Texto de Lauriano Tchoia Huambo, 01.02.2016 |
Cachicondala
surgiu assim, do nada, ninguém o conhecia de lado algum.
Corpo franzino,
pequeno na altura, perdia-se no olhar imaginário de um pavão predador. Tornou-se
nosso primo por assim nos ter sido ensinado. Era neto do avô Fátima, a madrasta
da mamã. Repartíamos o sorriso e as brincadeiras, só não nos juntávamos na
mesma cama por ter fama de mijão.
Dormia feliz na
sua esteira, mas pelas manhãs cruzava sempre com o terror do chicote e o mundo
a escurecer ao seu redor. A desgraça de acordar molhado da cintura à cabeça
valia-lhe a terapia que antecipava o mata-bicho, por mais um acto imperdoável,
dado o azar de não saber governar a própria bexiga.
Mil incógnitas e
perguntas. A mais incómoda: de onde era oriundo o Cachicondala? É que não se
sabia de quem era filho, irmão ou sobrinho, nem porque razão passou a ser neto da
avó Fátima, se desta não se conhecia o desfrute de um parto sequer.
Palavras soltas
vinham dos ventos alísios calmos e embriagantes. Pela boca pequena, dizia-se que
ela tinha queimado os fusíveis ao tentar desprogredir um feto de quatro meses
com chá de jornal. O rapaz aparentava ter onze anos. Dizia-se que em verdade
era dono de dezassete primaveras.
Não suportava a
escola. Da primeira classe não passava, tendo sido salvo, depois de três anos, por
benevolência do director (por uma questão de “patriotismo”, ordenou que o empurrasem
para a segunda, mesmo sem dominar o abecedário. O fracasso na faceta acadêmica
era compensado na versão domiciliar. Aí, Cachicondala dominava.
De tão astuto e matreiro,
guardava tudo o que recebíamos por igual e irritava no final, quando todos nós
já tínhamos devorado o nosso. E lá surgia ele, como que vingativo e triunfante,
desdentando aos poucos a fruta que ele encubou. O mesmo fazia com as refeições. Devorava toda a carne ou
peixe, deixando apenas o funge com molho em branco. Era aí que intervinha a avó
Fátima, qual heroína de resgates, reforçando por abono com mais um pedacinho
retirado da panela.
Tentei imitá-lo
um dia desses e de nada me valeu. O reforço desejado já fora posto no prato de
Cachicondala por antecipação, mesmo sem ter acabado antes a sua parte.
Tempos depois,
viemos a descobrir que se tratava de um pacto entre neto e avó sempre a
permitir que a ele coubesse um pouco mais da cobiçada parte das refeições. Só
não sabíamos a troco de quê, senão pelo favor de se tornar seu neto. Será? O
tempo foi correndo e os retalhos se cosendo.
Uns fizeram-se doutores, outros operários de primeira,
só de Cachicondala se desconhece o paradeiro. Desaparecera por ordem do mesmo
mistério que o fez surgir
0 Deixe o seu comentário:
Enviar um comentário