Texto de Albano Epalanga, Lobito, 07.03.2016 (foto de autor não disponibilizada) |
Maria Antónia. Calma, simples e muito
reservada. Dona de uma beleza natural incomparável, era única na banda que não
passava despercebida. Eu já estava com os meus 25 anos, futuro quase definido:
Pastor. Muito por influência de meus pais que foram sacerdotes durante muito
tempo e parece que a única forma de honrá-los seria seguir a mesma carreira
«sacerdotal» fazendo jus ao ditado «filho de peixe é peixe». Os meus Pais eram
responsáveis pela evangelização a nível do Lobito. Morávamos no Bairro da
Bandeira, segundo alguns dos antigos moradores, o nome terá surgido devido a
uma bandeira enorme (da república) que ali se achava, bem no local onde se
situa a actual Comarca do Lobito.
— Boa tarde! Fixe Pastor?
Assim já estás a ler Bíblia né! — era a Maria Antónia, até
então a moça mais cobiçada do bairro, lá veio ela com sua voz mansa e
agradável. Só que daquela vez me apanhou distraído.
— Estou fixe, vocâ sabe
que eu ainda não sou Pastor, vou ser se Deus quiser.
— Sabe, Manucho, você é
muito especial para mim. — confesso-vos que o meu coração explodiu
quando disse isso) — Hoje terá um culto na Igreja e você é meu
convidado.
Não hesitei, aceitei de imediato, mesmo cônscio do quão inusitada aquela Igreja era (dessas neopentecostais). Conversa chama conversa, volta e meia estávamos a caminho, aquilo só era eu ("ame", "ame"), afinal passeava com a menina mais cobiçada do bairro.
— Manucho com a Mary, ééé!!! É hoje! Assim é só ele já! — comentavam os amigos
— Fala ai brada!?
— Yá. Está fixe meu.
(Manucho está nos cumprimentar assim... Só porque está andar com a Mary... Esse
wi é malaique, a sério!)
— Que Igreja mais bonita! — disse a ela em jeito de admiração... Enquanto se cantavam
louvores, o pastor ia entrando com a sua Bíblia ao sovaco. De repente e
aleatoriamente abriu-a, curiosamente no livro em que meditara. II Samuel 13,
ali onde se faz a narração dos filhos de Davi (Amnom, Tamar e Absalão) cujo
final foi trágico. Nisto, o Pastor pediu que o acompanhássemos na leitura
do versículo 38, que dizia «Assim Absalão fugiu, e foi para Gesur; esteve ali
três anos.» O Pastor olhou para a congregação (naquele dia estavam lotadas as
cadeiras da Igreja), pediu que fechássemos as bíblias e disse:
— Irmãos, há uma revelação
muito forte aqui. Sublinhem este nome: Absalão! O Senhor está falar para
abrires um salão de beleza, «abre salão», e o Senhor vai-te ajudar a crescer o
seu negócio. Irmãs, abram os vossos salões de Beleza! Este nome não veio à toa
na bíblia, é mesmo para abrir salão de beleza, irmão.
O sermão só estava no limiar e eu já me
achava céptico, pasmado, acabrunhado, acatabocanhado... Porque também não era
essa a forma de pregação que imaginava trazer aos fiéis quando um dia me viesse
a tornar um sacerdote. Do culto, ficou-me a dúvida: será revelação ou teologia
da prosperidade?
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Nota do Blog Angodebates: No ano em que completa o 10.º aniversário, o nosso Blog lançou um desafio de crescer junto com os seus leitores, abrindo para o efeito uma oficina para a divulgação de contos, crónicas e poesia de autores com ou sem livros. Como é natural, teremos colaboradores principiantes, pelo que lá onde for necessário, a gestão editorial do Blog fará ou sugerirá arranjo. O que esperamos é no futuro olhar para o primeiro texto de cada colaborador e festejarmos o progresso que for alcançando. Caso queira participar, pode mandar textos (crónica, poesia, conto) para patissagociante@yahoo.com
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