Pelo menos uma vez na vida, o Cão e o Gato
tentaram levar uma vida pacífica. É que não se justificava mais – entendiam
ambos – a rivalidade, vivendo sob o mesmo tecto:
– Vizinho Cão, consegues dizer-me a razão
de sermos inimigos?
– Para ser sincero, mano Gato, eis uma
pergunta que nunca ninguém me soube explicar! E, por falar nisso, já agora, essa
pergunta assim é p’ra quê?
– Bem, não é nada de especial. Mas…
– Eh pá! Acho melhor te afastares. Não penses
tu que me apanhaste a pata!!!
– Ora... Digamos que não, se queres saber.
Tanta era a retórica do Gato que ao Cão
faltavam argumentos para duvidar do novo projecto de paz no lar. Surpresa,
porém, ficou a dona de casa:
– Mas não vos parece que há paz a mais
nesta casa? Já não brigam nem nada?
– Quê isso, nossa ama?! – retorquiram
os ex-inimigos. – Bem…– avançou o Gato. – Decidimos acabar com a inimizade de
longos anos, cuja origem desconhecemos.
O tempo passava e melhor se entendiam. E quando
a ama tivesse de sair, um deles fazia de Oficial-dia. Geralmente, o Cão tinha o
papel de guarda, enquanto o Gato era electricista. E num belo dia, enquanto a
ama aguardava pelo noivo para um almoço romântico, descobriu ela que algo
faltava para os temperos. E:
– Amigos, vou sair. Já sabem que nesta
casa somos pela responsabilidade, não sabem?
– Claro, senhora! – confirmavam.
– Hoje, de quem é a vez ?
– Do mano Cão, senhora! – disse o Gato.
– Pois! Meu cãozinho, toma conta da casa e
ajuda o Gato.
– Pronto! A senhora sabe que sempre fui
seu amigo e fiel protector físico. – E dizendo isso, o Cão estendia os braços
para mostrar sua mascote de ouro, fingindo sacudir poeira do seu casaco novo,
mais novo até que a gravata.
Meia hora depois, com fome e gula, o Cão
dirigiu-se ao Gato:
– Confrade Gato, tira então um naco desse
peixe na grelha.
– Caro Cão, não digas isso nem mesmo a
brincar!
– Gato, então tu achas justo termos de suportar
o cheiro do grelhado, com fome?
E nesse puxa e não puxa, a boca do Cão
ficava cada vez mais cheia de água, até não aguentar mais. Ali forçou as garras
do gato sobre a grelha, beliscando uma boa parte do peixe, o qual devorou num
piscar de olhos. O Gato só chorava de dor pela queimadura.
Ao chegar à casa, perante a desgraça com o
grelhado, a ama bravou. O Cão limitou-se a fazer gestos de glamour. Alegava que,
sendo guarda, não sujaria a reputação por um peixe, por mais romântico que fosse. O
Gato, ainda emudecido pela dor da queimadura causada pelo falso amigo, não teve
tempo para se defender… e foi expulso do lar.
Moral: Por vezes o mal vem de quem menos
se espera, mas quase sempre paga o pobre.
Gociante Patissa,
2007 (adaptação de uma fábula contada na aula de ética social pelo professor
João Kassanji Santos durante o curso de sociologia, que não concluí).
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