreira como cantor.
Gabriel Tchiema participou também no Luanda International Jazz Festival, 2010, Cape Town International Jazz Festival, 2012, e no Cabo Verde, AME-atlantic music expo, no ano de 2013.
Azwlula
Cabeça de cartaz no Festival da Canção de Luanda de 2006, como convidado especial, Gabriel Tchiema moldou neste concerto, a perspectiva da pré-produção do CD “Azwlula” que recupera a alma melódica da tradição musical cocwe, exalando uma expressividade poética que se socorre do fraseado do jazz e tipifica um género que se augura não passageiro, distante das facilidades de concepção.
O CD com 12 temas teve a participação de Walter Ananáz (violão), Dalú Roger (percussão), Mr. Jam (bateria), Freddy, Samy, Maurício Pacheco e Wando Moreira (baixo), Teddy Nsingui, Manecas Costa, e Boy G. Mendes (guitarra), Nino Jazz (teclas), Ciro Bertini (acordeão e flauta), Rowney Scott (sax soprano), Serginho Trombone (trombone), Joatan Nascimento (trompete), Vicente Bucher (harmónica) e os coros de Beth, Aninhas e Sandra Cordeiro.
De assinalar a prestação técnica dos músicos angolanos, falamos sobretudo de Nino Jazz, Teddy Nsingui, Dalú Roger e Wando Moreira, que empreenderam válidas propostas de acompanhamento e conferiram virtuosidade e padrão internacional ao CD. Com “Azwlula”, estamos perante uma válida contribuição para a renovação estética da música angolana, com ingredientes passíveis de uma resoluta inserção no universo da música africana de êxito internacional.
Novo disco
“Mungole”, a nova proposta discográfica de Gabriel Tchiema, está a ser gravado em Angola, França e Cuba e estão seleccionadas 12 temas.
“Mungole”, que em língua portuguesa significa chuva miudinha e incessante, tem a produção do pianista Nino Jazz, do guitarrista Simmons Massini, do baixista Freddy e do próprio Gabriel Tchiema.
Na sequência do disco “Azwlula”, “Mangole” revisita as variáveis tchianda e macopo, géneros tradicionais da Lunda-Norte e Lunda-Sul, numa distensão estilística que vai do afro-jazz ao latim Jazz, passando pelo afro-funk e afro-soul, incluindo tendências do rock.
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