(I)
“Doutora
Felismina! Venha só ver. O que é que eu fiz para merecer isto???!!!”
“O
que foi, doutora Ernestina, para tamanho alarido?”
“O
seu filho, um matulão destes, que até leite do biberão dei, hã!, hoje vai pegar
à força a minha filha?! E quando vou-lhe perguntar me responde com duas
bofetadas?!”
“Mas
a doutora Ernestina já viu a gravidade da acusação? Qual é o corpo de delito?”
“Repare,
doutora Felismina, as escoriações no corpo da menina, a lingerie rebentada…”
“Credo!
A doutora agora sente o monstro que pari, né? É isso! Quando eu batia no gajo
ou ralhava, a doutora defendia, ‘ah não, não podemos muito apertar com os miúdos’.
Que me perdoe Deus, mas não somos mães para passar a vida a limpar as cagadas,
quer dizer desvarios, dos filhos. Está aí ele, é maior de idade. Faça o que
achar correcto.”
(II)
“Alô!
É do 113? Preciso patrulheiro, é urgente!!! Tenho uma queixa. O senhor polícia
está a ver o filho da doutora Felismina?” (…) “Ah, não conhece? Eu explico. É
assim um pouco alto, músculo de pedreiro. Então não é que apanhei o gajo a violar
a minha filha! Como mãe que sou, lhe chamei um nervo. E a resposta? Duas chapadas
da minha cara. Pwá! Pwá! Isto assim é legal?” (…) “Onde fica a minha casa? Na casa
da patroa! Moro no anexo atrás da casa.” (…) “O meu nome? Doutora Ernestina.” (…)
“Como assim, ‘doutora é o seu nome?!’ Então, mas uma empregada doméstica não
pode ter licenciatura, ó senhor agente? Desculpe-me lá, mas há cada pergunta!…
Direito.” (…) Qual é o itinerário? Mas, ó senhor polícia, francamente! Numa situação de emergência, o delinquente pode fugir, hã!, você ainda me pergunta o nome oficial da rua?! Não era mais fácil perguntar se a casa fica ao lado de quê?” (…) “Ah, pronto. Está desculpado.”
Direito.” (…) Qual é o itinerário? Mas, ó senhor polícia, francamente! Numa situação de emergência, o delinquente pode fugir, hã!, você ainda me pergunta o nome oficial da rua?! Não era mais fácil perguntar se a casa fica ao lado de quê?” (…) “Ah, pronto. Está desculpado.”
(III)
“Doutora
Ernestina, como vai esta saúde?”
“Vai
bem, doutora Felismina. Até estou a estranhar a sua visita. Alguma coisa?”
“Quê
isso, doutora?! Já não podemos mostrar preocupação com os mais próximos?”
“Quer
saber quando é o julgamento do vosso filho na violação frustrada à minha filha?”
“Para
ser franca, é por isso. A doutora nunca só cogitou, como mãe, retirar a queixa?”
“A
doutora sabe que o agressor chegou a ser solto sem explicação? Tive de pedir
uma audiência para questionar a justeza do processo. Depois de tudo voltar à
primeira forma, fiquei mais descansada. Agora é com o ministério público…”
“Doutora
Ernestina, acho que está a ser preciosista, a criar situações onde não existem.”
“Como
assim, doutora Felismina?”
“Mas
a doutora não sabe que a cadeia não tem condições, há mosquitos, superlotação,
doenças, desvios sexuais e tudo?! Quando penso que ainda ele não me deu netos…”
“Doutora
Felismina, não acha que deve perguntar isso ao ministro da justiça? Então, se o
habitáculo prisional é desprovido de habitabilidade, a vítima mais é que tem a culpa?”
“Não
nego o erro do meu filho, mas tenta lá retirar a queixa, ser humana, doutora. Assim
vai-me dizer que você nunca levou uma bofetada do seu falecido marido?”
“Doutora
Felismina, por favor, não me faças envergonhar! Então gastamos quatro anos a
estudar de noite o Direito para hoje defender que o lugar de criminoso é em
casa?”
Gociante
Patissa. Benguela, 25 Maio 2016
www.angodebates.blogspot.com
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