Faltavam dez
dias para ir ao ar e ainda não tínhamos locutores. Impaciente, coloquei um
anúncio na própria emissora que já havia iniciado as transmissões
experimentais. Como Tamayo é uma cidadezinha do interior, será preciso
repeti-lo várias vezes, pensei ingenuamente. Uma menção foi suficiente. No dia
seguinte, quando cheguei à rádio, vi a fila de jovens, todos ansiosos em se
tornar locutores da Radio Enriquillo.
A verdade é que
ainda não havia pensado em como faria a seleção. Então decidi colocar uma mesa
sob o mogno do pátio e fui fazendo passar os candidatos um a um, uma a uma, para
avaliar suas qualidades locutorais. Ao primeiro, entreguei um jornal para que o
lesse em voz alta. Levou a mão ao ouvido, pigarreou e começou a atropelar as
palavras como se estivesse sendo perseguido pela polícia. A segunda era uma
moça muito simpática e muito decotada. Aproximou-se com olhar malicioso,
inclinou-se mais do necessário para pegar o jornal... e em vez de lê-lo,
abanou-se com ele por causa do calor. O terceiro da fila pegou o jornal de
ponta-cabeça.
Não sabia ler,
embora declarasse ter estudado locução por correspondência. (Jamais consegui entender
como é possível aprender a falar pelo correio!) Enfim, depois de duas
intermináveis horas dispensando os aspirantes, chegou um rapaz risonho, suado,
de aparência humilde. Manuel leu bem, sem afetação, com surpreendente
desenvoltura. Contratei-o imediatamente para fazer o jornal matutino que
começava às cinco, antes do sol.
Manuel vinha
montado em um burro até a emissora. Amarrava o animal ao poste de luz, entrava
na cabine, tirava a camisa e começava a locutar com toda a disposição. Discos, piadas,
atendimento aos ouvintes. Seu entusiasmo era tal que rapidamente despertou a
admiração no bairro e nos campos. Ser locutor em Tamayo, no marginalizado
sudoeste da República Dominicana, equivale a ser Jack Nicholson em Hollywood.
Choviam convites, aproximavam-se os amigos. As amigas, principalmente.
Passados alguns
meses, Manuel havia mudado sua forma de falar pelo rádio e de se relacionar com
os colegas. Mudara até o jeito de andar. Agora ia pela rua todo vaidoso, de
peito erguido, cumprimentando para um lado e para outro, com um sorriso
plastificado. Quando o salário foi suficiente para trocar o burro por uma moto,
então a metamorfose foi completa. Não queria mais visitar as comunidades para
fazer entrevistas, não colocava mais o galo madrugador de fundo nem lia as
cartas dos agricultores, e não havia quem pudesse corrigi-lo. Ele sabia mais do
que todos. Era o locutor!
Tive de
despedi-lo, tão insuportável se tornara. E, sobretudo, porque não fazia mais o programa
com a graça do começo. Tinha asas de barata na cabeça, como costumam dizer por
lá. Tenho certeza que casos semelhantes foram vividos por muitos chefes de
programação de muitas emissoras.
José Ignacio López Vigil, in «Manual Urgente Para
Radialistas Apaixonados», Pág. 74. Edição
Paulinas,
2004. São Paulo, Brasil.
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