Linda tinha o dom de o deixar
encabulado. Isso foi naquele tempo em que os rapazes se declaravam, plagiando
esta ou aquela letra de música brasileira romântica, Roberto, Fábio, Miranda,
Fafá, Camargos e companhia limitada, e aguardavam longos dias pelo sim da
rapariga, ou então pela gravidez que não era sua. Naquela época, o ajudante de
carpinteiro, Lukamba, vivia entusiasmo redobrado, um pouco por ter achado
dicionário lá no serviço, velho, velho como o amor e que tinha ganho já a cor
da madeira. Outro pouco do entusiasmo devia-se à intensidade dos sentimentos
ou, no mínimo, ansiedade. Porém, quando chegasse perto da rapariga, as palavras
fugiam.
— Você me procura, não fala quase nada… — disse-lhe, entre o carinho e o
protesto.
— Bem, minha bem-quista, é que quando te vejo, sinto… eh, no peito… algumas
espingardas.
A garota, a quem a diastema
tornava ainda mais radiante, sorriu um pouco para não deixar de dar o ar
simpático. Era bem capaz de nunca ter ouvido falar em espingardas (a guerra
comia armamento de verdade, não espingardazinhas).
Alguma vez no tempo se fez inevitável a despedida com a certeira promessa de um breve encontro. Isso, digo eu, se as espingardas não explodissem no peito do rapaz. É que se uma já mataria, imaginemos várias explodindo no peito de alguém. Definitivamente, no amor é como na guerra.
Tendo isso ocorrido no século
vinte, é escusado contabilizar o vácuo às eternidades. O mais recente beijo
permanecia congelado em forma de carimbo estampado naquele bilhete de
despedida, no gesto clássico de untar os lábios de batom e seguidamente beijar
o papel. Eram dela os lábios no papel hoje carcomido, sobrevivente eterno
algures na carteira de documentos, sem margem para dúvidas, apesar de evidente
a diferença. Aquele bilhete tinha qualquer coisa de trágico. Nem mesmo a
natureza floreada e perfumada do papel usado conseguia disfarçá-lo. E ele não
evitava sorrir emparvecido, olhos radiantes e molhados, todas as vezes que seguiram
à primeira leitura.
«Vou. Devo ir. Até um dia. Luanda é aqui perto», lia-se. «Guardo
tudo, o que esqueci e o que devo lembrar. No outro dia, nessa mania de amar sob
a chuva... lembras-te? Tem aquele dia ainda, entre a tua casa e a minha, que
esticaste o laço da minha última roupa. Aquilo depois rebentou, tive que o
levar embrulhado na mão. Como se não bastasse, o meu irmãozinho quase me
obrigava a mostrar, pensou que eram rebuçados. Você!...»
Gociante
Patissa, do conto Rua das Empregadas, in «O Homem que Plantava Aves». Penalux,
São Paulo, Brasil, 2017
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