quinta-feira, 3 de março de 2016

Fábulas da nossa terra | Há muito jacaré por aí (*)

Quis o destino que a família Macaco habitasse numa árvore na margem do rio Catumbela, onde seria fácil cuidar da higiene e a comida abundava.
Imagem de autor não identificado

Estava o Macaco a fazer a barba, numa bela manhã, quando recebeu uma visita:
– Bom dia, Macaco! – saudou, eufórico, o Jacaré – Concluí que temos de ser amigos.
– Estás maluco ou quê? – retorquiu o Macaco – Somos vizinhos e isso BASTA!
– Está aí um ponto que tenho de discordar contigo, Sr. Macaco…
– Mas discordar como, ó Jacaré? – interrompeu – Se tu és incapaz de trepar a mais baixa das árvores, que amigo hei-de ser para ti, eu que mal sei nadar? – refilou o Macaco.

Como era já meio-dia, o Macaco chegou até a pensar que tudo não passava de truques do Jacaré só para «patar» o almoço da família do outro.
– Não vale a pena! Não é possível juntar o que a natureza quer separado.
– Não concordo, Macaco! Não é justo culpares a natureza, quando o que falta é vontade. Ao menos tenta! Eu fico na água, tu na árvore – propôs o Jacaré.

Passavam-se os dias e fortalecia-se a relação. E num desses dias, surgiu o Jacaré com o mesmo entusiasmo e uma proposta na manga:
– Amigo Macaco, é já tempo de conheceres a nossa residência.
– Não sei se é boa a ideia, amigo Jacaré. Para mim estava melhor assim: tu lá e nós cá.
– Macaco, Macaco, não é possível negar-nos esse privilégio. Ao menos tenta! A minha casa fica lá naquela pedra, ao meio do rio, e levo-te às costas. Vês? É de fácil acesso!
– Aí o Macaco aceitou. Pesava-lhe a consciência desagradar um fiel amigo.

Chegados ao meio do rio, vem a surpresa:
– Bem, Macaco, sempre achei que entre amigos não deve haver segredos… A verdade é que a minha mãe está gravemente doente. O único remédio que a pode salvar é coração de Macaco. Foi por isso que te trouxe cá… E sinto-me na obrigação de te contar.
– Ai ééééé!? – exclamou o Macaco numa pausa de meio minuto – Só isso? Que falasses mais cedo! É que agora estou sem coração por uma questão de boas maneiras. Porque nós, macacos, quando levamos o coração brincamos muito mal em casa alheia; pulamos p’ra cá e p’ra lá… e mesmo você e a ilustre família não iriam gostar. Agora mesmo, temos de voltar à árvore para buscar o coração. RÁPIDO!
– Juras, Macaco?
– Ainda duvidas? Juro pela vida da “nossa mãe”, que ainda morre se nos atrasarmos.

O Jacaré faz meia volta em alta velocidade. Chegados à margem, o Macaco pula e grita:
– Já viste um animal sem coração, ó pateta?! Eu é que bruxei a tua mãe, p’ra me matares?

O Jacaré perdia um amigo e a mãe no mesmo dia. O Sr. Macaco salvou-se graças à inteligência na hora do perigo. Por isso, em Umbundu, macaco chama-se “Sima”. “Sima wasima olondunge vio’yovola” [o macaco pensou, o juízo o salvou].

(*) Gociante Patissa, Benguela. Ideia original de autor desconhecido, adaptação feita em 2008 para o programa “Aiué Sábado” da Rádio Morena Comercial
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