domingo, 19 de novembro de 2017

(arquivo) Diário | E quem é a fonte?

"Ora, cá está o sindicalista mais famoso da província!..."
"Bondade sua, meu caro. Famosa é a vossa digna casa."
"É, né? Seja bem-vindo. Olha que o nosso diferencial no panorama jornalístico e informativo está mesmo na abertura, isenção e pluralidade. É que aqui, censura não mora. Não é fácil neste nosso país com o passado histórico que temos, como imagina... Pronto, está ligado o microfone. Vamos gravar..."
"Mas preparam ao menos as entrevistas? Ultimamente as entrevistas são feitas a free style, e é em todos os órgãos de informação..."
"Bem, caro sindicalista, esta parte não posso publicar assim como disse..."
"Mas é a minha opinião!"
"Pode ser mal recebido. Mas entendo o que o senhor quis dizer. Vou escrever que o sindicalista defende maior cobertura das actividades reivindicativas, é isso?"
"Estou a dizer que o habitual é que convidam mas não se faz a mínima pesquisa do que o entrevistado faz, às vezes nem do nome dele sabem. E isso não é nada bom para a tradição de rigor que o jornalismo tinha…"
"Mas, sabe de uma coisa? – E isso falo como amigo, já não é na qualidade de jornalista. – É bom não criar anti-corpos na classe, até mesmo porque a imprensa tem um poder que nem o meu caro amigo imagina."
"Isso quer dizer o quê?"
"Quer dizer que como experiente no metier, já sei as palavras que vou usar para a entrevista ser bem ouvida. Porque temos de saber falar para todos os segmentos e camadas…"
"Mas disse eu algum disparate?"
"Não, por amor de Deus!  Mas, pronto, vamos avançar, que o tempo é pouco e ainda temos mais perguntas."
"À vontade."
"Indo directo ao ponto da discórdia. A entidade patronal esteve cá e disse que o senhor em particular, em desprimor da responsabilidade que tem e do número de seguidores ideológicos, é o que mais periga a higiene no local de trabalho. Acha correcto o que tem feito?"
"Mas o patrão foi a tempo de falar também do défice de higiene interior que tem?"
"O que seria higiene interior?"
"Uma conduta coerente e deontologia e ética..."
"Mas o que é que isso acrescenta à resolução do diferendo?"
"Se ele acusa e ataca, julguei que falasse de exemplos morais de parte à parte."
"Chegou-nos a informação que o senhor passou uma semana de 'doença política', alegando dores lombares. O que tem a dizer?"
"E quem é a fonte?"
"O senhor quer praticar censura?! Já ouviu falar da liberdade de imprensa, de opinião e da protecção das fontes? O senhor acha que andamos a brincar no jornalismo ou quê?! Se acha que é tarefa fácil, com todo o respeito, porque é que não vem exercer?!"
"Não se chateie caro entrevistador. Essa sua fonte foi honesta o suficiente para explicar que passei a trabalhar sentado em mesa plástica de bar, as chamadas 'espera condições', desde que o chefe cedeu a minha sala a uma estagiária particular que lhe serve o café?"
"Vê lá se nos entendemos à luz da clarificação de papéis! Quem faz perguntas sou eu. Para já, o senhor acha educado criticar um superior hierárquico aos microfones?! Acha que a sociedade vai respeitar um sindicalismo deste género, quando até a própria palavra do Senhor ensina respeitar as nossas autoridades em primeiro lugar?!"
"Quem começou com perguntas enviesadas é você..."
"Eu para já não admito que me chamusquem a reputação. Se o senhor quer censurar, não é aqui! Você tem ideia do esforço dedicado por todo um colectivo para se construir essa imagem de excelência jornalística, isenção e pluralidade que temos?!"

www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Benguela, 21.05.2016
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