Texto de Lauriano Tchoia Benguela, 06.03.2016 |
“Donana trás
mais comida para o Sando!” Era assim o meu Xará que a todo o custo queria me
ver feliz.
Cérebro de
elefante na grandeza de ver as coisas, os bois faziam dele um homem satisfeito
e honrado.
Reciclava a
memória afogando-se num trago de quissangua com o corpo descansando sobre um
banco de mukumbi. O tempo, que o separou do seu Humbi da saudade, contava-se
pelos bois paridos e Natais já vividos fora da terra de nascença.
“Já vi muita
coisa na minha vida, desde a guerra de 1915, a batalha do Oihole. Ainda jovem,”
(prosseguiu) “matei um boi a soco” (gabava-se da força). “Não fosse impedido
pelo meu, pai casava-me com uma branca”. Enquanto se olhava de baixo a cima,
apalpava os lábios, esboçando um dócil sorriso: “Eu já fui bonito, ó sandó”.
Cada
sábado representava uma victória. Era o dia em que o leite fresco ganhava forma
de dinheiro. A distribuição era feita por consignação ao longo da semana por
lojas e residências. Feita a recolha, regressava feliz à casa, garrafão de vinho
na mão, dois kilos de açúcar e uns trocos para poupança.
“Escreve Xará,
escreve, um dia morro e vais perder: no Kimbo Kawela tem o pastor Eipifeni,
duas nemas e um garrote são pra ti quando cresceres. Guarda bem esse bilhete e
não deixa perder. Quando um dia eu morrer, os teus bois já estão separados”.
Eu escrevia
apenas para o não magoar. No meu sonho
de menino do ensino preparatório, boi só cabia num prato sobre a mesa.
E a conversa entre sandó(s) crescia com a tarde
a ser impiedosamente engolida. Veio o jantar e o apelo à Donana, sua esposa,
para trazer mais comida, porque, segundo ele, criança repleta já não lambe os
dedos.
Os contos
sucediam-se, muitas vezes repetidos a meu pedido, como faziam rir todos os dias
na mesma intensidade! Voltar a contar,
sobre o coelho e o Leopardo, o caçador e as três jiboias, era o delírio em
plena fantasia. “Conta mais, conta mais avô”.
E eu fui
crescendo, o xará morrendo. Tombava na peste um vitelo, tombava aos pedaços o
coração do velho Piriquito Ya Tchimbundu, que se calou com os bois que não mais
mugiam. E eu que não guardei a carta do meu choro…
Xará, os meus
bois se perderam?!
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