Benguela, cidade, anda movimentada, como devia
aliás andar, a caminho de trezentos e noventa e seis anos de existência. É
evidente que a data oficial está longe de ser consensual, havendo intelectuais
que se indignam por entenderem que, em cada dia dezassete de Maio, festejamos a
vitória militar do invasor colonial português, representado por Cerveira
Pereira, sobre os nossos antepassados, autóctones Bantu.
Janota, conhecido por doutor muito antes até de
tirar a licenciatura, procurava preencher o vazio que tem sido a sua cama,
desde que a esposa viajou para a China. Por muito que gostasse e bebesse de
filosofia, estava difícil o jejum (devo usar uma linguagem mais ou menos
sóbria, já que tenho sobrinhos menores seguindo-me no Facebook). Vai daí que
Janota deu um salto ali para as bandas da Sé Catedral, onde se diz haver um
bordel. Assim como ao lado de cada direito anda o respectivo dever, pureza e fé
têm sempre uma tentação à perna.
Em coisa de minutos, Janota tinha uma rapariga,
expedita vendedora de orgasmos simulados e um canto para o labor e o sabor, não
sem antes ficar claro o preçário. A menina fê-lo chegar à China por alguns
instantes. Ora, completada a viagem, surgia um tipo de conversa mais ou menos
imprevista para aquele segmento de negócio. «E agora, como vamos fazer? Posso
pagar com cartão?», indagava o saciado, enquanto calçava as meias antes de
botar a calça.
A rapariga olhou para ele, como quem diz, caramba!,
está aqui um espertalhão. E antes mesmo que ela emitisse uma palavra, o cliente
continuou justificando-se: «Sabes como é que é. É fim-de-semana, a função
pública pagou. Já circulei pela cidade e cercanias, mas nenhum aparelho tem
dinheiro. Mesmo a nível de macroeconomia, honrar os salários dos professores é
um caso sério, já que eles não produzem como tal. É um sector nobre, muito
importante, mas pobre. Com os militares é a mesma coisa. Não sei como vamos
fazer, sabes? Eu gosto de pagar as minhas contas, acontece que não consigo
tirar dinheiro do banco, sabes que aquilo enche que nem uma coisa doida.»
A rapariga ouvia, franzindo progressivamente a
testa. Pensava por dentro, do tipo, esse gajo não quer com este monte de
palavras que no final fique tudo por um crédito sine die, não?
«Doutor,
pela próxima, quando é assim, avisa antes. Estás a ver se hoje eu não trouxesse
o TPA, íamos mesmo se pegar nas camisas. E até não fica bem. Vá, dá lá o cartão
multicaixa. Hôko!, assim também querias quê?!»
Bom, ao menos o final foi feliz para o professor
Janota, uma vez que a menina, sendo profissional com visão empreendedora, tinha
a sua máquina de pagamento electrónico na mesma bolsa em que guardava os
preservativos, pensos e lubrificantes íntimos, não tendo sido necessário, como
ela mesma disse, «se pegar nas camisas». Como diria o ditado, para um esperto,
esperto e meio.
Gociante Patissa, 25 Maio 2013. In «O Apito Que Não Se Ouviu»,
2015. Pág. 54. União dos Escritores Angolanos. 1.ª Edição. Luanda, Angola . 2015
Colecção: «Sete Egos»
(*) livro de
crónicas disponível na Livraria Sucam e na Tabacaria Grilo, em Benguela, ou na
sede da União dos Escritores Angolanos, em Luanda, sita no Largo das Escolas. Mil kwanzas o exemplar
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