Texto de Guilson Silvano Saxingo Saurimo, 23.02.2016 |
Muitos foram os esforços das autoridades locais e agentes
desportivos que lutaram e labutaram dia após dia para acontecer o tão esperado
e cobiçado Girabola, que há 23 anos por cá não acontecia! Na última jornada da
"segundona", o centro do Leste vibrou, festejou e viu o sonho feito
realidade.
Barracas aqui e acolá, quase todos automobilistas,
motociclistas, velocípedes e aqueles a quem os pés eram únicos escravos que os
possibilitavam ver o céu! Abastecimento grátis, Cuca à metade do preço
habitual, barris de garrafas ensanguentadas ao dispor dos jovens cegos e
corrompidos… pelo álcool. Começou a festa…
96 dias e noites, o sol bravo e bonito raiou. Logo nas
primeiras horas do dia, começou a desordem organizada. Todavia, às sete da
manhã saía eu de rosto envergonhado a caminho da capela que dista uns poucos
quilómetros da minha cabana. Logo à porta, as crianças correram para abraçar o
indigno servo, pois foi o primeiro dia de catequese naquele ano. Quebramos e
matamos saudades com um bom sorriso. Quando ministrava a catequese apareceu-me
uma menina neófita, rabugenta e atrevida, disse: “Catequista tens que me
aguentar e se dar bem comigo!” Inquieto e pávido diante do carácter da menina,
retorqui: “Filha fique calma, vou trabalhar convosco e terei de suportar e ter
boa relação com todos, sem excepção”.
Peguei nas minhas "imbambas" de regresso a casa.
Nisto, deparo-me com grupo de manifestantes políticos com cores e rostos dos
seus líderes estampados nas T-sshirts, bonés e panfletos! Mas algo mais
chamou-me a atenção. Reparei que havia arroz e massa mistos, a manifestarem. Ou
seja, dois partidos "políticos" com ideologias diferentes. Dum lado
um sekulu, e doutro, um novato, juntos e unidos numa autêntica passeata.
Impressionante!...
A partir de uma hora da tarde muitas cabeças, troncos e
membros dirigiam-se ao estádio das mangueiras (que um dia antes da partida
esteve em reabilitação). E como não gosto que me contem, consegui
"trezentos pica" para comprar o ingresso, que já não havia. Fui salvo
por um kandengue que revendeu o seu a quatrocentos pica. Fui suportar a
insuportável "bicha" que já nem no tempo de PAM (**) era assim.
Sujeitei-me aos empurrões até estar na bancada barata do estádio. De facto,
aquilo ficou repleto de pessoas ávidas de ver a primeira partida da maior festa
do futebol angolano! Aposto que os os jovens da ponta da língua do sec. XX
jamais viram!
O jogo prosseguiu, com outras tantas cenas que ocorriam,
desde a invasão dos adeptos habituados a favores, as dignas mamãs zungueiras
deambulando com os seus negócios, ou as moças aparecedoras desfilando
irritantemente por todo o lado, exibindo as mabubas. E no final, o resultado
ditou: Progresso do Nagrelha 1-2 Progresso do Bikuku.
Guilson Silvano Saxingo (angolano, nasceu na Província da
Lunda Norte (1994). Actualmente a residir na cidade de Saurimo, é estudante de
Direito no Instituto Superior Politécnico Lusíada da Lunda Sul e membro do
movimento Lev´Arte)
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(*) Na língua Cokwe, do leste de Angola, quer dizer O
Girabola chegou ao Saurimo
(**) Programa Alimentar Mundial (organismo humanitário das
Nações Unidas)
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Guilson Silvano Saxingo (angolano, nasceu
na Província da Lunda Norte (1994). Actualmente a residir na cidade de Saurimo,
é estudante de Direito no Instituto Superior Politécnico Lusíada da Lunda Sul e
membro do movimento Lev´Arte)
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Nota do Blog Angodebates: No ano em que completa o 10.º
aniversário, o nosso Blog lançou um desafio de crescer junto com os seus
leitores, abrindo para o efeito uma oficina para a divulgação de contos,
crónicas e poesia de autores com ou sem livros. Como é natural, teremos
colaboradores principiantes, pelo que lá onde for necessário, a gestão
editorial do Blog fará ou sugerirá arranjo. O que esperamos é no futuro olhar
para o primeiro texto de cada colaborador e festejarmos o progresso que for
alcançando.
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