Texto de Alexandra Sobral Lisboa, Portugal |
Crónicas do Metro (que gostaria fossem
do quotidiano, mas não são). Hoje fui jantar a casa de uma amiga, ali para os
lados do bunker da PJ, e não levei carro (cada vez me apetece menos levar
carro, só de pensar nas voltas que tenho de dar para arranjar onde largar o
mesmo, não só nos sítios para onde vou, mas, mais gravemente, no sítio para
onde regresso, ainda para mais agora que me tornei fervorosa adepta de caminhar
e de andar de transportes públicos). Por via disso, fui de Metro até ao
Saldanha e fiz o restante percurso a pé. Estava aquele friozinho gostoso que um
qualquer cachecol sustém e uma boa caminhada afasta. No regresso, já passava um
bocado das onze, a caminhar para a hora em que todas as carruagens se
transformam em abóboras, ponderei vir de táxi, mas eu cada vez tenho menos
paciência para a conversa de tudólogos de vão de escada dos condutores dos
ditos, por isso, e por certo inspirada pelo Duque de Viseu que, a mim e à minha
amiga, nos acompanhou ao jantar, decidi vir de novo a pé e de Metro,
calcorreando o percurso inverso. Já dentro deste último, no lanço da linha
verde que se encarregaria de me trazer a casa, esperançadamente sã e salva,
olhei, com olhos de ver (diria a minha avó) para os meus concidadãos ou, pelo
menos, para os meus companheiros de viajem, a tentar perceber em que medida o
acontecimento do dia, a tomada de posse do novo governo, os incomodaria,
regozijaria, ou afectaria de um modo geral. Nada, nada de nada se descortinava,
no meio do mutismo geral, das olheiras ostentadas até ao queixo, dos cabeceares
sonolentos, da apatia gritante das gerações aparentemente mais velhas, que os
outros, os das gerações aparentemente mais novas, esses, que eram 90% do total,
fixamente, quase sem excepção, olhavam e movimentavam os dedos por sobre os
pequenos écrans dos respectivos e venerados ditadores (aqueles que ditam e se
vêm inquestionavelmente obedecidos), os telemóveis! Conclui, assim, e depois de
aturada observação, e atento o ar compenetrado com que todos estavam, que, por
certo, estariam todos, entre si, a debater o alcance do discurso da tomada de
posse, o proferido pelo PR!
(*) No Blog Angodebates, uma rubrica com textos da nossa amiga Alexandra Sobral, advogada de profissão, que, utilizando um transporte colectivo em Portugal, põe o seu sentido de observação em acção. Resulta disso um trabalho individual que passa a valer (se não muito mais, pelo menos) o dobro, uma vez submetido ao exercício de tradução de emoções pela via da escrita e partilhado no espírito cosmopolita da comunicação e socialização. Originalmente publicadas no mural Facebook da autora, saem com o genérico Crónicas do Metro, sendo da responsabilidade do Angodebates o complemento dado ao título para facilitar a distinção entre uma e outra. Dá imenso gosto passear por Portugal à boleia destes breves apontamentos
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