quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Opinião | Que tal digitalizar e disponibilizar relatórios das ONGs à consulta pública?

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“Em uma certa comunidade do interior da província de Benguela, vários meses passados após a instalação de um fontenário à manivela (para minimizar o sofrimento de acarretar do rio que distava pelo menos um quilómetro), o dispositivo continuava sem uso. Intrigados pelo gesto de ingratidão da comunidade, os líderes da ONG responsável pela oferta teriam solicitado uma explicação. E as autoridades tradicionais lá convocaram a assembleia à sombra da mulemba. Em resposta, as senhoras argumentaram que, naquele meio, ir ao rio acarretar água e lavar a roupa representavam, na divisão social de papéis, uma escola para a futura dona de casa. Nenhum homem iria casar com uma preguiçosa que bebe atrás da casa.” (Adaptação de um dos vários relatos que introduziam em workshops e seminários o debate sobre o erro de introduzir desenvolvimento sem a participação da comunidade.)

Estive ao longo de dois ou mais meses a pesquisar estudos de caso pela Internet sobre o sector da sociedade civil em Angola, especificamente no segmento das ONGs, associações, cooperativas, redes e coligações. Pretendia eu com a pesquisa bibliográfica online colher subsídios para uma compreensão do papel do sector voluntário, este "poder" que ganhou espaço a partir de 1992, com a transição do regime de partido único para o democrático multipartidário. Queria aprender lições para uma melhor compreensão do seu impacto na vida das comunidades e os desafios à democracia interna nas organizações, tanto aquelas que intervieram na ajuda humanitária/caridade como as da promoção do desenvolvimento.

Isto foi antes de iniciar a partilha de uma série de 18 artigos (análise e factos históricos) sob o genérico “Curiosidades e memórias da AJS”, para coincidir com o 18.º aniversário da Associação Juvenil para a Solidariedade, ONG de âmbito local baseada na cidade do Lobito, província de Benguela. Os artigos foram bem recebidos por muitos mas também suscitaram um esquisito recado por interposta pessoa a roçar a chantagem passiva, porque, entendia apegando-se num só, o Facebook não deve ser usado para assuntos sérios.

As ONGs em funcionamento na província de Benguela, que percentagem representam do total das que foram legalizadas? Que factores ditaram as desintegrações dos associados? Pode-se falar em algum "culpado comum" da morte das ONGs para além do fim de missão das agências internacionais doadoras e que financiavam projectos em Angola? Em termos de lideranças, quais é que podem ser alistadas numa selecção de pelo menos 10 sob que critérios? Que lições ficam para a sociedade e para a academia (sociologia principalmente)?

Observe-se que o único artigo que achei intitula-se "Práticas Sociais E Políticas Das ONGs Em Angola. Metodologias e Relações de Poder. O Caso Da ADRA E Da Visão Mundial”, assinado por Joaquim Assis (ligado à Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Agostinho Neto, Luanda), e publicado na Revista Brasileira de Estudos Africanos.

Do desenvolvimento sustentável, construção de latrinas, impregnação de mosquiteiros com insecticidas, alfabetização, corte e costura, integração social de pessoas com deficiência, ao melhoramento das sementes, houve projectos incontáveis.

É minha proposta à UTCAH, às administrações municipais e às demais entidades estatais que por força da sua missão tenham sido depositárias de relatórios da intervenção de ONGs, que os digitalizem e se crie uma biblioteca online. Tem custos que o OGE pode não prever, é verdade. Mas ganhamos mais encaixotando em arquivo morto tanta informação ou dando vida ao acervo que pode oferecer soluções para problemas ainda actuais?

Fica a tristeza por, ao que consta, haver pouco incentivo à escrita de ensaios académicos (ou de relatórios consistentes), que certamente agregariam valor à história de Angola. Fica também o receio de essa ausência de registo, afinal, poder não ser tão inocente, mas apenas reflexo de como o sector “especializado” na crítica pela boa governação, pela transparência e pela justiça social, ande a esconder, em contra-mão, o próprio lixo debaixo do tapete. E ainda era só isso. Obrigado.

Gociante Patissa (orgulhosamente formado pela escola da vida das ONG nacionais e internacionais) | Benguela, 10 Janeiro 2017 | www.angodebates.blogspot.com
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