Manuel Patissa, preso político em São Nicolau entre 1961-66 |
A história universal só faz sentido se for colectiva. Por outro lado, a
mesma história, porque assenta no registo de acontecimentos sobre pessoas,
também só faz sentido como somatório de relatos individuais dos visados.
Afinal, tanto os protagonistas, como as vítimas, vêm de núcleos familiares.
Embora a nossa história mediatizada só realce o 4 de Fevereiro e,
consequentemente, os heróis do território de Luanda, a verdade porém é que o
ano de 1961 marcou irreversivelmente localidades, comunidades e os valores de
família de muita gente também no centro e sul do país.
As rusgas dos alegados «turras», que ocorreram neste ano, uma reacção
desesperada das autoridades coloniais portuguesas, atingiram muitos, entre
comerciantes, líderes religiosos evangélicos, e não só, no interior da
província de Benguela, empurrados para o centro prisional de São Nicolau
(Moçâmedes, hoje Bentiaba, no Namibe). As sevícias a que foram sujeitos os prisioneiros,
relatadas na primeira pessoa, viriam a fortalecer as convicções do ainda
adolescente (meu pai), que aos 15 anos viu o pai, ainda enlutado, ser torturado
e humilhado. Foi na verdade esta revolta de filho que o levaria à adesão dos
movimentos, ao exercício da política, administração e tudo mais (com os
desencantos previsíveis no rumo do país sonhado).
Em 1961, Manuel Patissa, o meu avô paterno e xará, aos 45 anos de idade
e menos de seis meses passados sobre a morte da mulher, foi preso pelo regime
colonial português na região do Bocoio, Benguela, e mandado para a cadeia de
São Nicolau, abandonando cinco filhos menores. O único crime? Ser líder da sua sinagoga (Igreja Evangélica do
Sudoeste – agora Sinodal – de Angola) e saber ler e escrever. Só foi libertado em 1966.
O fascista e racista regime andava tresloucado pelo efeito contrário da
sua arma opressora, a fé cristã (usada para amaciar e patrocinar a
escravatura), que se revestiu do carácter libertário. De cristãos e bons
indígenas, já se encaixavam no estatuto de “turras” (terroristas), associados
ao início da luta armada de libertação nacional. Juntamente com meu avô teriam
cumprido cadeia o “Liambandino” (corruptela de Diamantino), que cheguei a
conhecer enquanto motorista de Chevrolet cinzenta, e o reverendo Malaquias (pai da jornalista RNA Bela Malaquias, salvo erro).
Como em tudo, o ano de 1961, o do 4 de Fevereiro, determinou o destino
ideológico de muitos. E isso transcende gerações, não se podendo esperar que os
nascidos depois de 1975 sejam completamente alienados ao legado familiar. É
certo que se deve olhar para a coisa despidos de sentimentos de vingança. Seja
como for, como aliás disse alguém recentemente, não foi à procura de
glorificação que os nossos se sacrificaram pela sua Terra.
www.angodebates.blogspot.com
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Tristes histórias do antigamente mas hoje acho que é pior, talvez não nesse País mas noutros, como vemos na TV.
Abraço
Tem razão, caro Manuel Luís, a história tem a triste mania de se ir repetindo a si própria, só alterando as circunstâncias. Abraço retribuído.
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