foto de autor não indentificado |
Como a estação chuvosa tinha sido fraca, a aldeia vestia-se de carência.
Pirão de milho ou de bombó à mesa? Quanto luxo! O povo comia mesmo era pirão de
batata-doce, jocosamente conhecido por alcatrão, dado o tom castanho torrado.
Para piorar as coisas, o frio tem o hábito de tornar a rama (folhas de
batateira) amarga, de sorte que pouco sabia para conduto. De mal a mal, O
caudal do rio andava perto de seco, tornando impossível a pesca continental. O
talho do velho Mango até tinha alguma carne, mas só para os abastados, nada
tendo de valor os aldeões comuns com que permutar.
Entretanto, é em tempos difíceis que os actos de bravura mais se
evidenciam. E para desafiar a crise, lá os homens todos da aldeia decidiram
realizar a caça colectiva. Uns ateavam fogo ao capim, outros agitavam os
animais escondidos, enquanto os demais empunhavam flechas e azagaias, ajudados
por cães – cujo tributo não passava de osso limpo e míseras tripas, quando
sobrassem. A carne devia ser
repartida em iguais porções. Festejava-se cada regresso, não tanto pela
quantidade, mas porque a aldeia via na caça uma escola de transmissão de
valores e costumes entre gerações.
Mas houve alguém que achava que, caçando só, mostraria mais valentia. Além
do mais, como não teria que dividir a carne, mesmo que abatesse um só coelho,
bem chegaria para uma refeição com a família. Chamava-se Kameia. Foi então que,
em mais um dia de caça, Kameia foi espreitar na sua “etambo” (cubata
dos espíritos) para agradecer aos antepassados. Deixou lá ficar uma bola de
pirão e, já cumprido o ritual, seguiu.
A mata estava mais calma do que o habitual, só os pássaros ofereciam a
sinfonia natural ao vento. Não se viam borboletas. De repente, Kameia ouve um
barulho, olha à sua volta e vê um tigre. O bicho procurava escapar da
perseguição de um leão que estava decidido a matar o inferior hierárquico para
não morrer a fome. O caçador, em pânico, não acabasse ele em ementa para os
bichos, agarrou-se à mais alta das árvores ali perto. O tigre, desesperado, fez
o mesmo. Só depois de atingir o topo, o tigre notou que um pouquinho abaixo
estava um homem agarrado a um galho. Como o leão não podia trepar, deitou-se ao
pé da árvore, certo de que o cansaço e a fome fariam a presa descer.
Depois de se acalmar, o tigre concluiu que, fazendo cair o homem, o
problema do leão estaria resolvido. E começou a pisá-lo na cabeça, cada golpe
mais violento que o outro. Mas o homem tinha o medo para resistir. Enquanto
isso, o leão, sem pressa, já lambia os bigodes antecipadamente, imaginando o
bom apetite que teria ao degustar o tigre.
Cada vez que olhasse para baixo, o tigre empurrava com mais força ainda o
caçador que, em retaliação, cortava o galho onde estava pendurado o tigre. A
cena repetiu-se até que o galho cedeu. Caíram o galho, o tigre e o Kameia para
o chão. Tão grande foi o estrondo da queda, que o leão julgou tratar-se do fim
do mundo. Inconsciente, desatou a fugir. Mas não fugiu só ele, fugiram também o
tigre e o caçador.
Moral: Para cada corajoso, o seu medo.
Adaptação de Gociante Patissa, recolha do meu kota (irmão mais velho) Amós
Patissa. Publicado inicialmente no Boletim “A Voz do Olho” Veículo Informativo,
Educativo e Cultural da AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade). Lobito,
Dezembro/2007
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