Era a época das
radionovelas puras. Em Havana, as emissoras encaixam uma novela à outra, da
manhã à noite. A CMQ e a Cadena Azul disputam não só a audiência feminina como
os roteiristas para servi-las. Os atores não dão conta, vão de cabine em
cabine. Casam-se em uma, divorciam-se na outra, em todas vivem amores
adocicados e tremendos desenganos. Se um deles resolve pedir aumento de
salário, o diretor dá uma piscada para o roteirista e este os faz morrer no
capítulo seguinte, e ressuscita quando voltam pedindo emprego. (…) Junto com o
açúcar, Cuba exporta lágrimas para todo o continente. No exterior, os roteiros
das radionovelas são vendidos a peso de ouro.
Diante do
delírio de programações totalmente dramatizadas, os artistas da ilha caribenha
formam um Comitê de luta em prol dos programas musicais. Ninguém os leva a
sério. Os empresários só querem saber dos pontos do rating e dos dólares que
crescem em suas mãos como a espuma dos sabonetes que patrocinam as soap óperas
crioulas. Os ouvintes também não querem renunciar a esse vício prazeroso de
sofrer na pele alheia.
Conta-se que um
escritor com a imaginação já bloqueada de tanto ter de inventar um roteiro por
dia, estava para pedir demissão. Espremia o cérebro, assim como a roupa das
lavadeiras que escutavam suas novelas, mas não conseguia uma única idéia nova. O
datilógrafo veio em seu auxílio: —Não se preocupe, rapaz. Pegue um assunto
velho, de uns dez anos atrás, e inverta tudo. Dê-lhe outro título, troque os
personagens. O que antigamente era dito por ele, agora quem fala é ela. Quem
vai se lembrar?
Dito e escrito.
O escritor de novelas colocou a Marietta onde antes falava o Andreuccio. E do
avesso. No começo, aqueles roteiros reciclados alcançaram um bom êxito e
ninguém desconfiou do truque. Mas, à medida que os capítulos iam avançando, o público
começou a sentir algo estranho no enredo. No jardim noturno, a donzela namorava
com atrevimento o galã macho que suspirava timidamente da sacada. O roteirista
foi acusado de pervertido. E teve de reacomodar a toda pressa o elenco para que
a Comissão de Ética do Rádio não interviesse no assunto.
Isso aconteceu
em Cuba e também em todo o continente na década de 1950 e continua até hoje, só
que as andorinhas se aconchegam em outro ninho: as telenovelas monopolizam o
interesse das multidões tanto em Tóquio como em Madrid ou Moscovo. Por que o
gênero dramático nos seduz tanto? É que os seres humanos são assim, um
turbilhão de emoções.
(…)
O gênero
dramático evoca o passado, adianta o futuro e coloca ambos no presente.
Representa-os. Talvez por isso nos pareça tão próximo, tão familiar, porque
imita a vida, recria situações que vivemos ou que gostaríamos de ter vivido.
Desde as máscaras africanas até as crianças calçando o sapato dos pais.
José
Ignacio López Vigil, in «Manual Urgente Para Radialistas Apaixonados», Pág. 107. Edição Paulinas, 2004. São Paulo,
Brasil.
0 Deixe o seu comentário:
Enviar um comentário