Em
tempos, por mais de uma vez, telefonei para uns amigos activos no exercício
político-partidário ligado ao emblema tradicional da minha família (MPLA).
Entre
sugestões e o puxão de orelhas, contestei o aspecto pouco atraente de alguns
comités de acção, quase sempre bem localizados. Será que não podiam os
deputados de cada partido contribuir com uma pequena mensalidade capaz de formar
salário de uma ou duas pessoas administrativas e deste modo manter a casa aberta?
De
argumento em argumento, sublinhei que tal aparente desleixo punha em causa o
princípio da ascensão a partir da base, pois se não arrumamos o ponto de
partida, ficaria complicado convencer novos militantes. Mas as minhas
intervenções, confesso, só pecam pela sua agenda escondida, ou não fossem elas
motivadas por memórias de infância e melancolia familiar. É que tal génio
conselheiro só salta do estado de hibernação cada vez que passo pelo comité
José Samuel, na Zona Comercial ou 28. O anúncio mais recente, colado na porta, é
sobre um evento ocorrido em 2014, salvo erro.
Com
a nossa chegada ao Lobito em 1985, fugidos do interior por causa da guerra
civil, passamos, finalmente, a ter um avô da parte materna. “Ó neto, eu sou o avô
Samueli”, dizia ele cada vez que nos saudasse, numa fonética muito próxima da
europeia, típica aliás de quem muito cedo veio para as cidades. Era primo e
supria bem a ausência afectiva de Gociante Kapiñalã, que nem por fotografias conhecíamos.
Morava no Kambembwa (zona alta do Lobito) o avô e nos enchia de mimos quando
nos fosse visitar ali perto do jardim do Elefante ou vice-versa.
Com
os filhos dele é que nunca houve muita proximidade com a nossa mãe, de resto uma
barreira frequente nas relações cidade-campo. Sabíamos que um é professor de
biologia e outro camionista de um Izusu cinzento que revendia sacos de carvão.
Acreditava a minha mãe que o José, se vivesse, seria diferente da frieza dos
irmãos. Ela fazia recurso inconsciente ao condicional generoso em que
conservamos o carácter de quem já partiu.
Mas
desse José não se podia falar muito, sobretudo na presença do avô Samuel
Ferramenta, seu pai, oriundo da Ganda. Como se já não bastassem os relatos de
sofrimento do nosso avô paterno, preso político colonial em São Nicolau
(1961-66), o lado materno viu um vigoroso militar assassinado ainda jovem em
1975, no Lobito, a mando de um figurão que hoje se auto-promove como o mais imaculado
dos patriotas.
José
Samuel, mártir que dava nome ao actual Terreiro do Pó, adjacente ao BFA, e a
uma escola no Alto Liro, filho de Samuel Ferramenta, também ele perecido já depois
de 1992 pela estupidez político-militar, é um primo da nossa mãe que não
conhecemos e que nem por isso deixou de estar presente em nossas vidas. E faz-me,
pois, espécie ver o comité em sua memória sempre fechado e atraindo pó. Pronto,
está aberto o jogo.
Gociante
Patissa, Lobito, 10 Março de 2016
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