sábado, 6 de julho de 2013

Nota solta: Na sequência de simbólicas homenagens a gente honesta, essa espécie em vias de extinção

Com a inoperância do serviço de ar nas bombas da zona comercial e o defeso de fim-de-semana na recauchutagem da Kaponte, restava ir ao bairro do Liro calibrar as rodas do carro num contexto mais ou menos profissional.

Pedi para calibrar “de 35”, por influência dos três anos de convívio com o velhito rabo-de-pato, anterior ao que tenho há oito meses. “De 35 é muito”, advertiu um senhor que podemos tratar por gerente, na ausência da certeza de ser o dono. Ante a minha expressão corporal de dúvida, o profissional disse que o próprio carro trazia a indicação, informação que, para ser sincero, eu não sabia como localizar no meu próprio bem. Lá abriu a porta e mais dúvidas não restaram. “Obrigado, por acaso não sabia”, declarei.

A calibragem foi feita por um jovem com ar de mestre, tendo depois entregado a mangueira a outro que regressava de uma breve ausência, arriscaria em dizer que não passava de ajudante. Concluído o trabalho, e com o porta-malas ainda aberto, procurei saber o custo da mão-de-obra, ao que o ajudante prontamente respondeu: “150 kwanzas”. Pareceu-me mais barato do que em outras recauchutagens (de rua), que cobram cinquenta kwanzas por roda, o que portanto daria 250, incluindo a de socorro. No momento em que contabilizava as moedas em nota e outras metálicas, sendo estas várias de um kwanza e alguns centavos de que me procuro livrar nos últimos dias, o rapaz que acho mestre disse, com ar de reprovação: “pode ir, isso aqui não se paga”. Virou-se para o colega e ouvi… “como é então você”?!

Satisfeito por notar mais um gesto de honestidade, abri de novo o porta-malas e saquei um dos dois mosquiteiros impregnados com inseticida que ganhei no serviço. “Por teres sido honesto, dou-te este mosquiteiro”. Alegre, o que não garante à partida que o vá usar e derrotar a malária, pôs-se a fazer troça ao colega desonesto.

Sem deixar de considerar o lado discutível de frases feitas e clichés, recordo certo personagem de uma telenovela infanto-juvenil brasileira, que refutava o axioma segundo o qual “a oportunidade faz o ladrão”. Para ele, “a oportunidade faz o furto/o ladrão nasceu feito”.

Termino como da outra vez. Neste Facebook dominado pela indignação (legítima) diante da corrupção e má conduta, seria injusto não homenagearmos gestos de honestidade, já que, multiplicados, dar-nos-iam certamente uma sociedade melhor.

Gociante Patissa, Lobito 6 Julho 2013
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