Cheguei a
ver o soba Miguel no papel de juiz, no último quinquénio do século vinte, num
diferendo que evoluíra para agressão corporal com pontapés (qual guarda-redes e
a bola) em recém-nascido. Tudo começou quando o jovem Welema resolveu assumir
os dois meses de gravidez que o Ukuma depositara na barriga da jovem Senje, sem
no entanto se apresentar. Welema convenceu a mãe da Senje, contra a vontade de
um tio desta, porém não levado a sério, e plantaram morada em Luanda. O
nascimento do bebé implicou vários gastos com assistência médica, quase levando
à morte a parturiente, ela que caminhava no prumo entre a adolescência e a
juventude propriamente dita. Dizia-se que era por causa de olondalu[1].
Quando o casal Welema e Senje regressou à terra de origem, ouviram-se pelas
esquinas bocas mil, segundo as quais Ukuma reclamava a paternidade do filho e o
direito de arranjar um chará (geralmente nome de um familiar) para ele. Isso
nunca!, contestaria Welema, julgando possuir todos os direitos sobre o bebé, já
que assumiu desde cedo a gravidez e as despesas do parto. Reunidas as famílias,
o soba impôs-se:
— Havia três jovens que foram pedir emprego. O primeiro entrou, relatou
convincentemente as suas capacidades, mas não apanhou o papel que encontrou no
chão. O segundo apanhou o papel da porta, mas ignorou outro que encontrou na
sala. O terceiro, que tinha um pouco menos em termos de capacidade, recolheu os
papéis que estavam no chão, e ficou com o emprego. O que você fez, ó pai, é
falta de respeito. Não se engravida menina de família, sem assumir, e ainda
sair por aí a anunciar que alguém está a sustentar nosso filho.
Nesta lógica,
além de perder o direito sobre a criança, o jovem Ukuma, órfão de pai, foi
obrigado a pagar em dinheiro uma multa que só por milagre conseguiria.
Gociante Patissa, in FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS, 2014. GRECIMA, Luanda. Programa LER ANGOLA.
PS:
Livro disponível a quinhentos kwanzas na livraria Texto Editores em Benguela e
rede KERO nas províncias em que estiver implatada.
[1] Acredita-se que seja doença resultante de promiscuidade dos cônjuges durante a gravidez.
0 Deixe o seu comentário:
Enviar um comentário