sexta-feira, 4 de março de 2016

[Oficina] crónica | Cachicondala, o mistério em miniatura

Texto de Lauriano Tchoia
Huambo, 01.02.2016
Cachicondala surgiu assim, do nada, ninguém o conhecia de lado algum.

Corpo franzino, pequeno na altura, perdia-se no olhar imaginário de um pavão predador. Tornou-se nosso primo por assim nos ter sido ensinado. Era neto do avô Fátima, a madrasta da mamã. Repartíamos o sorriso e as brincadeiras, só não nos juntávamos na mesma cama por ter fama de mijão.

Dormia feliz na sua esteira, mas pelas manhãs cruzava sempre com o terror do chicote e o mundo a escurecer ao seu redor. A desgraça de acordar molhado da cintura à cabeça valia-lhe a terapia que antecipava o mata-bicho, por mais um acto imperdoável, dado o azar de não saber governar a própria bexiga.


Mil incógnitas e perguntas. A mais incómoda: de onde era oriundo o Cachicondala? É que não se sabia de quem era filho, irmão ou sobrinho, nem porque razão passou a ser neto da avó Fátima, se desta não se conhecia o desfrute de um parto sequer.

Palavras soltas vinham dos ventos alísios calmos e embriagantes. Pela boca pequena, dizia-se que ela tinha queimado os fusíveis ao tentar desprogredir um feto de quatro meses com chá de jornal. O rapaz aparentava ter onze anos. Dizia-se que em verdade era dono de dezassete primaveras.

Não suportava a escola. Da primeira classe não passava, tendo sido salvo, depois de três anos, por benevolência do director (por uma questão de “patriotismo”, ordenou que o empurrasem para a segunda, mesmo sem dominar o abecedário. O fracasso na faceta acadêmica era compensado na versão domiciliar. Aí, Cachicondala dominava.

De tão astuto e matreiro, guardava tudo o que recebíamos por igual e irritava no final, quando todos nós já tínhamos devorado o nosso. E lá surgia ele, como que vingativo e triunfante, desdentando aos poucos a fruta que ele encubou. O mesmo fazia  com as refeições. Devorava toda a carne ou peixe, deixando apenas o funge com molho em branco. Era aí que intervinha a avó Fátima, qual heroína de resgates, reforçando por abono com mais um pedacinho retirado da panela.

Tentei imitá-lo um dia desses e de nada me valeu. O reforço desejado já fora posto no prato de Cachicondala por antecipação, mesmo sem ter acabado antes a sua parte.

Tempos depois, viemos a descobrir que se tratava de um pacto entre neto e avó sempre a permitir que a ele coubesse um pouco mais da cobiçada parte das refeições. Só não sabíamos a troco de quê, senão pelo favor de se tornar seu neto. Será? O tempo foi correndo e os retalhos se cosendo.

Uns fizeram-se doutores, outros operários de primeira, só de Cachicondala se desconhece o paradeiro. Desaparecera por ordem do mesmo mistério que o fez surgir
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