É
escusado dizer que a Titina e eu falávamos mais do que os restantes convivas, o
que mantinha praticamente intacta a porção de churrasco que nos cabia. Não era
só isso, a cerveja, coitada, aquecia na mão. Mas, isso pouco importava no
momento. Era evidente o cuidado da minha parte para não incorrer em indiscrição
danosa. É como digo, a partir de certa altura, procuramos viver as coisas em
sua plenitude: um sorriso disperso, um suspiro
cúmplice, uma promessa de carinho, uma ponta de cigarro. Aí a gente se dá conta
de estar a caminhar apressadamente para a velhice.
— Desculpa se estiver a ir longe demais, mas
gostava de entender uma coisa. Como é que esses cinco anos se transformam em
passado?
— Porque teve de ser, meu caro… Lembras-te do que
te falei sobre alma gémea?
— Claro.
— Não era só minha, era também alma gémea do mar.
Sabes, em dias de sol ardente no litoral, parece ser de meia hora a distância
entre nove da manhã e a hora doze. Sim, chovia suor, de tão quente que isso
estava. É nesse hiato que me chegou o aviso.
— Caramba! — exclamei, algo desprevenido, ante a
tragédia. — Sabia nadar?
— O quê que tem a ver? É o mar que quis ser feliz.
Quando chega a hora, parece que não custa largar o chão. Aliás, não sei quanto
aos outros, mas este mar daqui é travesti, tem artigo de homem, mas é
corrimento de sangue camuflado no azul que se vê…
Gociante Patissa, in «Fátussengóla, O Homem do Rádio que Espalhava Dúvidas» (pág. 101-102). GRECIMA. Programa Ler Angola. Luanda, 2014
Gociante Patissa, in «Fátussengóla, O Homem do Rádio que Espalhava Dúvidas» (pág. 101-102). GRECIMA. Programa Ler Angola. Luanda, 2014
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