Vou eu em manhã de intermitente sol pelas cercanias do
Sagrada Família, no simples gozo de caminhar. Luanda, para turistas, ganha-se a
pé. Tudo sobre rodas é lento, quase preso ao lugar. Até das árvores, as copas
perderam a ginga, não se dá o vento a colher, vento que se converteu em sólido
em obediência à malha gigantesca de edifícios. Não chove.
E caminho no sentido oeste, digo caminhava. Não posso
seguir, há sobre a calçada um destacamento da UGP - não que eu temesse armas,
tão evidente que é o dom meu de anti-balas congénito, não é? Eh pá, é assim: os
carabineiros estão bem no seu posto de trabalho, e não é de bom tom os
importunar com "dá licenças" em meu dia de ócio, não é verdade? -
Tenho de voltar ao quarto.
Os quartos de hotel são iguais. Eu deles não gosto. Já
nasceram impessoais. Escondo-me no aconchego cosmopolita de um livro, mas é por
pouco tempo, felizmente. O companheiro de jornada convida para a caminhada, ao
que anuo.
Pelo caminho, uma agradavel supresa, a primeira: chega ao
fim a lacuna deixada há dias pelo par de calçado convencional para os dias de
ofício. Sapato com o mínimo de estética e ao mínimo preço. Ufa!, para alguma
coisa vale a insubordinação dos vendedores ambulantes aos fiscais da Câmara e
respectivo código de postura.
E seguimos desbravando avenidas, até o colega achar a
embaixada de um país que ansiava, a segunda surpresa. Há que retornar ao hotel,
mas não sem antes parar no pátio do católico templo e engraxar os sapatinhos.
Banco há um só e é para o cliente, no que me contento com um imediato
improviso.
Como não reluz o sapato do amigo, tomo de assalto a caixa
e as escovas, pondo em prática a experiência acumulada na transição entre as
décadas de oitenta e a de noventa. Isso já num vai brilhar, desengana-nos o
mestre Maninho, que se insurge ao ser pelo seu amigo tratado por Mindo. Têm
ambos aspecto andrajoso, arriscaria em dizer moradores de rua.
Então, mas, entre Maninho e Mindo, tu preferes Maninho?
Meu kota, a minha mãe que me meteu na face da terra me deu nome de Maninho, num
é apelido. Isso é ele, que nome dele é Zé, mas aceita nome de Barriga. Quarquer
dia, fataliza ele, um Barriga de num sei onde vai fazer um mambo malaike e vão
pensar que é ele.
E és Barriga porquê? Indago eu, no conceito de que há
sempre uma história por de trás do nome. É apelido, responde ele, lacónico, seu
olhar omitindo algo. Eu não sossego, a barriga, entre os ovimbundu, reflecte a
bíblica metáfora do suor. Não é para encher a barriga que nos matamos de
trabalhar? És o Barriga porquê? Era barrigudo, diz, jocoso, o Maninho, o que
visivelmente não é verdade.
Qual é a razão de seres o Barriga? Eu cresci aqui, meu
kota, a lavar carro. E? Esse nome quem me deu é um mutilado que me recebeu
criança, me criou, e me ensinou muita coisa. Ele já morreu. Ele já me deixou
Barriga, é por isso que não se tiro o nome.
Gociante Patissa, Aeroporto 4 de Fevereiro, terminal
doméstico, Luanda, 07.11.14
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