Texto de Alexandra Sobral Lisboa, Portugal, 23.02.2016 |
Eu não dou esmolas por princípio, ainda
que seja um princípio repassado de excepções. No metro irritam-me sobremaneira
os indivíduos que, cegos, fazem do pedir modo de vida. Alguns conheço desde o
tempo de antes da minha era automobilística, alguns mantendo a postura, que já
nessa época tinham, a de repetirem sem inovação a mesma lenga-lenga lamurienta
e miserabilista, apelando à dor de consciência de quem, mais afortunado, pensa-se, não
padece daquela insuficiência, ou ainda a de ficarem furibundos quando a
colheita não corre de feição. Mas, como já atrás disse, as minhas regras, pelo
menos nessa matéria, não são absolutas, o que se confirma sempre que de mim se
vem aproximando o som de um certo ritmo, que já se tornou um ex libris, no que
a esse aspecto respeita, do Metro de Lisboa.
Um que é feito com o bater na barra metálica, que serve de guia, por um outro objecto também metálico, batida também repercutida no púcaro que serve para a recolha dos proventos, e o que acontece em simultâneo, em perfeita harmonia, diga-se, com o bater da guia no chão, e o que me leva, invariavelmente, a abrir o porta-moedas e a fazer da excepção regra. Nunca, até hoje, tinha prestado muita atenção ao que o criador daquele ritmo vai dizendo, absorta que estou a ouvir a música, mas hoje, porém, ouvi e ouvi-o distintamente dizer “para quem não se deixa vender aos falsos moralistas”, Fascinante! Que mundo de considerações podem dimanar de tal frase! Será que a mesma é dirigida a quem vai enchendo o púcaro? Será que a mesma é um sarcasmo, por se ficar vulnerável, quem fica, à má consciência atiçada pela desgraça alheia? Será que se dirige aos que pensam comprar a complacência do divino e afastar, por essa via, aquela ou outra maleita? Será que é o afirmar da dignidade, apesar dos pesares e de se estar a estender a mão à caridade? Será, será? A verdade é que gosto de ouvir aquela música. E agora vou tentar ouvir para além dela.
Um que é feito com o bater na barra metálica, que serve de guia, por um outro objecto também metálico, batida também repercutida no púcaro que serve para a recolha dos proventos, e o que acontece em simultâneo, em perfeita harmonia, diga-se, com o bater da guia no chão, e o que me leva, invariavelmente, a abrir o porta-moedas e a fazer da excepção regra. Nunca, até hoje, tinha prestado muita atenção ao que o criador daquele ritmo vai dizendo, absorta que estou a ouvir a música, mas hoje, porém, ouvi e ouvi-o distintamente dizer “para quem não se deixa vender aos falsos moralistas”, Fascinante! Que mundo de considerações podem dimanar de tal frase! Será que a mesma é dirigida a quem vai enchendo o púcaro? Será que a mesma é um sarcasmo, por se ficar vulnerável, quem fica, à má consciência atiçada pela desgraça alheia? Será que se dirige aos que pensam comprar a complacência do divino e afastar, por essa via, aquela ou outra maleita? Será que é o afirmar da dignidade, apesar dos pesares e de se estar a estender a mão à caridade? Será, será? A verdade é que gosto de ouvir aquela música. E agora vou tentar ouvir para além dela.
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(*) No Blog Angodebates, uma rubrica com textos da nossa amiga Alexandra Sobral, advogada de profissão, que, utilizando um transporte colectivo em Portugal, põe o seu sentido de observação em acção. Resulta disso um trabalho individual que passa a valer (se não muito mais, pelo menos) o dobro, uma vez submetido ao exercício de tradução de emoções pela via da escrita e partilhado no espírito cosmopolita da comunicação e socialização. Originalmente publicadas no mural Facebook da autora, saem com o genérico Crónicas do Metro, sendo da responsabilidade do Angodebates o complemento dado ao título para facilitar a distinção entre uma e outra. Dá imenso gosto passear por Portugal à boleia destes breves apontamentos
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