Nas
relações humanas há muito com que aprender. Se quisermos, a própria passagem
das pessoas pela humanidade não é senão uma constante exposição a
circunstâncias de aprendizado. Aprendemos na própria pele ou de ouvir e/ou ler
as experiências de outras pessoas (aquilo que as ciências consideram experiência
vicária).
A
humanidade prontamente estabeleceu preceitos, estereótipos, enfim, critérios,
justo ou injustos, para compreender (ou excluir) pessoas em função das características
com que reagem a estímulos idênticos. E naturalmente haverá aqueles cuja paz de
espírito reside em encaixar-se no “pacote dos bons”, não importa o quanto custe
isto em termos de autenticidade. Há que massagear a reputação. É certo que
alguns meios e agentes de socialização estimulam essa quase dupla
personalidade, na medida em que aparentar ser assertivo funciona como sinal de
identidade e pertença. O seio familiar (na sua dimensão alargada) é outro
incentivador de aparências, principalmente porque, naquele saudável manto de
afectos, os nossos continuarão sendo aquelas crianças ternas e virtuosas. Daí que
se fale em pais e mães galinhas e toda uma série de favoritismos (míopes).
Ganhei
noção disso de maneira relativamente cruel, ainda adolescente, num episódio
vivido em casa. Num belo dia, o meu pai levou-me de motorizada a ir comprar
gasolina nas bombas da praça da Catumbela. Ele ia ao volante (nunca gostei de
motorizadas. Da última vez que conduzi uma, o meu próprio irmão mais velho é
que quase me obrigou a dar uma volta). Trouxemos os dois bidons de dez litros
cada, cheios até à boca.
Deviam
ser onze da manhã. Havia iluminação na despensa. O pai poisou um dos bidons para
ganhar gravidade, inseriu uma ponta da mangueira e fazia a sucção com a boca
para excitar o curso do transbordo. Eu estou a um metro e meio dele. Observar para
aprender. A meio da operação ele engasga-se, retira bruscamente a mangueira da
boca. Infelizmente, por mau jeito, entorna boa quantidade de gasolina no ouvido
direito, a qual rapidamente penetrou o máximo que pôde. Armado em militar e
bom em primeiros socorros, o velho não procurou um especialista em
otorrinolaringologia. Deu só um jeitinho. Mais tarde aquilo veio a resultar numa
infecção de meter medo, ficou de cama.
Para
a surpresa minha, a narrativa montada já me envolvia. Era eu quem tinha
entornado a gasolina no ouvido do pai, já sabes, esses miúdos são
irresponsáveis. Lia-se mesmo a ira nos olhos de cada familiar que tomasse
contacto com o relato da “vítima”. E com razão. Eu tinha lesado o herói (político
e militar) da família, o provedor (vivia espalhando regalias, mesmo que em casa
dormíssemos à fome) e a figura mais eloquente (em suas mãos e provérbios passava
a resolução de todos os conflitos, mas só fora de portas, os de dentro
continuavam latentes). A minha condenação não podia ser maior. Não tive espaço
para me defender. Acho que a única pessoa que acreditou na minha versão foi a
minha mãe. O mais triste é o pai ter morrido sem nunca revelar a VERDADE sobre
o episódio.
A
vida ensinou-me cedo que o angolano tem na dificuldade de reconhecer os seus
erros uma tendência congénita. Relativiza ou transfere-os à incompreensão de outrem.
Porquê? Porque na relação de alteridade, temos uma sociedade com uma
mentalidade punitiva, o que pode dever-se à herança religiosa tradicional ou à ideologia
marxista. Sabe melhor termos a razão, cai bem sermos a vítima. Ainda era só
isso. Obrigado.
Gociante Patissa |
Benguela, 16 Janeiro 2018 | www.angodebates.blogspot.com
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