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“Em uma certa comunidade do interior da
província de Benguela, vários meses passados após a instalação de um fontenário
à manivela (para minimizar o sofrimento de acarretar do rio que distava pelo
menos um quilómetro), o dispositivo continuava sem uso. Intrigados pelo gesto
de ingratidão da comunidade, os líderes da ONG responsável pela oferta teriam solicitado
uma explicação. E as autoridades tradicionais lá convocaram a assembleia à
sombra da mulemba. Em resposta, as senhoras argumentaram que, naquele meio, ir
ao rio acarretar água e lavar a roupa representavam, na divisão social de
papéis, uma escola para a futura dona de casa. Nenhum homem iria casar com uma
preguiçosa que bebe atrás da casa.” (Adaptação de um dos vários relatos que
introduziam em workshops e seminários o debate sobre o erro de introduzir
desenvolvimento sem a participação da comunidade.)
Estive ao longo de dois ou mais meses a
pesquisar estudos de caso pela Internet sobre o sector da sociedade civil em
Angola, especificamente no segmento das ONGs, associações, cooperativas, redes
e coligações. Pretendia eu com a pesquisa bibliográfica online colher subsídios
para uma compreensão do papel do sector voluntário, este "poder" que
ganhou espaço a partir de 1992, com a transição do regime de partido único para
o democrático multipartidário. Queria aprender lições para uma melhor
compreensão do seu impacto na vida das comunidades e os desafios à democracia
interna nas organizações, tanto aquelas que intervieram na ajuda humanitária/caridade
como as da promoção do desenvolvimento.
Isto foi antes de iniciar a partilha de uma série
de 18 artigos (análise e factos históricos) sob o genérico “Curiosidades e
memórias da AJS”, para coincidir com o 18.º aniversário da Associação Juvenil
para a Solidariedade, ONG de âmbito local baseada na cidade do Lobito, província
de Benguela. Os artigos foram bem recebidos por muitos mas também suscitaram um
esquisito recado por interposta pessoa a roçar a chantagem passiva, porque,
entendia apegando-se num só, o Facebook não deve ser usado para assuntos sérios.
As ONGs em funcionamento na província de
Benguela, que percentagem representam do total das que foram legalizadas? Que
factores ditaram as desintegrações dos associados? Pode-se falar em algum
"culpado comum" da morte das ONGs para além do fim de missão das
agências internacionais doadoras e que financiavam projectos em Angola? Em termos
de lideranças, quais é que podem ser alistadas numa selecção de pelo menos 10 sob
que critérios? Que lições ficam para a sociedade e para a academia (sociologia
principalmente)?
Observe-se que o único artigo que achei
intitula-se "Práticas Sociais E Políticas Das ONGs Em Angola. Metodologias
e Relações de Poder. O Caso Da ADRA E Da Visão Mundial”, assinado por Joaquim
Assis (ligado à Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Agostinho Neto,
Luanda), e publicado na Revista Brasileira de Estudos Africanos.
Do desenvolvimento sustentável, construção de
latrinas, impregnação de mosquiteiros com insecticidas, alfabetização, corte e
costura, integração social de pessoas com deficiência, ao melhoramento das
sementes, houve projectos incontáveis.
É minha proposta à UTCAH, às administrações
municipais e às demais entidades estatais que por força da sua missão tenham
sido depositárias de relatórios da intervenção de ONGs, que os digitalizem e se
crie uma biblioteca online. Tem custos que o OGE pode não prever, é verdade.
Mas ganhamos mais encaixotando em arquivo morto tanta informação ou dando vida
ao acervo que pode oferecer soluções para problemas ainda actuais?
Fica a tristeza por, ao que consta, haver pouco
incentivo à escrita de ensaios académicos (ou de relatórios consistentes), que
certamente agregariam valor à história de Angola. Fica também o receio de essa
ausência de registo, afinal, poder não ser tão inocente, mas apenas reflexo de
como o sector “especializado” na crítica pela boa governação, pela transparência
e pela justiça social, ande a esconder, em contra-mão, o próprio lixo debaixo do
tapete. E ainda era só isso. Obrigado.
Gociante Patissa (orgulhosamente formado pela
escola da vida das ONG nacionais e internacionais) | Benguela, 10 Janeiro 2017 | www.angodebates.blogspot.com
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