quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Em linhas tortas (4)

Celebremos, somos homens! A culpa é da mulher, tem de ser. Sempre. Sempre ou quase sempre? Sei lá! Há que evitá-la. Culpa pelo vento que levanta a saia e expõe. Culpa pelo olhar enviesado do banhista, culpa pelo bolsar e coma etílicos do marido, culpa pelo filho confeccionado por ele fora e na vigência do casamento, culpa pela “bexiga” que dói, pelo odor do fluxo justo em dia de altos apetites. Culpa pelas crises de adolescência do agregado. Culpa por verbalizar palavrão, exteriorizar desejo, fazer uso da prodigiosa e mucosa estufa quando, com quem, onde e como aprouver. Culpa por servir no prato algo nada próximo ao do restaurante. Alvenaria armada com o patriarcal e a moral religiosa algumas vezes ultra-conservadora. Ah, e a maior delas: culpa pelo casamento que não der certo. Celebremos, pois somos homens! É o que fazia aquele vizinho do terraço na Zona Comercial. Os demais apadrinhavam por omissão o que para um invejoso podia soar revoltante. Investira os parcos recursos de estivador do Porto do Lobito na aquisição de um meio chamado mulher (não atesto o título de propriedade, culpa minha), a qual alojou, como já referimos, no terraço do edifício que dava a testa à Livraria Magalhães, defunta, por volta de 1998. Alimentava-a com o que podia, dava-lhe de beber também. E o meio cumpria, deduzimos, consoante o estímulo, as suas atribuições, não se sabendo a autoria da ausência de rebentos, se dele ou dela. O ponto mais alto do lazer, que tinha no desentendimento forjado a ignição, coincidia com os ciclos de salário. Invariavelmente depois das oito da noite, a percussão iniciava à porta fechada, acrescente-se, o que afastava a hipótese de se tratar de um improviso. Num primeiro plano os sons que chegavam à plateia eram estaladiços, depois agudos. A vizinha, merecidamente, estaria a apanhar. Tentei no outro dia bater violentamente à porta como meio de demover o vizinho do que me parecia ser agressão. Quase fui expulso do prédio. Não valia a pena se meter. A mulher era dele que, irritado, podia partir a socos para cima de mim que não passava de 55 Kg. O que vinha a seguir era previsível. Imaginava-se uma marido que agarra a mulher pelo braço e corre com ela de uma ponta sala, embatendo violentamente a cabeça dela contra a outra parede. Maldade a dela por ter carapinha frondosa e deste modo amortecer o impacto e aquele símbolo de valentia de macho, o galo da senhora ao amanhecer. E o meio chamado mulher só gritava: “Me bate só, mas não me xota de casa”. E ele, muito generoso, fazia esta vontade. Torturaria mais vezes, mas respeitando o limite. O que diria ela à família caso fosse xotada do lar, né? Ainda era só isso. Obrigado. | www.angodebates.blogspot.com
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