O
programa «Show da Zimbo», emitido de Luanda este sábado, 2 de Janeiro,
constituiu mais uma oportunidade desperdiçada para acabar com os equívocos a
respeito do que é, ou não, «gospel», ainda mais porque reuniu notáveis
fazedores de opinião na área.
Depois
de uma coreografia de dança no estilo kizomba, ao compasso de uma versão
angolanizada do tema «Jesus Cristo», original do brasileiro de Roberto Carlos,
voltou-se a discutir sobre o que ficava bem, ou não, «no gospel». A
problematização feita por um dos presentes, cujo nome não fixei, não podia ser
mais confusa: «será que fica bem combinar o estilo (sic) gospel com outros
estilos do nosso mercado?»
Daí
a discussão seguiu pelo painel de convidados, com o prodigioso Bambila a
recorrer à popular tese segundo a qual «todos os estilos foram inventados por
Deus». Falou inclusive da emanação divina em ir actualizando os artistas
conforme as gerações.
A
intenção podia ser boa, mas o que se viu foi um debate coxo e deslocado à
partida. A pergunta de base que se esperava dos moderadores seria: o que é
afinal «gospel»? Se consultarmos o Google ou um dicionário, é fácil perceber
que a palavra «gospel» não é necessariamente uma questão de ritmo nem de estilo.
O conceito de «gospel», excelências, implica a própria mensagem!
Com
a vossa permissão, peço por empréstimo as palavras do Oxford Mini School
Dictionary (2007: 256): «Gospel are the teachings of Christ;
something you can safely believe to be true» [é a divulgação do
evangelho de Cristo; algo em que temos fé que é verdadeiro]. O dicionário
revela ainda que os quatro primeiros livros do Novo Testamento são considerados
«The gospels».
Outro
exemplo pertinente vem de um veículo informativo digital do Brasil, o «Gospel Prime», que se
apresenta como «portal com conteúdo relevante que reúne notícias e música gospel,
estudos e artigos cristãos e tudo sobre o mundo evangélico.»
Agora,
se o que se quer debater é o padrão performativo adequado para louvar a Deus, a
discussão é outra. Afinal de contas, as manifestações artísticas são uma
questão de cultura. E como as igrejas evangélicas, tal como a Católica, são de
origem ocidental, as formas tradicionais de entoar reflectem também o jeito
daqueles povos de ser e estar na música, geralmente suave. Daí que o nosso
apelo vá para não se perder de vista a evolução sócio-histórica das igrejas em
África, reservando ao estilo «kembo» (dos tocoístas) o respeito e valor
identitário merecidos (e porque não ao ku-duro, ao sungura, etc., como já temos
visto, desde que bem e eticamente elaborados?) Universalidade é isso.
Numa
era cada vez mais dominada por estrangeirismos, com a língua inglesa a liderar,
aumentam os desafios pedagógicos da comunicação social em dissipar deturpações.
Gospel é muito mais do que cantar ou vender discos. Gospel é o Evangelho, seja
através de um jornal, de uma pintura, de uma conferência, ou de uma peça de
teatro.
Gociante Patissa. Benguela, 2 de Janeiro de 2016
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Muito boa a sua reflexão. Destaco o facto de muitas pessoas, incluindo cantores, nunca terem percebido que os estilos musicais que apresentam com frequência, são consequência da "colonização".
No Brasil, por exemplo, a música gospel é cantada em vários estilos musicais e consequência disso, é a mais consumida e a que mais vende.
Grato pelo seu contributo, caro Gil Lucamba.
Há um longo trabalho pela frente neste campo das identidades e dos resquícios da dominação colonial.
Um abraço de Benguela
Gociante Patissa
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