Titina distancia-se das de sua geração. Doseia com equilíbrio o romântico e
o pragmático. Vê-se em suas feições um remoto cruzamento do europeu com o
Bantu. As idas ao ginásio são responsáveis pela definição muscular das pernas,
o que bem serviria de moeda, se fosse pela sensualidade que ela se quisesse
identificar. Nem alta nem baixa, apenas com a altura suficiente para gerar
disciplina no serviço e escapar aos estereótipos.
(…)
Mulheres dinâmicas assim só têm um problema, a monotonia. Doente, saía-se
terrível. Queixava-se de tudo, até do que ia aos olhos de todo o mundo
impecavelmente. O corpo médico andava perto de se fartar de tanto queixume,
sim, porque a situação dela até não era nada, se comparada com outros
casos. «Boa tarde, senhora, como está a nossa disposição, hoje?».
Silêncio. Suspiro dorido. Um olhar à volta da sala em jeito de denúncia. «Como
estou, doutor? Como vou estar?», retruca. «É o que espero ouvir da
nossa amiga», responde-lhe, sorridente, o profissional. «Está mal,
doutor. É uma eternidade presa nesta cama, a pessoa até já sonha com o
pior», dramatiza. «Não seja por isso, minha cara, é apenas uma
perna engessada, quer dizer, seis dias de cama», minimiza o médico. «Seis
dias de cama? Como assim? Ai, e as noites não contam?», rabuja. «Pronto,
são seis dias e noites», daria o médico o braço a torcer.
A ilha de Luanda é um lugar com o poder de aproximar a grandiosidade do mar
à imensidão gastronómica de cidade cosmopolita. Numa das esplanadas dali, o
churrasco servia de pretexto para celebrar aquele dia bastante descontraído,
éramos quatro almas refasteladas em poltronas de junco e esponja. Só a Titina
teimava em manter-se de pé. Dois convites tinham sido em vão. Estava bem,
dizia, como se quisesse alargar o campo dos alongamentos a que havia sido
sujeita no ginásio.
Às tantas, algo capturava-nos os sentidos, num silêncio invulgar, que até
parecia combinado. Tudo muito rápido a poucos metros, como num filme: dois
ilustres desconhecidos saem abraçados do restaurante vidrado, que dá vida às
ruinas de uma doca que se esqueceu da idade, passos conforme as ondas algo
bravias. O céu, até há pouco cinzento, cai. Ela não corre, ele muito menos. É
já fim de tarde. Está frio, incisivo mesmo. Longe do carro, não perto de casa.
E beijam-se. Quem se escuda agora é a chuva. O bar tem dessas coisas. E não são
poucas a vezes em que a gente volta de lá com algo de algebricamente valioso,
dito por gente desconhecida da mesa ao lado.
Gociante Patissa, in «Fátussengóla, O Homem do
Rádio que Espalhava Dúvidas» (pág. 95). GRECIMA. Programa Ler Angola. Luanda,
2014
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